Orgulho e preconceito

quinta-feira, 3 de junho de 2010

por Jefferson Loyola

O Candomblé, o Omoloko, a Umbanda, e entre outras religiões de matrizes africanas são focos de resistência cultural e religiosa que expandiu consideravelmente por todo o Brasil. Trazido para o país pelos escravos provenientes da África, é uma religião que não é só cultuada aqui, mas também em vários outros países como: Colômbia, México, Argentina, Espanha e entre outros. Essas religiões são vistas com olhos de preconceitos por quem não a conhece na sua integra e acompanha os mitos ditos por muitos que também não conhecem a religião.

Toda a riqueza das práticas culturais de matriz afro-religiosas sobreviveu ao longo de nossa história, graças ao forte pilar de sustentação da tradição e da ancestralidade. Um pequeno eixo, mesmo pequeno bastante fortalecido, desse pilar se encontra aqui na Baixada Fluminense, precisamente em Nova Iguaçu, e se chama Mãe Arlene de Katendê. Sua vida religiosa se iniciou dentro do catolicismo. Tendo uma família católica praticante, Arlene era noviça e quase chegou a fazer seus votos para se tornar Freira, quando aos 16 anos a convite de uma amiga, foi conhecer uma casa de candomblé.

“Não fui com o intuito de entrar para a religião e sim de conhecer”, disse. No dia de sua visita ocorria um rito de bolonã (primeira passo de iniciação) e no decorrer da festividade acabou bolando, quando um determinado orixá escolhe e mostra para todos os presentes que você está sendo indicada para ser iniciada. “Hoje as pessoas bolam e o pai de santo vai lá conversa com o Nkisi, Orixá ou Vodun, e a pessoa levanta e retorna para sua casa, mas antigamente, quando me iniciei, não existia isso, bolou tinha que ficar”, falou. Naquela época não havia a preocupação da pessoa ter condição de fazer o santo, se ela tinha esposo (a), filhos ou até mesmo trabalho, existia à hora em que o Nkise (orixá) estava pedindo. Esta mudança resultou-se devido à vida das pessoas serem diferentes. Há um compromisso com seu emprego e com os afazeres de uma vida social. “Foi necessário haver está revolução”, afirmou.

Essa entrada não resultou somente em um conflito na sua família, mas também consigo mesma por ter todo um segmento católico e não possuir um contato com a religião. “Não aceitava a incorporação e não conseguia entender o que se passava comigo no momento em que eu era possuída pelo meu Nkisi”, contou. “Mas ao mesmo tempo eu aprendi a amar o Nkisi, o amor ao Orixá me fez aceitar passar por todo o sacrifício que foi muito grande”. Em relação a sua família, o conflito também existiu de maneira forte ao ponto de ter policia na sua saída de santo, dia em que o orixá iniciado é apresentado para as pessoas. “Meu pai tinha muito medo, pois na época existia o mito de que os pais de santo se aproveitavam das moças dentro dos ronkó (quarto de santo)”, relatou. Depois dos conflitos, seus pais entenderam que era uma opção individual a escolha da religião e a apoiaram mesmo sendo católicos.

Do colégio de freira para o candomblé

Muitas das pessoas têm seu primeiro contato com religiões de matrizes africanas a partir da umbanda, mas Arlene não teve esta relação já que veio do diretamente de um colégio de freiras para dentro do Candomblé. “Não pratico nada na parte da umbanda, não recebo preto-velho nem exu. A minha nação é Angola da raiz de Goméia e só praticamos os Nkisis e os Caboclos, uma herança do nosso avó e fundador do nosso axé, Joãozinho da Goméia”, disse.

Aos 16 anos iniciada pela Mam’etu Dineui permaneceu filha de santo dela até seu falecimento e continuou dentro de sua nação sendo filha da Mam’etu Ileci, que faleceu também há dois anos. No momento de sua iniciação recebeu sua Dijna: Ladeji. Hoje, prestes a completar seus 38 anos de iniciada em outubro, é conhecida como Mam’etu Ria Inkise Ladeji. “Estou satisfeita e realizada em estar neste segmento, pois eu penso que posso estar fazendo o bem e ajudando as pessoas em qualquer religião”, afirma.

