Isso, isso, isso é cultura!

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

por Josy Antunes


28 de setembro de 2009: uma manhã chuvosa de segunda-feira, quando pode-se obviamente esperar que o quentinho das camas seja deixado com dificuldade. A música circense se espalhava pela Getúlio Vargas, acabando com a movimentação preguiçosa das ruas centrais de Nova Iguaçu. Na passarela da estação ferroviária, os trabalhadores perguntavam-se o destino daquela legião de crianças uniformizadas, que coloriam de azul a rampa de descida. Os mais informados já sabiam: era o Encontrarte, atraindo a população iguaçuana para o Espaço Cultural Sylvio Monteiro.

No pátio externo do local, sentadas juntinhas no chão, as crianças não desviavam os olhos dos palhaços da Fanfarras Produções Artísticas. Os adultos, com suas pernas compridas, misturavam-se aos pequenos. Em frente à tenda vermelha e roxa que lhes servia de cenário, os três “fanfarreiros” apresentavam suas habilidades, com as mais inusitadas acrobacias e jogadas humorísticas, que deveriam “caber” em 15 minutos de apresentação.

Munida apenas de sua vontade de reviver a clássica série de Roberto Bolaños, a fotógrafa Bruna Jacubovski deu descanso ao seu equipamento e a si própria, para unir-se ao público, infantil em sua maioria. “Liguei para meu sócio e falei que não ia dar pra ir cedo, porque ia ver uma peça de teatro”, conta em meio a “muitissíssimas” risadas – aproprio-me aqui da linguagem da turma que, em instantes, dominaria o palco – ainda achando absurda a ideia de, aos 19 anos, ter cometido tal ação. “Quero rir muito! Vim sozinha, ninguém quis vir comigo”, conta a moça, que tem o You Tube como aliado, quando se faz presente a saudade do famoso menino do barril.


O espetáculo “A turma do Chaves” vem sendo apresentado, há cerca de 3 anos, pela Miraguri Produções Artísticas. A partir do nome, nota-se a principal preocupação do grupo. “Guri”, expressão gaúcha que designa “criança”, é o melhor termo para tal objetivo, na opinião do ator Fábio de Luca, que acrescentou o “Mira”, no sentido de “foco”.

Engavetado
Para o Encontrarte, a Miraguri inscreveu, além do infantil, duas comédias adultas. Foram então enviados três materiais, que continham os vídeos com as apresentações na íntegra – como fora solicitado pela produção do evento. Foi Fábio que recebeu o telefonema que informava a aceitação do grupo. Seus companheiros de palco, ao receberem a notícia, logo perguntaram qual dos dois espetáculos para o público adulto havia sido selecionado. Para surpresa geral, a comissão julgadora havia se encantado com “Chaves”.

O espetáculo, que estava “engavetado” há alguns meses, ressurgiu especialmente para o Encontro de Artes Cênicas da Baixada Fluminense, que está em sua oitava edição. “Quando fiquei sabendo que eles passaram, eu falei: ‘gente, por favor, eu quero fazer a Pópis, quero fazer a Dona Florinda, quero voltar pro palco no Encontrarte, que é um evento que eu nunca participei’”, relembra a atriz e cineasta Loeni Mazzei, que interpreta as duas personagens. Com exceção de Mariah Huguenin e Fábio de Luca – respectivamente Chiquinha e Kiko – o grupo, como um todo, nunca participara do Encontrarte, de cima do palco.

No camarim, a turma da Miraguri se transformava em outra, que completaria a vila já montada no teatro. Eles não podiam fazer ideia da imensidão da fila que já se formava no corredor do Sylvio Monteiro. Com o final da apresentação dos artistas da Fanfarras, sob fortes aplausos da produção do Encontrarte, o público rumou para a porta que os levaria ao aguardado espetáculo. Aqueles prevenidos, que já haviam adquirido os ingressos através de agendamento – como no caso das escolas – tinham prioridade. Apesar do número assustadoramente grande de espectadores, a promessa foi feita: ninguém ficaria de fora.


Uma turma do quinto ano da Escola Municipal Altair Pimenta de Moraes, com idades que variavam de nove a onze anos, se organizava dentro do alinhamento de pessoas. Era visível a ansiedade das crianças, pouco acostumadas a saídas em grupo, como a que estava acontecendo. “A turma do Chaves” foi uma escolha unânime dos próprios alunos.

“A gente fez tudo muito democrático com eles”, explica Alessandra Avelino, a coordenadora de aprendizagem da escola. Apoiadas pela direção, a Coordenadora Político-Pedagógica – a CPP - , a professora de incentivo à palavra e a coordenadora que, triunfante, contava-me os detalhes do passeio, assumiram a responsabilidade daqueles pequenos. “Nos dividimos e cada uma veio com uma quantidade de alunos”, esclarece a educadora. Alessandra considera que o ato de sair da escola já pode ser considerado como um movimento cultural. “Quando você apresenta pra uma criança o teatro, ela vê que existe um mundo bonito, diferente da realidade dela”, diz Alessandra, radiante.

