Lenda do CPU

quarta-feira, 28 de abril de 2010

por Hosana Souza


“Eu quero fazer faculdade por uma realização pessoal e principalmente para servir de exemplo, pois vejo muita gente desanimada, colocando dificuldade em tudo”, diz José Ribeiro de Amaral, 72 anos, ou simplesmente Seu Amaral, o mais novo graduando em Letras pela UFRJ. Mas antes de falar sobre essa conquista, contemos a história de Seu Amaral, que começou em União da Vitória, divisa entre Santa Catarina e Paraná.

Nascido em uma típica família do interior, Seu Amaral tinha apenas cinco anos quando começou a trabalhar na terra, na fazendinha em que seu pai desejava plantar café. “Como não deu muito certo, nós resolvemos plantar milho e criar alguns animais. Colhíamos e ajudávamos mamãe a fazer farinha para vender depois”, relembra ele, que aprendeu a ter autonomia com essa experiência.


Foi graças a essa autonomia que deu conversa a um caminhoneiro que lhe pediu água num dia em que fora pegar lenha, quando tinha apenas dez anos. “Ele me convenceu a vir com ele para o Rio de Janeiro, a cidade mais linda do mundo. Eu sempre fui louco por futebol, e ele disse que aqui teríamos a Copa”, diz Seu Amaral. Os dezesseis dias de viagem deram início ao que Seu Amaral considera ser sua maior especialidade: conhecer o mundo. “Fui abandonado e morei dois anos na rua. Dormi muito lá na Praça XV, embaixo da Estátua de General Osório”, conta.

Isso
Foi então que o destino o levou à então Rua da Ajuda, nas imediações do Theatro Municipal e da Biblioteca Nacional. Lá Seu Amaral conheceu a filha de uma professora de francês, que, como toda debutante naquela época, não deixava a data sem uma comemoração. “Eu estava perto do restaurante em que ela estava com a família e, quando ela me viu, pegou um prato de comida para me dar”, relembra. Uma semana depois, Seu Amaral estava morando em uma “linda casa” na Rua da Passagem, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. “Ela convenceu a mãe a me adotar”, conta ele, que ainda hoje se lembra das pessoas daquela família que perguntavam: “O que é isso?”. “O ‘isso’ era eu”, diz com um sorriso.

Seu Amaral aproveitou a oportunidade para estudar com uma das professoras do tradicional Colégio Pedro II, além de trabalhar para retribuir a ajuda que recebia. “Aprendi muita coisa com Dona Graziella”, diz ele, para quem aquelas pessoas foram, “Mais do que uma oportunidade, um presente de Deus”. Embora jamais tenham lhe pedido um centavo, ele se sentiu na obrigação de fazer coisas para vender na praia, tornando-se vendedor ambulante de pastel, bolinho de aipim, mate... “Eu saía do Arpoador e caminhava até o Flamengo. Lá pelas cinco da tarde, pegava o bonde e voltava para casa”. Tempos depois, Seu Amaral conseguiu um trabalho na Aeronáutica.

Em 1956, os jornais anunciavam: “JK dá seis mil a quem encarar Goiás!”. Seu Amaral não pensou duas vezes para pegar o caminhão que saiu do Rio de Janeiro no dia 21 de dezembro e só chegou na futura capital do país no ano seguinte, mais precisamente no dia 14 de janeiro. “Aquela beleza que hoje você vê lá, aqueles prédios, aquilo tudo, passou por essas mãos aqui, e por muitas outras mãos, principalmente as nordestinas”, recorda. “Quatro anos depois, Brasília estava inaugurando.”

Mas as precárias relações de trabalho de então fizeram com que ele estivesse catando latinha enquanto o presidente JK discursava para a multidão que participou da solenidade. Pensou em voltar para o Rio de Janeiro, mas não conseguiu dinheiro para essa nova empreitada e ficou por lá quase um ano até ser abordado por uma senhora que sempre o via catando latinha. “Ela me ofereceu um emprego para que eu cuidasse de uma criação de cabritos em Goiânia.” Durante dois anos, ele alimentou, soltou e tirou leite de 50 cabritos.

