Puro envolvimento

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

por Yasmin Thainá


Entre os barulhos ensurdecedores de automóveis, Jussara do Vale, de 57 anos, optou “fazer arte” naquele cenário de fundo. Na Rua Coronel Francisco Soares, na altura da Rua da Feira, todas as segundas-feiras, vê-se uma cena quase surreal: um ateliê ao ar livre aberto para qualquer tipo de público.

A história do Pequena Artesã, o ateliê, começou ainda quando existia uma loja de artesanato no centro comercial de Nova Iguaçu (Top Shopping), de que Jussara era cliente. E essa compra constante fez com que ela resolvesse perguntar ao lojista onde havia cursos para que pudesse aprender a fazer.



O batismo de “Pequena Artesã” foi porque a dona declarou que não sabe nada, que é um eterno aprendiz sempre em contato com o outro transmitindo o que sabe e aprendendo outras coisas, tornando a aula uma troca de saberes. “Não me interessa guardar conhecimentos só pra mim“, gosta de dizer.

Aprendeu técnicas de artesanato com Angélica, que é professora da Beija-Flor Tintas de Nilópolis. Sempre gostou e começou a fazer em casa as suas próprias artes. “Ela era muito dedicada. Aprendi muito com ela. Contava os dias para ter aula com ela.”

No ano de 2005, quando Jussara do Vale, que era professora do Município do Rio de Janeiro, dona do salão de festas na parte superior do espaço, resolveu transformar o depósito de mesas e cadeiras em um lugar onde pudesse praticar e ensinar o que aprendeu. O espaço foi inaugurado no dia primeiro de dezembro de 2005. "Passei a noite do dia anterior trabalhando com meu marido, colocando prateleiras, móveis pesados, trabalhos já feitos", lembra a artesão.

Terminou às nove. Dez e meia estava abrindo as portas. “Comprei uma torta e quem se interessava, entrava e comia um pedaço. Fiz um coquetel de inauguração. Fiz muitas amizades com essa loja. Pode não parecer, mas as pessoas gostam muito de artesanato,” conta ela. Uma prova disso é que seus trabalhos já foram até para os Estados Unidos, quando uma cliente queria levar alguma lembrança bem brasileira, que foi um sapatinho de porta verde e amarelo.

E não para por aí. Existe uma moça que mora pelas redondezas do bairro que é secretária do músico Erasmo Carlos e todo final de ano faz suas compras para dar de presente ao chefe.

A pedido da comunidade
O conjunto de simpatia e trabalhos benfeitos pela artista surtiram efeito e pedidos. As pessoas passavam pela loja e pediam para que Jussara passasse as técnicas. “O artesanato nos traz olhares críticos e percepção que não tínhamos antes. Aprendemos a levar as coisas até o fim para que possamos ver o resultado daquilo que fazemos, seja lá artesanato ou não.”

Seu envolvimento com o trabalho chega a um ponto tal que ela sequer se incomoda com o barulho do trânsito. "Não escutamos nada por puro envolvimento com a atividade." Ilca, uma aluna do espaço, é uma prova da teoria de Jussara do Vale. “Ela chegou aqui ofegante, cheia de problemas. Começou a fazer um vaso de flores e minutos depois estava ótima. Serena. O problema dela ficou minúsculo em relação ao que ela estava sentindo.”

Dona Heloísa Maria é outra aluna que conheceu os poderes terapêuticos do artesanato. “Isso daqui pra mim é tudo de bom", diz essa dona de casa de 58 anos, que fica aguardando ansiosamente para chegar a segunda-feira. "Aqui eu aprendo muito. Chego aqui duas horas da tarde e só saio quase às sete da noite. Isso é tudo: é vida, é amor. Eu chego aqui e o problema fica lá fora. É um universo paralelo. Parece que há uma barreira nessa porta que elimina tudo que há de ruim”

O que mais chama atenção no espaço não é somente o fato de ser um local aberto que possui artesanato, e sim pelo olhar que se passa a ter lá dentro. Por fora, é apenas um ateliê, mas por dentro é um espaço social repleto de carinho, amor, superação e amizade. Que é muito mais importante que o dinheiro e o barulho que se diante de toda a teia humana se torna um detalhe quase inexistente.

2 Comentários:

MeninasNoTédio disse...

Super interessante o artigo, Yasmin. Trata da realidade de várias pessoas, que assim como a "Pequena Artesã", fazem arte para esquecer os problemas. Acaba sendo um meio de relaxar, descarregar e ficar em paz com o mundo. Qualquer dia desses eu irei no ateliê de Dona Jussara. Gostei, realmente. Parabéns Yasmim pelo artigo e parabéns Dona Jussara por ter criado esse ateliê para todos.

Robson Costa disse...

Parabéns,
Ótimo artigo...

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