O Chico e as letras

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

por Josy Antunes / Fotos: Diego Jovanholi

Por trás de cada propaganda vista em muros, faixas e cartazes há os pincéis dos pintores de letras. Mesmo com cidades abarrotadas por outdoors, banners e os recém-chegados anúncios audiovisuais, as letras produzidas manualmente se resistem no marketing visual urbano, além da gerar fonte de renda para aqueles que o fazem. Para encontrar tais obras e autores, basta dar uma olhada pela janela do ônibus, em trajetos pela Baixada Fluminense adentro. As palavras anunciam e se diferenciam. Em cada painel há a marca registrada do pintor, seja pela fonte tipográfica utilizada ou pelos detalhes detectados em sombras e contornos. “A gente conhece pela letra e pelo cliente. Tem cliente que só faz com um pintor”, conta Francisco Mendes, que assina “Chico Mendes”. A coincidência com o seringueiro e ativista ambiental vai além do nome: “Ele era meu tio-avô. Era irmão do meu avô”, explica.

O espaço do painél costuma servir de divulgação para o próprio pintor. Com nome e contato, as assinaturas são feitas num dos cantos do muro. Dentre as cinco assinaturas mais vistas no percurso Nova Iguaçu x Belford Roxo, Chico Mendes foi o único disposto a conceder uma entrevista para o Cultura NI. Segundo ele, o ofício já fora proibido nos muros iguaçuanos, sob a justificativa da “poluição visual”. Atualmente não se trata de ilegalidade, mas sim de um trabalho informal que há pouco vem conquistando os olhares dos 'belforroxenses'. Entre um telefonema e outro, as respostas variaram entre receios e ausências. “Já prenderam meu material. Eu não sou modesto não. É uma coisa que eu faço bem, mas eu não me orgulho de estar fazendo”, disse uma das vozes do outro lado da linha. Chico, porém, logo topou, alertando enquanto fazia uma pintura no bairro Itaipú: “Eu estou sempre na rua”.

A conversa foi então marcada para a manhã de um dia ensolarado, nas proximidades da Prefeitura de Belford Roxo, onde os muros são disputados por letras e graffites. Na parte traseira de uma bicicleta vermelha, repousava um caixote azul recheado de pincéis e tintas, que cruzavam as ruas à procura de um muro disponível. “Eu não sou fã de desenhos. Eu faço letras”, diferencia Chico Mendes, alegando que os desenhos nem sempre são valorizados artisticamente pelos clientes. Na maioria das vezes, a arte projetada no muro é uma reprodução do cartão de visitas do cliente, incrementado por novas cores e formas.

As propagandas em lugares de boa visibilidade, como as encontradas perto de pontos de ônibus, possuem validade de 2 a 3 meses. As datas em que foram produzidas costumam acompanhar as assinaturas. O respeito entre os pintores é de lei: Ninguém cobre pintura de ninguém. Chico Mendes, para quem contar a quantidade de pintores que conhece “é até difícil”, por vezes recebe reclamações dos parceiros de ofício por não ter colocado a data em sua pintura. Chico defende-se dizendo que a informação pode “sujar” a arte da propaganda. “Antes de terminar a validade, se o ponto for bom, a gente pergunta ao cliente se ele quer retocar a pintura, senão recobrem”, esclarece ele.

Acordo com cliente
Guiando a bicicleta azul, Chico encontra um muro que já recebera uma pintura, mas que fora consumida pelo tempo e pela poeira levantada por ônibus e carros. Encontrar uma propaganda que possa ser recoberta significa limar uma etapa: a de pedir a autorização do proprietário para utilização do muro. Segundo o pintor, por vezes, o proprietário questiona o benefício que levará caso conceda o espaço para a produção da propaganda. Nestes casos, é comum acontecer um acordo direto com o cliente, dependendo, é claro, da visibilidade proporcionada pelo muro em questão. Casos como a entrega grátis de pizza ou a manutenção dos vidros da janela de uma casa, já foram presenciados por Chico Mendes, que trabalha através de “pacotes”.