Mulher da sua vida
Saindo de Goiânia e partindo para São Paulo, já na Estação da Luz, Seu Amaral deparou com uma comum situação nos grandes centros: uma jovem perdida, que havia partido de Governador Valadares, em Minas Gerais e que não sabia como chegar à casa da madrinha, em Santos. “Eu a levei para uma padaria, onde ela, que estava morta de fome, fez um lanche. Levei-a na casa da madrinha, passei a noite lá e voltei para o Rio”, conta. Cerca de um ano depois, eles voltariam a se ver e seis meses após o reencontro, o casamento. “Ela era a mulher da minha vida”, diz, contente. “Nós viemos então para Nova Iguaçu, o dinheiro que eu havia juntado foi o suficiente para compramos uma casa bem no centro”, diz Seu Amaral.

Após o casamento, Seu Amaral investiu no curso de tipografia que lhe garantiu a contratação pelo Jornal do Brasil, de onde só sairia anos mais tarde, quando o então maior e mais poderoso grupo de comunicação do Rio de Janeiro iniciou sua renovação gráfica. “Nas máquinas antigas, eu entendia tudo, mas não aprendi a mexer naquelas máquinas poderosas que imprimiam rápido e com doze cores”, explica. Seu Amaral então, foi contratado para a indústria química Abel de Barros, onde trabalha até hoje na fabricação de tintas e solventes. “Eu trabalho com química, nunca deixei de trabalhar, mesmo já aposentado”, orgulha-se.

A motivação para o retorno aos estudos partiu da vontade de poder ajudar as filhas com o dever de casa: “O que me motivou a voltar a estudar foi que minhas garotas traziam os deveres de casa e tinha muita coisa que eu não podia explicar, não sabia e ficava angustiado com aquilo”, conta Seu Amaral. “Eu aprendi sobre a escola da vida, me embolava nos deveres de matemática”. Então, em 1999, no Colégio Estadual Francisco Campos, no Grajaú, Seu Amaral completou o ensino médio.

Uma das oportunidades recebidas com a escola foi a de participar do Concurso Nacional de Redação, onde recebeu como prêmio vinte mil reais. Doou sete mil para a escola e utilizou o que sobrou para em 2000 visitar Jerusalém, onde passou 15 dias. “Tudo isso só me motivou mais, a cada minuto tenho mais vontade de estudar”, diz Seu Amaral.

Seu Amaral participa do Projeto Pré-Universitário de Nova Iguaçu desde 2007. “Não consigo nem imaginar o Pré sem o Seu Amaral, ele é uma lenda. Acho que quando ele for embora tudo explode”, brinca o estudante Rodrigo Souza, para quem Seu Amaral é um exemplo de perseverança e de força de vontade para todos. “Posso citar uma aula de campo que fizemos na Serra do Vulcão, todo mundo morrendo na subida e o Seu Amaral tranquilo e sereno, com mais fôlego que qualquer um”, conclui.

ONG para ajudar
O professor de geografia do CPU no pólo E. M. Rubens Falcão, Rafael Peres, fala sobre o amigo que conheceu em 2007, durante uma aula em seu primeiro ano de trabalho. “Eu estava tenso, com medo de não corresponder às expectativas, mas o Seu Amaral se aproximou e disse que gostava da minha aula”, conta o professor, para quem foi muito importante esse reconhecimento. “O Seu Amaral sempre acompanhou as turmas, participava ativamente; sempre dedicado e preocupado com os colegas. Todos conhecem o Seu Amaral, até aqueles que não são do nosso pólo”, diz Rafael.

A notícia de que o nome de Seu Amaral havia saído para o curso que ele desejava na UFRJ emocionou a todos; na mesma noite o corredor abarrotado de jovens saudava e aplaudia o velho senhor. “Eu confesso que até chorei quando fiquei sabendo”, narra Rafael Peres.

No próximo semestre, Seu Amaral cursará Letras Português/Literatura na UFRJ, pólo na Ilha do Fundão. Mas se engana quem pensa que essa foi a última conquista na vida de Seu Amaral. “Eu não quero ganhar dinheiro, nem quero aparecer, com algumas pessoas já falaram. Eu quero ajudar as pessoas, porque quanto maior seu conhecimento maior será a facilidade em lidar com as coisas do mundo”, diz ele, que sonha em escrever um livro e principalmente passar alguma coisa para pessoas que, como ele, não podem pagar um bom curso. “Quero poder fazer parte de uma ONG ou algum projeto como o CPU para ajudar, dar oportunidades”, encerra.

1 Comentários:

Guilherme 2S disse...

Putz, emocionei-me verdadeiramente com esse texto... ao final, quando foi relatado a a aprovação do Sr. Amaral, meus olhos encheram-se de lágrimas... KKKKKKKKKKKKKK

P.S.: Belo Texto Hosana! :D

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