Todo poder aos livros

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

por Larissa Leotério


Liberte seus livros para que eles possam libertar corações e mentes”. Esta é a ideia do projeto ‘Livro Livre’, desenvolvido pela Secretaria de Cultura e Turismo e coordenado pelo escritor e pesquisador Écio Salles.

O projeto partiu de um desafio proposto por Marcus Vinícius Faustini, o titular da SEMCTUR: fazer com que a biblioteca Cial Brito fosse mais que um lugar com livros para consulta e um eventual empréstimo. “Apesar de essa função ser fundamental, não atinge a cidade toda”, lembra Écio Salles, o braço direito do secretário.

A pretensão do ‘Livro Livre’ é acabar com o deslocamento até uma biblioteca e a burocracia inerente ao uso dos livros catalogados, ambos igualmente inibidores da leitura em uma cidade grande e pobre como Nova Iguaçu. “Nossa ideia é fazer com o que o livro circule pela cidade”, afirma Écio Salles, que lembra que o único compromisso de quem recebe o livro é, depois de lê-lo, deixá-lo em algum lugar onde outras pessoas possam aproveitá-lo também.

Écio Salles é um homem muito criterioso no uso das palavras, dando-se o trabalho de falar “estadounidense” no lugar de “americano” ou “norte-americano”, pois esses dois últimos termos englobariam tanto os mexicanos quanto os colombianos. Por isso, evita a expressão “doar livros”, ainda que em última instância seja isso o que acontece. “Insistimos na ideia de libertação do livro porque o livro é um objeto livre, que possibilita que as pessoas tenham acesso à cultura em quaisquer lugares e circunstâncias, sem burocracia.”


Estratégias diferentes
O ‘Livro Livre’ não é uma ideia original de Écio Salles, que não esconde de ninguém que a copiou de um projeto coordenado por Pedro Markun, em São Paulo. “Trouxemos para cá e adaptamos”, conta Écio. “Combinamos de usar o mesmo nome, mas estabelecemos que usaríamos estratégias diferentes”, completa.

E o processo não é tão simples: para que os livros possam ser “esquecidos” perto de bancas de jornal, cafés ou praças, acontece o trabalho de contactar pessoas que possam libertar seus livros. Segundo Écio Salles, também não é muito simples vencer o ciúme que as pessoas têm dos seus livros. “Mas consegui convencer os escritores Julio Ludemir, Jailson de Souza, Luis Eduardo Soares e Marcus Vinicius Faustini, além de Maria Antonia Goulart, a coordenadora do Programa Bairro-Escola”, lista o coordenador do projeto.

Não por acaso Écio Salles acredita tanto no projeto. Desde a infância, quando desenvolveu uma tuberculose, sua vida é fortemente marcada pela literatura. Por ter ficado recluso em casa, sem poder sair ou brincar, pediu à mãe as obras completas de Machado de Assis. “Eu não sabia naquele momento, mas essa leitura seria decisiva anos mais tarde”, conta ele, que a partir dessa leitura entrou no movimento estudantil e, em seguida, pôde romper com a herança de violência que naturalmente lhe caberia no testamento do pai, um policial da velha guarda.

Bagagem literária
Logo em seguida, estava participando ativamente do processo de construção de um dos primeiros grêmios estudantis da redemocratização brasileira, que culminou com a eleição do primeiro diretor escolhido pelo voto da comunidade escolar. “Participei disso tudo por causa da bagagem literária”, afirma Écio Salles, que saiu da Escola Estadual Clóvis Monteiro para a faculdade de letras da UERJ. “Foi o que trouxe a militância política para a vida.”

O menino de Olaria, que morava nas franjas do Complexo do Alemão, entrou então num círculo vicioso, onde a militância despertava ainda mais o interesse pela leitura. “Meu interesse pela literatura fez com que as pessoas tivessem interesse por mim”, admite ele. Um professor de literatura fez com que acrescentasse a um cardápio então formado por Marx, Trotsky, Lênin autores da literatura francesa. “Isso ajudou na minha formação e na minha consciência de mundo, pois me deu direção e sistematização às leituras.”

Por conta das relações e da trajetória, fez surpreendentes conexões entre o conhecimento literário, educação e militância política. De galho em galho, terminou conhecendo o grupo cultural Afro-Reggae, com qual trabalhou de 1995 a 2005. E foi lá que percebeu que poderia produzir textos literários. “A literatura me fez perceber que eu podia escrever meu destino, usando uma metáfora, mas também de escrever mesmo”, conta. “Aí que percebi que podia ser alguém, mesmo tendo vindo de uma família complexa, de nordestinos e morando em um bairro excluído da efervecência cultural da cidade”.

Na ong que redesenhou os movimentos sociais do Rio de Janeiro, Écio Salles descobriu o rap, o funk, a dança, o hip-hop, o graffiti. E não foi à toa que dedicou seu mestrado a estudar essas manifestações artísticas típicas da periferia, que resultou na dissertação “A poesia revoltada”, posteriormente publicada na coleção Tramas Urbanas, da Aeroplano. “Mas a literatura tem um algo a mais”, afirma o pesquisador. “A força destas outras manifestações é tão grande que faz parecer que só essas pessoas fazem isso bem. A literatura faz com que as pessoas criem uma estética a partir de um mundo que lhes era proibido. Constrói facilmente a possibilidade da escrita e mostra que as pessoas são capazes de qualquer coisa.”

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