Primeira visita ao sítio

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

por Hosana Souza e fotos de Marcele Pontes


Assim pode ser definido o nono dia do ENCONTRARTE: uma manhã e várias histórias. O espetáculo estava com vinte minutos de atraso, o hall de entrada para o teatro do Sesc estava lotado, como em todas as seções do festival. Passeando pela multidão, vejo crianças com o uniforme azul e colarinho laranja característico de nosso município, e suas professoras que contavam e recontavam os alunos, por medida de segurança. Vi os produtores do evento em estado de semipânico, correndo com aparelhos de som, celulares, rádios, máquinas fotográficas e o banner do festival. Observei as normalistas sentadas conversando; mães e avós tentando conter a ansiedade de seus pequenos; crianças e adolescentes com uniforme da prefeitura de Itaguaí.

Crianças e adolescentes com uniforme da prefeitura de Itaguaí? Sim, o VIII Encontro de Artes Cênicas vai além da Baixada. O estudante Mateus Viana, de 12 anos, nos explica como foi para os alunos da Escola Municipal Wilson Pedro Francisco chegarem ali: “A nossa escola é em tempo integral, e nós temos aula de teatro – entre outras coisas. Há um tempo, o professor Manoel – que não pôde vir hoje – vem tentando levar atores lá durante a tarde para conversar conosco. Como ele não havia conseguido, e pela internet ficou sabendo do Encontrarte, agendou e estamos aqui. É o nosso segundo dia e talvez fiquemos até à noite. Estou adorando o evento. Inclusive fomos convidados a dar uma entrevista ao pessoal da produção antes de voltar”, disse o adolescente com um sorriso de satisfação.

Uma pausa

Os produtores pedem que a atenção seja voltada para o lado direito do hall: começará a 16º intervenção performática. As crianças se acomodam no chão, os normalistas disputam os lugares na escada e os adultos se espremem em pé, tudo para não perder um segundo dos dez minutos que a companhia possuía. A cena apresentada foi feita especialmente para o Encontrarte e ainda não possuía nome. Contava a história de uma menina muito malcriada e que adorava aprontar, mas que no fim era repreendida por seu pai, terminando de castigo. Colocando a plateia na cena, passeando pelas crianças, e puxando um delicioso sotaque mineiro, a Cia. Força Total arrancou gargalhadas e levou as crianças a pensarem um pouco sobre como se portar de uma maneira geral.

A companhia existe há 15 anos e aquela era sua terceira participação no Encontro de Artes Cênicas da Baixada. “Inclusive, nós participamos com um espetáculo adulto na primeira edição do festival”, conta Keyla Andrade, 32 anos. A Força Total é formada por cinco pessoas que cuidam do espetáculo como um todo, revezando-se entre roteiro, produção, direção, figurino, técnica e atuações. Na última Quinta Feira, além de Keyla, estava presente Américo Carvalho, 34 anos, fundador da Cia, que deu seus primeiros passos aqui em Nova Iguaçu. “Nós agradecemos por estar aqui novamente”, diz América. “Um festival desse porte é muito importante porque dá oportunidade a várias companhias de teatro.”

Mas não foi fácil chegar ao Sesc na gelada manhã de quinta. Não apenas pelas dificuldades que o teatro independente tem, mas principalmente porque o ônibus que Keyla e Américo pegaram para participar do Encontrarte quebrou no meio do caminho, deixando todos apavorados. “Nós moramos distante, lá em Jardim Primavera, perto de Petrópolis e o ônibus quebrou. Ele só passa de meia em meia hora, foi meio desesperador, todo mundo ligando atrás da gente”, relembra Keyla. Mas no fim, o sufoco tornou-se motivo de piadas e tudo correu bem na apresentação da companhia.

A Força Total, que já ganhou o Prêmio Baixada de Artes Cênicas, também participou do Circuito Sesc de Teatro. Nada menos que 19 mil pessoas já viram as apresentações da companhia, entre espetáculos privados, associações e escolas. Mas eles também fazem questão de participar de diversas causas sociais, já tendo trabalhado ao lado de grupos engajados como o Nós do Morro, o Nós da Baixada e o Espaço Feito Para Você. A companhia recebeu o certificado de participação no evento, e a produção tratou de apressar a organização das filas e da entrada das pessoas no teatro.
No teatro

Com todos acomodados, esperava-se a característica voz que anuncia os patrocinadores, o que não poderá ser feito durante o espetáculo, alem dos três toques que indicariam o silêncio no teatro. Ao invés disso a atenção se volta para o palco onde um homem magro, sem microfone e com grandes olhos azuis faria as honras da casa no lugar das velhas gravações. O homem que fez o teatro parar e todos os olhares se calarem era Álvaro Assad, diretor da peça “De Férias no Sitio” e membro do Centro Teatral Etc e Tal. Álvaro arrancou gargalhadas de todo o teatro enquanto explicava o que poderia ou não ser feito durante o espetáculo. Temos o texto na integra:

“Bom dia. Nós somos O Centro Teatral Etc e Tal, e apresentamos o espetáculo “De Férias no Sitio”, utilizando a linguagem da pantomima teatral, isto é, um ator narrará a história e outro fará a mímica do espetáculo. O ator que faz a mímica não possui microfone, então esse silêncio que vocês estão fazendo deve permanecer, caso vocês queiram entender o espetáculo. Nós utilizamos a mímica, para quem não sabe é mais ou menos assim – faz uma pequena demonstração, causando espanto em alguns membros da platéia – tal técnica causa o uso de vogais por crianças e adolescentes, tal como ‘I’.

