Reencontro através do funk

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

por Renato Acácio


Santo de casa não faz milagre. Os percursos que o samba, a capoeira e o cinema novo trilharam para adquirir status de cultura nacional, digna de reconhecimento enquanto identidade, atenção e de expressão valiosa, tiveram de procurar reconhecimento no exterior, para só então obter um merecido valor de uma faceta da cultura brasileira. Não tem sido diferente com o movimento Funk Carioca. Acusado pela mídia de incitar a violência desde a década de 1990 e pela classe média de música pornográfica e desprezível no início dos anos 2000, o movimento Funk Carioca vem caindo no gosto internacional e promete virar o jogo assim como o Samba, outrora repudiado e nos dias de hoje aclamado pelas mesmos elitistas que o repudiaram, um dia o fez.

Um dos responsáveis e pioneiros em apresentar a cultura do Baile Funk Carioca para públicos internacionais atendem pelo nome de Bruno Verner e Eliete Mejorado. Juntos eles formam o TETINE, um projeto artístico que vai além da música, passando pelo audiovisual, a performance, a instalação e a poesia. Há 15 anos na pista, dos quais 10 produzindo na Inglaterra, o TETINE surgiu quando Bruno Verner, músico ligado à cena punk underground brasileira, foi fazer a trilha para uma performance em que Eliete Mejorado, atriz e artista visual, participava em 1995 em São Paulo. A partir daí a dupla não se separou mais e de lá pra cá lançaram 10 álbuns e se engajaram em dezenas de projetos artísticos das mais variadas plataformas, dentre os quais uma parceria com a artista visual francesa Sophie Calle e um programa de rádio em Londres, onde semanalmente apresentavam os novos sons vindos do Brasil.


Apesar de serem influenciados por infinitas outras coisas além do Funk Carioca, a dupla frequentemente é identificada por ter levado o Baile Funk às pistas e galerias europeias. Os Tropical Punks, termo inventado por eles, que engloba desde a atriz Helena Ignês e o cineasta Rogério Sganzerla, passando por Tom Zé e até mesmo Yoko Ono, para denominar o espírito TETINE de ser, deram uma entrevista ao site CulturaNI, falando um pouco de como é fazer música lá fora, arte e, é claro, muito Funk Carioca!

Vocês foram pioneiros quando levaram o funk carioca para o exterior, principalmente para a Europa. Entretanto, o estilo tem sido associado no exterior ao dj Diplo e mesmo ao Bonde do Rolê. Isso incomoda ou incomodou vocês? O que vocês citariam como diferença na abordagem deles e a de vocês do Funk Carioca?

Eliete: Nosso jeito de ver o funk não vem de uma vontade em parodiar o estilo, não vem de uma vontade em tentar reproduzir o jeito de "fazer funk" pra classe média com a intenção de criar um "package" pro estilo ser comercializado seja no Brasil ou no exterior. Esse nunca foi o nosso lance. Nosso envolvimento com a cena de funk começou de forma puramente romântica. Não teve nada premeditado! Eu e o Bruno fazíamos um programa de rádio chamado Slum Dunk na Resonance Fm, é uma radio-art aqui em Londres, e em 2002 começamos a tocar os artistas de funk carioca no programa. Fizemos isso durante três anos consecutivos toda semana e o programa começou a ter um público fiel. Tocávamos de tudo, de Tati aos proibidões... sem nenhum tipo de preconceito musical. Também fazíamos entrevistas ao vivo por telefone, criávamos nossos mixtapes e daí a coisa foi pegando. O esquema era outro. Não tinha gravadora envolvida, não tinha ninguém querendo fazer package!

Como vocês, paulistanos, morando no exterior, entraram em contato com o funk carioca?