Cada pacote contém no mínimo dez painéis, que são encomendados a partir do pagamento de 50% do valor total. Dependendo da quantidade de painéis solicitados no pacote, o valor unitário pode ser reduzido até a R$10. Chico já chegou a ser solicitado para produzir um pacote de 500 painéis, de uma empresa de gás industrial, que foram pintados na Baixada e em Niterói. “Não sou muito fã de pegar na correria não. Prefiro não pegar muito cliente e fazer devagar”, esclarece ele, enquanto dava largas pinceladas da mistura de cal e água sobre a velha propaganda. O respeito entre os pintores funciona também em encomendas do porte dos 500 muros: por meio de indicações, forma-se uma equipe para que o trabalho seja concluído mais rapidamente. “O cal é secagem rápida. Bateu, secou, ficou branquinho”, mostra ele, já fazendo as misturas com anilinas para a produção das letras.

Embora sua principal fonte de renda seja a pintura de letras nas ruas, Chico Mendes é funcionário de um supermercado, onde exerce a função de “cartazista”. Profissionais como ele são os responsáveis pelos anúncios dos produtos em promoção, em letras sempre impecáveis. “Tem dia que sufoca. O movimento varia porque todo dia tem promoção diferente”, conta ele, dizendo preferir a liberdade do ofício que exerce após as 14 horas. “Hoje eu faltei”, entrega, justificando a presença para a entrevista em Belford Roxo.

Aos 45 anos, Chico demonstra uma espetacular precisão ao desenhar as letras. Sem rascunho, lápis ou qualquer tipo de material que garantisse sua segurança, ele marca a parede branca com a tinta preta, formando com firmeza as letras da “Ong + Oportunidades”. “No começo eu usava linhas pra ficar certinho”, lembra o cuidadoso pintor, que iniciou sua trajetória entre os 16 e 18 anos. “Eu sempre gostei de pintar”, afirma ele, que atualmente pinta uma média de 10 painéis por dia.

“Isso aqui é um outro ponto, olha: muro chapiscado”, aponta Chico, que precisa redobrar a intensidade das pinceladas devido à irregularidade da parede. Além dos olhares recebidos durante a pintura, Chico literalmente parou um ônibus, de onde um motorista gritou por seu telefone, interessado nas letras do muro. “E quando a gente esquece uma letra?”, ri Chico, que acabou por omitir o “r” da palavra “cursos”, durante o papo. “Vai ter que refazer a palavra toda?”, lanço a ele. “Ué, vou deixar assim?”, responde bem-humorado, já tendo em mãos o cal do “bateu, secou”.

Em cerca de 40 minutos, Chico Mendes mostra o resultado do painel recém-pintado. Ao fim de um pacote vendido a uma empresa, cliente e pintor percorrem os muros, que são verificados minuciosamente. “A pintura à mão, na tinta, demora bem mais para se desgastar”, declara ele, contando uma das maiores vantagens, além do preço, sobre as outras formas de publicidade urbana.

Confira  mais fotos desta matéria no Flickr Cultura NI!

Interatividade: Fotografe as letras que te rodeiam! Envie para o Cultura NI através do e-mail culturani@ymail.com, ou através de links nos comentários. Junto com a imagem, envie seu nome e o local onde a fotografia foi feita. Publicaremos as participações aqui no blog!


4 Comentários:

Yasmin Thayná disse...

É uma coisa tão comum por aqui e em outros lugares também que não deixa, de jeito nenhum, a história de lado.
Gostei da edição e do vídeo!
Não preciso te dar parabéns.
Sucesso!

falanacara disse...

Nossa! Meus parabéns, aqui ta muito legal.
Muitas matérias de qualidade e ótimos profissionais.
Josy você a cada dia tem se superado, e me surpreendido.
Muito sucesso pra você.
Saudades

Anônimo disse...

eles apagam graffitis em todas as cidades isso nao e tao legal assim eles sao pragas

Nicolas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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