Vamos às regras. Primeiro não será permitido fotografar ou filmar o espetáculo – alguém tira uma foto utilizando o flash – Exatamente assim como tivemos um exemplo. Segundo, não será permitido fotografar ou filmar o espetáculo, caso alguém não tenha compreendido o número um. Até porque, quando vocês fotografam, atrapalham a concentração dos atores, além de estarem com o rosto atrás da câmera, perdendo o que realmente importa. Estaremos disponíveis no fim do espetáculo para sermos fotografados, alimentando nossa vaidade.

Por mais próximo que o palco esteja do joelho das pessoas da primeira fileira, ele não é feito para descansar os pés. Portanto, você, minha querida normalista, coloque seu pé machucado no colo de sua amiga, pois, do contrário, seu pé vira um objeto de cena e corre o risco de não existir mais ao fim do espetáculo.

O teatro do Sesc possui um formato tradicional, cadeiras posicionadas em forma crescente, com escadas que poderão ou não ser utilizadas pelos atores e uma caixa teatral ou palco com cortinas, alem da iluminação e som.

Nenhum aparelho sonoro pode ser utilizado, seja ele BIP, MP3, MP4, MP5, MP7, MP10, GPS, ou qualquer outra coisa que foi inventada enquanto eu falava. Não é permitido comer, beber ou falar durante o espetáculo, vocês podem interagir quando os atores pedirem e devem rir.

Adultos que possuem alguma criança agarrem-na e apenas solte no fim do espetáculo, não é permitido transitar pelo teatro e, por favor, não é permitido subir no palco. Não tem nada a ver com atrapalhar tudo, simplesmente nós temos medo de alguns de vocês.

Por último, quando ocorre um black-out, ou seja, a luz é apagada, não necessariamente significa que o espetáculo acabou. Apague a luz, por favor – as crianças gritam e alguns batem palma – Este é então o exemplo do que não deve ser feito quando a luz apaga. Vamos tentar de novo – a luz é apagada e todos permanecem em silêncio – Arrepiei. Fantástico, muito bonito mesmo, parabéns e bom espetáculo”, encerra com sua seriedade e bom humor.

Marcele Pontes, membro da produção do evento comenta: “É muito importante esse momento que ele dedicou dando uma mini-aula ao público, quem dera fosse sempre assim”.

E que tenha, então, início a aguardada peça

O texto do espetáculo infantil “De férias no sítio”, exibido há dez anos, é baseado na obra de Monteiro Lobato. Além de relatar a primeira viagem de Pedrinho ao famoso Sitio do Pica-pau Amarelo, apresenta todos os outros personagens da cativante história.

A companhia tem dezesseis anos e é formada por Álvaro Assad, Melissa Teles Lobo e Marcio Moura, que são atores e produtores de todos os espetáculos. O Etc e Tal é uma companhia carioca de repertório, isto é, tem espetáculos adultos e também infantis, mas preserva as características de sempre trabalhar com humor e a pantomima.

O grupo, que tem grande experiência em lidar com o publico infantil e tem grande inserção no ambiente escolar, tem iniciado muitas crianças no universo do sítio: “Quando nós começamos a montar esse espetáculo, não havia referência nem na escola, nem na televisão. Nós apresentamos para muitas crianças o que viria a ser o sítio, que conheceram a partir da nossa leitura, do nosso jeito de contar historia”, diz o diretor Álvaro, cuja direção permite que o espetáculo seja apresentado na rua, em espaço fechado, nos lugares mais diversos.

O espetáculo foi encerrado de forma inusitada, com uma bem espontânea do público e dos produtores do festival, na qual todos deveriam estar com um enorme sorriso e os braços bem abertos. A tal espontaneidade só foi conseguida depois de alguns minutos de ensaio.


Participando pela primeira vez do Encontrarte, o Centro Teatral Etc e Tal revelou-se feliz com o convite e satisfeita com o projeto: “Essa ação do festival de promover além das apresentações gratuitas agendamento escolar é muito importante. É importante plantar essa semente no seio escolar, fazer com que as crianças visitem um espaço teatral tão tradicional e respeitado quanto o do Sesc”, afirma Melissa.

O grupo inicialmente havia sido convidado para abrir ou encerrar o evento, mas a agenda não permitiu. “Estávamos viajando e surgiu o convite de abrir ou encerrar o encontro, mas eram datas difíceis para nós e ao mesmo tempo queríamos estar aqui. Falamos, então: ‘nós vamos de qualquer maneira.’ É realmente pelo projeto, afinal, todos os grupos que participam do ENCONTRATE são parceiros do evento. Remontamos o espetáculo, e nos dedicamos para apresentá-lo ao pessoal das escolas, que já tem um contato com Monteiro Lobato. Temos a preocupação de educar e desenvolver neles o desejo de ir ao teatro quando adultos, cativá-los, fazê-los gostar de teatro”, encerra Marcio.

2 Comentários:

Wanderson Duke disse...

a-ha.Esse epetáculo foi um show de humor e talento,simples e atrativo.
Belo texto,sana.Fazendo por merecer ao nível da apresentação.
Parabéns.

Wanderson Duke disse...

OBS: Vai daum uma de "Josy" agora?
rs

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