Da favela para o mundo

sábado, 22 de maio de 2010

por Hosana Souza / foto Francisco Valdean



“A verdade é que eu só fiz escolha errada na vida, eu sempre fui um cara derrotado, um eterno perdedor. A única coisa que eu fiz e deu certo foi o AfroReggae”, pontua José Junior, fundador e coordenador cultural de uma das principais instituições sociais brasileiras. O AfroReggae foi criado em 1993 para transformar a realidade de jovens moradores de favelas a partir da educação, da arte e da cultura e tem sua história entrelaçada com a de JJ.

Junior nasceu e cresceu no centro do Rio de Janeiro; apanhou do pai, já foi “aviãozinho”, entregou jornal, animou festas infantis e trabalhou como moto boy. “Tudo o que aconteceu na minha vida me fez ser quem eu sou; se eu não passasse por isso talvez hoje eu não estivesse aqui”, diz o homem que já viu muitos de seus amigos se perderem, “Eu penso sempre neles, sei o que poderia ter acontecido comigo. Mas em momento algum, eu fico imaginando o que eles poderiam ter sido. Ao invés de sofrer eu prefiro trabalhar e homenageá-los com isso”.

José Junior conduz sua instituição – que hoje atravessou as fronteiras do Brasil e já tem sede em países como à Inglaterra – com voz pausada, mão pesada e planos firmes. “Faz mais de dez anos que eu não vou à praia ou a uma boate”, exclama o carioca, “O meu lazer, hoje, é passar uma tarde de domingo sentado em frente ao computador trabalhando”, explica.

Com uma personalidade forte JJ se define como introspectivo, porém um guerreiro. “Meu signo é câncer, tenho essa tendência a ser fechado alem de muito teimoso. Diversas vezes eu coloquei em votação algum projeto e o AfroReggae inteiro disse que não, mas eu falei nós vamos fazer e consegui”, orgulha-se. O embrião AfroReggae surgiu com bailes funks organizados por José Junior; bailes esses que depois se tornaram festas de reggae - daí o nome da ONG - e simultaneamente o jornal "AfroReggae Notícias" que foi distribuído gratuitamente em agosto de 1992.

O divisor de águas que transformou o "AfroReggae Notícias" em ONG AfroReggae foi a Chacina de Vigário Geral, ocorrida em 29 de agosto de 1992, onde vinte e um moradores inocentes da favela foram assassinados . "Nós sabíamos que era um grande risco, mas não poderíamos permitir que fosse apenas assim. Eu jurei para mim mesmo que enquanto ficasse vivo trabalharia por isso", conta Junior. Um mês depois da chacina, o AfroReggae chegava em Vigário Geral oferecendo oficinas de percussão, capoeira, reciclagem de lixo e dança afro para os moradores dali.

Jose Junior é considerado hoje um dos 200 jovens líderes mais importantes do mundo, tendo seu trabalho reconhecido por onde passa. O AfroReggae é, sem sombra de duvidas, hoje uma das instituições mais importantes do cenário mundial; Junior revela que deseja que o AfroReggae cresça muito mais, porem abomina a ideia de que ele se torne um empresa. "Não é todo o projeto que o AfroReggae abraça, nós temos uma ideologia. Não queremos abraçar o mundo e destruir tudo o que já está aqui. Causas ambientais por exemplo, não é trabalho que desenvolvemos. Se tudo o que nos é oferecido nós aceitássemos estaríamos em todos os cantos do mundo e nos perderíamos", conta JJ, "Tem gente que vem me pedir para colocar a logo AfroReggae em camisa, em evento e eu digo NÃO! Nossa marca é nosso patrimônio e, por mais que um dia eu me afaste da administração, continuarei defendendo-a com unhas e dentes", diz exaltado.

Uma das grandes conquistas do AfroReggae - provavelmente graças a personalidade forte de Jose Junior - é hoje ser o único projeto social a ter livre acesso a toda e qualquer favela carioca. Na próxima semana, dia 26 de maio, será inaugurado o Centro Cultural Waly Salomão; uma das maiores obras do AfroReggae e um dos maiores centros culturais do Rio de Janeiro. Com uma grande estrutura e grandes parceiros o Centro Cultural Waly Salomão terá nada menos do que 1400m². "É evidente que nós não conseguiremos formar 300 jovens em um mês. Mas os 10 jovens que nós formarmos terá sido com muita dedicação e eles serão os melhores naquela área", explica Junior.

Waly Salomão foi um dos grandes poetas brasileiros, sua relação com José Junior, sempre fraterna, de alguma maneira transformou o AfroReggae no grande trabalho que é hoje. "O Waly foi a única pessoa que enxergou em mim, e nos meus sonhos, algo maior. Ele trabalhou minha auto-estima, sempre me deu força, muito do que aprendi com ele faço hoje lá com os meninos. Ele merece essa homenagem, ele é minha referência", conta Junior. Uma das maiores lembranças que José Junior carrega de Waly Salomão era seu bom humor e sua perspectiva com o futuro: "Ele me levava para festas, só coisa bacana, e quando chegávamos lá ele sempre virava pra alguém e falava: "E aí, você conhece o Junior do AfroReggae?"A pessoa obviamente respondia que não, e ele iniciava o discurso de que eu era o maior empreendedor de todos os tempos, de como o projeto era bom. Era quase uma profecia”, relembra.

José Junior encerra comentando que para ele o grande "Antídoto" para mudar a atual situação da sociedade seja a tolerância "Eu acredito que nós devemos baixar a bola um pouquinho, perdoar e ver também que às vezes o problema somos nós", diz, "No mais, é só fazer como os bons cariocas, deixar tudo junto e misturado que a beleza está nas nossas diferenças".

1 Comentários:

disse...

até continuando meu raciocínio, digo que se uma ong é justa e eficiente nenhum problema que ela frutifique, inclusive no mundo capitalista. lógico.
agora, quando começam a formar-se mega instituições, multinacionais e corporações multimilionárias com grandes responsabilidades sociais, preciso levantar a voz contra o sistema de opressão e paternalismo que possibilita que elas sejam criadas e em contrapartida precisa delas para garantir seu lucro, manter a exploração sob controle e a máquina social a vapor funcionando bem.
sendo assim me fica a questão

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