Entrando para a cultura

“Desde o momento em que me vi iniciada eu comecei a respeitar e querer que as pessoas respeitassem a religião e a tradição cultural”. Arlene começou a trabalhar na parte cultural em 2002 com o incentivo do Mestre Azulão que lhe ajudou a organizar e fundar o Afoxé Maxambomba, o inicio de tudo. Ela percebeu o preconceito racial e por etnia que era, e ainda é muito grande. E também por ser uma mulher recebeu muito mais preconceitos levando adiante a bandeira de um grupo de dança afro, mas não desistiu. “Percebi que deveria fazer mais pela minha cultura, pelo meu povo, pela minha religiosidade. Abracei isso com mais profundidade e comecei pensar em outras coisas que não fosse somente o Afoxé e daí se criou o CISIN - Centro de Integração Social Inzo Ria Nzambi (Casa de Deus) - que tem como objetivo resgatar a cultura afro”, contou.

O CISIN concorreu editais com quatro projetos e ganhou todos. Dois projetos no Edital Escola Viva/Bairro-Escola, apelidado de pontinho de cultura, que trabalha com a implantação do conhecimento da percussão e dança afro. Um na Escola Municipal Dr. Orlando Mello e outro na Escola Municipal Douglas Brasil. Ganhou um projeto no Edital do Fundo Municipal de Cultura Escritor Antônio Fraga, onde será passada a cultura africana através do conhecimento ao estudo da história da África e introdução da língua kimbundo (Bantu) e Yorubá. E seu ultimo projeto foi contemplado pelo Edital de Pontão de Cultura, onde trabalhará com os alunos do Pró-Jovem as danças afro.

Projetos

Dentre todos os projetos citados o único que ainda não iniciou seus trabalhos é o do Pontão de Cultura. As oficinas dos dois projetos do pontinho de cultura já iniciaram. Oficinas que são feitas para os alunos, mas não são executadas dentro da escola, pois são alternativas. “No começo, principalmente por ter sido um ‘aulão’ que a escola toda participa, tivemos muita dificuldade. Os alunos diziam que era coisa de macumba, mas quando eles começaram a conhecer os instrumentos e os movimentos eles percebem que não tem a ver com macumba. Não estamos ali para falar de religião e sim da parte cultural”, afirmou.

O outro projeto do Fundo Municipal de Cultura foi iniciado em uma grande aula inaugural, “Falando de África”, no dia 20 de maio, e neste mês de junho continua com oficinas regulares para pessoas ligadas ou interessadas ao estudo afro. O encerramento ocorrerá no dia 16 de junho no espaço cultural Sylvio Monteiro. Veja a matéria publicada neste mesmo blog sobre a inauguração das aulas do Fundo Municipal de Cultura e a programação das oficinas regulares: http://culturani.blogspot.com/2010/05/por-jefferson-loyola-quinta-feira-20-de.html

Se depender de Mãe Arlene de Katendê a cultura afro na Baixada Fluminense terá sempre seu espaço, ampliando cada vez mais até chegar a todo o Estado do Rio de Janeiro. “Eu abracei a minha religião com o coração, não abracei preocupada com o pensamento das outras pessoas, com opiniões alheias, ou com desavenças dentro de casa.”, afirmou. “Eu abracei por amor, pelo coração, pela fé. Sou iniciada dentro do axé Goméia e há 38 anos nunca procurei outra casa, a não ser que fosse da minha mesma raiz”.

2 Comentários:

Obrigada,Jefferson pela sua máteria!
Me sinto orgulhosa de poder elevar,divulgar e resgatar a cultura-afro em nossa cidade,assim acabar com os preconceitos!
Feliz Ano Novo!!!
Abraços!!!
Mukuiu ia NZAMBI!!

Anônimo disse...

olá,procuro um amigo ele é como um pai pra mim, ele era presidente da associaçao ganga zumba que teve uma sede provisoria na bernadino de melo em nova iguaçu Jose Conceiçao.e eu tenho um exemplar historico do jornal senzala de junho de 1982 e fala dele nao sei como encontra-lo e peço a ajuda de vcs alessarj2010@gmail.com.br

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