Atenção redobrada
O trajeto até o Espaço Cultural acabou transformando-se em uma inusitada aula-passeio, ao incluir o transporte em ônibus de linha, as travessias pelas ruas, a atenção aos semáforos, a passagem pela estação de trem, entre outros detalhes que se tornam mais ricos ao passar pelo filtro de um olhar infantil. Além do entretenimento, “A turma do Chaves” proporcionaria temas para próximas atividades, já em sala de aula, o que exigiria atenção redobrada dos pequenos espectadores. “Eles vão fazer atividades de pintura e produção de texto, relacionadas à peça e até mesmo ao Encontrarte”, adianta a coordenadora de aprendizagem.

A apenas alguns passos atrás da turminha guiada por Alessandra, Fabiana Regina, professora de outra escola municipal, não pôde deixar de frisar: “Eles vieram comentando sobre Chaves da escola até aqui! Estão super-satisfeitos e contentes”.

Na fila, também estavam presentes as futuras professoras, identificadas pelas meias 3x4 e saias de pregas. Unindo dever e diversão, elas garantiriam cinco horas de atividades complementares. Thamiris da Silva de Almeida foi porta-voz de um trio de normalistas que, apesar de estudar no horário matutino, marcou presença no evento. “A gente aproveitou que era dia de prova e veio correndo pra cá”, conta a menina, acrescentando: “Nunca vimos uma peça como essa, deve ser bem interessante”.

Instantes antes das 10 horas, as portas foram abertas. Os produtores do Encontrarte recebiam o público. Não tardou para que as cadeiras estivessem completamente preenchidas, o que não impediu que o fluxo de pessoas continuasse a adentrar o espaço até que nos corredores e degraus do teatro florescessem gente de todas as idades.

Lá vem o Chaves

Quando as portas foram fechadas, a euforia das crianças foi total na penumbra que antecedeu a voz do locutor anunciar os patrocinadores do evento. Com os focos de luz voltados para o palco, pudemos ver o cenário simples e criativo, que já fez com que mergulhássemos no universo de Bolaños. “Lá vem o Chaves, Chaves, Chaves! Todos atentos olhando pra TV”. A música, conhecida de todos, trouxe à nossa visão os personagens: Professor Girafales, Chiquinha, Kiko, Seu Madruga, Dona Florinda e, por último, Chaves.

O espetáculo encantou em aspectos distintos: a caracterização dos personagens era perfeita, bem como a trilha sonora e as interpretações. A plateia interagia com fervor, sempre que solicitada. “Malhação na vila” nunca fora visto na televisão, pois tratava-se de um episódio inédito, de autoria de Fábio de Luca, assim como os demais apresentados pela Miraguri.

Todos eles são inspirados na história original do Chaves, fazendo uso dos bordões característicos de cada personagem. A originalidade dos textos traz uma identificação maior do público, pois apresentam assuntos em voga. Como exemplo, ouvimos falar sobre a dengue, citada pelo professor Girafales e sobre caminhadas na Via Light, num comentário vindo da personagem Pópis.

A interação dos espectadores também ocorreu quando Breno e Maria Eduarda foram levados ao palco. As duas crianças participaram da história ao levantar um peso cenográfico, mostrando a todo o público e provando ao personagem Kiko o quanto eram fortes. “Elas adoram, ás vezes brigam porque muitas querem subir”, revelou posteriormente a atriz Mariah Huguenin, intérprete da Chiquinha.

Muitas gargalhadas se seguiram, semelhantes àquelas inseridas nos programas televisivos, até que o espetáculo chegou ao fim. Assumindo o papel das pessoas por trás dos personagens, os seis artistas da Miraguri foram à frente do palco, onde agradeceram: “Meus amores, muito obrigado”, iniciou Fábio de Luca, vestido ainda como Kiko.

Homenagem a Bolaños
Em um breve discurso, o ator falou sobre o motivo de estarem ali, naquela ocasião. Reproduzo-o fielmente nas linhas seguintes: “Com esse espetáculo, “A Turma do Chaves – “Malhação na Vila”, nós estamos fazendo uma homenagem a Roberto Gomes Bolaños, que é o criador da turminha do Chaves. Ele é um mexicano e criou essa série na década de 70. Até hoje ela está na televisão e é um sucesso na casa de todo mundo”, disse, voltando sua atenção para crianças e adultos.

“A melhor maneira de se homenagear uma pessoa genial, que conseguiu construir um humor tão singelo, tão simples e tão cativante, é trazendo e revivendo um pouco desses personagens hoje e aqui pra vocês”, concluiu Fábio, chamando ao encontro do grupo a equipe do Encontrarte. Calorosamente aplaudida, a Miraguri Produções Artísticas recebeu a homenagem de realizadores e público.

Finalizando aquela manhã, uma multidão aglomerou-se do lado de fora do teatro, onde muitos flashes foram disparados, eternizando os momentos ao lado dos queridos personagens.



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