Culminância transgressora

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

por Hosana de Souza

Os mediadores de cultura de Nova Iguaçu são reconhecidos por sua alegria e por sua vontade de aprender e fazer a diferença. Mas a Escola Municipal Professora Venina Corrêa Torres conta com uma mediadora que tem muito mais do que estas características. É a estudante de artes Kezia Giacomo, 20 anos, que traz em seu currículo passagens pelo Juventude Cidadã, Agência Escola de Jornalismo e ESPOCC – Escola Popular de Comunicação Crítica.

A estagiária, que é conhecida por sua determinação e pela falta de ‘papas na língua’, confessa sua paixão por trabalhar com as crianças contempladas pelo Bairro Escola. “Quando conheci o projeto, achei uma bagunça, mas fui atraída, tinha que trabalhar aqui”, conta a estagiária. Uma boa medida de sua paixão pelo projeto foi sua releitura dos contos de Câmara Cascudo, aplicados em todas as oficinas de Língua Portuguesa das escolas municipais de Nova Iguaçu

O sucesso do seu trabalho junto às crianças e adolescentes do Venina começou com uma grande sensação de fracasso. “Eu segui a apostila, fiz as atividades propostas, fiz até origami”, conta Késia. “Mas não teve jeito, as crianças odiaram.” Segundo a estagiária, a turma de pequenos – sete a nove anos – não entendia nada. E a turma dos maiores – onze a treze anos – achava chato.



Késia Giacomo resolveu trabalhar com a crônica O nó, de autor desconhecido, quando foi abordada por um de seus alunos com o veredicto das crianças sobre os contos de Câmara Cascudo. “Tia, isso é muito chato. Vê se avisa lá que quando eles quiserem saber o que dar nas oficinas que venham perguntar a gente”, disse-lhe um dos frequentadores das oficinas de Língua Portuguesa do Venina. “Para não perder as crianças, trouxe a crônica do nó”.

Para quem não sabe, a crônica relata o cotidiano de muitas famílias modernas, onde os filhos não encontram seus pais, sempre muito ocupados. “No texto, o pai, que saía de casa antes das crianças acordarem e só chegava quando elas já estavam dormindo, dava um nó na ponta do lençol de cada um dos filhos, para não perder o amor deles”, conta a estagiária, que, como seus alunos, identificou-se com a história.

O principal motivo para que Késia Giacomo apresentasse a história para as crianças e adolescentes do Venina foi seu desejo de ver seus “alunos bagunceiros” valorizando a família. “Contudo, foi uma grande surpresa para mim ver toda a turma chorando quando terminei de ler”, relembra a mediadora, que na mesma hora resolveu aplicar as técnicas recém-aprendidas nas aulas de teatro para transpor a crônica para o palco.

Seus alunos, tão empolgados quanto ela, ajudaram a modificar o final da história, em cujo final o pai terá um infarto ao reencontrar os filhos. “Está tudo dando certo, embora eles ainda fiquem dispersos nos ensaios”, conta Késia. Apesar das mudanças, a mediadora manteve a orientação de usar elementos narradores proposta na apostila. “Os narradores do conto serão duas lanternas”.

Daniel Lima, 13 anos, aluno do quarto ano, às vezes acha a tia Kézia meio chata, ainda que goste muito dela. “É difícil decidir entre ela e o esporte”, conta ele, orgulhoso com o fato de hoje ser conhecido como o aluno que não perde um dia de oficina, quando até um passado recente era famoso pela sua violência. “Gosto muito do teatro e sou um ótimo ator”.

A mediadora também transgrediu no trabalho com as crianças menores, mas com estas usou uma matéria publicada nos jornais de 1991 sobre uma senhora cega assaltada na estação ferroviária de Nova Iguaçu. “Quando encontrei matéria, achei que daria até um curta”, conta a mediadora, ainda impressionada com a reação das crianças. “Eu trouxe pra eles, que acharam um barato, começamos a ensaiar e o final que eles escolheram foi que o assaltante pretendia comprar um rolo de papel higiênico”, encerra com um largo sorriso.

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