A tentação das sereias

segunda-feira, 21 de junho de 2010

por Carine Caitano

São 14h de uma quarta-feira. Em uma sala, 15 homens relaxam, ouvindo a própria respiração. O exercício não estava nos planos de Jitman, arteterapeuta, mas foi adotado depois da sugestão de um de seus alunos. O local fica silencioso, os corpos, relaxados e, aos poucos, leves sorrisos surgem. A única voz presente é a de Jitman. Mansa, ela parece acalentar: "Não precisa ficar vigilante, não há perigo aqui. Pode deixar que estou tomando conta de tudo".


Jitman Vibranovski é ator, diretor, arteterapeuta e terapeuta especializado em dependência química. Desde de 2000, desenvolve "O Teatro Institucional" com Paulo Antunes. A cena descrita acima é decorrente do seu trabalho: pegar situações do dia-a-dia e levar seus alunos à reflexão. O que não é tão comum é o cenário: a reunião acontece dentro da 52ª Delegacia de Polícia, em Nova Iguaçu, com os presos que, em sua maioria, aguardam julgamento.

Ao entrar na sala de teatro, todos sorriem. Nos últimos três meses, o projeto Teatro Institucional é patrocinado pela Prefeitura de Nova Iguaçu e já contemplou mais de 100 presos. Claro que a receptividade não foi das mais fáceis, sempre há uma resistência inicial. Para isso, foi criada até uma brincadeira interna: os estudantes de teatro dizem ir para "o balé", quando estão nas aulas. Aqui, eles vêm quando querem e participam como podem. Não é obrigatório e em nada influencia no cumprimento do tempo de sentença. Mas, observando o diálogo já firmado entre Jitman e seus alunos, fica claro que participar é um prazer para eles e comparecer é um alívio no meio do caos de uma prisão. Felipe já participou de três aulas e afirma: "É uma grande oportunidade de nos sentirmos cidadãos de novo. Temos confiança em você (referindo-se ao terapeuta). Pra sociedade, somos bucha. Aqui, somos valorizados e sabemos respeitar o próximo".

Canto das sereias
Quem dirige a próxima atividade é Paulo, cofundador do Teatro Institucional. Com mais agitação que o colega, propõe o Jogo do Contrário. É uma brincadeira de raciocínio lógico e mais engraçada que aparenta, arrancando boas risadas dos participantes. Em seguida, o ator começa a contar uma história e pede atenção. Todos se calam para ouvir o conto "Canto das sereias". O relato é sobre Ulisses, um bravo capitão que precisava enfrentar o desafio de passar por um trecho do mar onde se ouvia o canto das sereias. Mitologicamente, o canto das sereias encanta os marinheiros e os atrai para o fundo do mar. Com intuito de salvar a si e a sua tripulação, o capitão pede para ser amarrado bem forte, de forma que não ceda ao canto. Apesar da dificuldade em resistir à tentação, todos resistem ao canto das sereias. Propondo um paralelo com a vida real, Paulo pede que os presos contem situações onde encontraram tentações - tendo resistido a elas ou não.

A história que chama mais atenção é a de Orlando. Pouco antes de sua prisão, tanto sua mãe quanto sua irmã tiveram sonhos com ele, e pediram que ele tivesse cuidados com as coisas más. Ele conta com emoção e saudade da presença da família. Jitman orienta a todos e, como se fossem atores há tempos, eles montam uma roteiro para encenar a história de Orlando. Um se veste de mulher, outro abre mão dos óculos para encarnar a mãe... em poucos minutos todos estão vestidos e encenando.

Para finalizar, todos tiram os adereços e voltam a reunir-se em círculo. Uma reflexão dos acontecimentos do dia é feita e os presos deixam claro sua vontade de não cair no canto das sereias da vida.

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