Filhos profanos

terça-feira, 17 de agosto de 2010

por Abrahão Andradre


Macumba, no entendimento popular, é o feitiço, o encantamento, o malefício, o sortilégio ou o objeto a que se atribuem propriedades sobrenaturais, conceito esse que inclui o despacho, a coisa-feita, o catimbó e a muamba, além dos ebós. Como em qualquer religião, o objetivo dos despachos é alcançar o que se pede através de ofertas a entidades, que em alguns casos são interpretações e personificações de santos católicos. Embora em geral seja ofertado para proteção de outrem ou da própria pessoa, o despacho pode ter o objetivo de fazer mal a alguém, apesar da condenação da maioria dos seguidores das religiões afro-brasileiras.


O local dos despachos quase sempre é próximo aos lugares onde há plantas, terra ou mar, evidenciando o respeito e a comunhão com a natureza necessários para o sucesso do trabalho. Além dos alimentos que compunham a dieta alimentar dos escravos provenientes de Angola (milho, amidos, pipoca, galinha, farofa e frutas), costumam-se usar aguardente e charuto nessas oferendas.

A exposição da "macumba" deixa esse processo sujeito a ações naturais ou humanas, como a limpeza pública ou mesmo o protesto principalmente dos evangélicos, inimigos confessos dessa religião. Os despachos também estão sujeitos ao vandalismo dos chamados iconoclastas.

Dona de um centro em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, Vovó Maria, 63 anos, alerta para os perigos que a interrupção do rito. "Em todo o trabalho realizado, a energia depositada é muito forte. As pessoas que chutam os vasos de barro com comida mal sabem eles o vespeiro que podem estar cutucando".

Ateu, o baterista da banda Inferno na terra admite que já fez "muita caipirinha com cachaça de macumba", pois não acredita em poderes espirituais. "Se o despacho é depositado em vias públicas, o produtor do trabalho deveria pensar na vulnerabilidade antes de se ofender quando alguém o destroi", conta ele, cuja banda atende pelo sugestivo nome de Inferno na Terra, se São João do Meriti.

Evangélica, Dona Isabel justifica a violação aos despachos com um protesto contra o cheiro de azedo deixado em sua rua com as oferendas aos orixás afro-brasileiros. "Eu não colo cartazes com versículos no portão deles, não passo com carros de som nos seus bairros e no entanto minha rua vive cheirando a azedo por causa da comida estragada das macumbas", protesta essa moradora de Mesquita, que no entanto diz respeitar "a crença deles".

Vovó Maria não aconselha a ingestão dos ingredientes das oferendas, pois o poder do trabalho é muito forte. "A pessoa que come macumba pode não acreditar no ritual, mas talvez alguém pode estar fazendo isso por intermédio dele", alerta a líder espiritual, para quem muitos desses profanadores na verdade são filhos do santo que só descobrem seu vínculo com a religião tarde demais, da pior maneira possível.

O intuito de qualquer ritual de todas as religiões que se conhece é o contato com o mistério do outro lado da vida, cada um à sua maneira. Desde que não haja ofensa a terceiros, todas são válidas. "O que se espera das pessoas de crenças diferentes não é a tolerância, mas o respeito", disse Mâe meninazinha no programa "Mais você", de Ana Maria Braga.

1 Comentários:

Anônimo disse...

É um assunto bem delicado, eu ppativularmente sou indiferente às crenças do candomblé, mas nem por isso tenho coragem de enfrentar o que desconheço...

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