Bruno: Eu conheci os primeiros funks da época do 'Feira de Acari' em Belo Horizonte, onde eu morava. Tinha uma noite num lugar chamado COPAO, que era um baile-black no centro da cidade que eu frequentei bastante no final dos anos 80... Ouvi ali a maioria das primeiras produções de funk sendo tocadas na pista pelo dj de lá pro povo dançar. Eu pirava quando ouvia produção nacional no meio de muito hip hop e funk americano, que era o que imperava na época. Achava aquilo demais e o funk nacional batia em mim de um jeito muito forte, muito genial. A programação da bateria eletrônica, o jeito de cantar, o jeito que todo mundo dançava junto e tal. Na minha cabeça, de alguma maneira aqueles funks estavam ligados com a cena de pós-punk, que era de onde eu vinha. Eu gostava de New Order, PIL, ESG do mesmo modo que amava Afrika Bambaata, Sugarhill Gang e tal. Tinha um romantismo e uma ingenuidade em juntar as duas coisas.


Eliete: Eu comecei a prestar atenção no funk, quando comecou aquela fase com as meninas. Foi amor à primeira batida! O grau de atitude na performance das Mcs me encantava e me encanta profundamente até hoje. Fora a cena de punk e pós-punk no Brasil, era a primeira vez que eu via algo que me tirava o tapete. Fiquei completamente apaixonada.


O Tetine como um projeto artístico multimídia, coloca a música em que ordem de relevância? É possível hierarquizar?

Eliete: Pra gente nasce tudo meio que junto... não separamos muito as coisas. Tudo pode servir como material, mas quem conhece o TETINE desde o começo, sabe que a música tem um papel fundamental na história toda.


A que vocês atribuem a receptividade maior do público europeu do que o público brasileiro para o TETINE, mesmo vocês cantando algumas faixas em português e abordando em alguns albuns influências de um movimento cultural popular brasileiro?

Bruno: Acho que teve um momento que o mercado brasileiro musical ficou muito viciado e não tinha espaço para coisas como o TETINE. Éramos muito solitários como uma banda nos anos 90. As gravadoras brasileiras nunca deram muita bola pra gente e as pessoas não entendiam muito o que a gente estava fazendo. Éramos muito outsiders e aí a coisa toda ficava sem par. Não pertencíamos a nenhuma cena específica. Existia uma simpatia da imprensa... Mas mesmo assim lançamos nossos três primeiros discos de forma totalmente independente e já nessa época começamos a formar um público que voltava sempre nas nossas apresentações.

Quando fomos viver na Europa, a gente percebeu que existia um interesse maior no tipo de música que estávamos fazendo e que podíamos sobreviver como artistas sem ter que ter outros empregos. Nosso re-encontro com o Brasil foi através do funk carioca. Fizemos a primeira compilação de funk a ser lançada fora do Brasil (Slum Dunk Presents Funk Carioca) e depois lançamos dois discos autorais (Bonde do Tetao e o L.I.C.K My Favela) totalmente influenciados.

Vocês antes de irem morar em Londres lançaram 3 albuns no brasil. Quais são as diferenças entre trabalhar com música e arte no Brasil e no Reino Unido? Seria possível viver de um TETINE aqui no Brasil?

Eliete: Quando começamos acho que não. Hoje não sei te dizer.

Em uma entrevista para o site last.fm, vocês falavam que fazem música pop porém não óbvia. Isso significa que vocês vão ser sempre ligados a um quê underground? O que isso reflete exatamente na prática?


Eliete: Não sei ao certo. Quando falamos em música pop não-óbvia, isso não quer dizer que o que fazemos não poderia ser consumido por mais pessoas e acontecer um crossover. O TETINE tem um público fiel bem legal que acompanha o trabalho desde o começo... Na prática, ainda somos artistas de música ligados a pequenos selos como a Soul Jazz, Sulphur, Mr Bongo, Slum Dunk etc... Acho que estamos bem acompanhados desse jeito!


Na época do TETINE “Bonde do Tetão”, vocês chegaram a se apresentar num baile funk carioca legítimo? Se sim como foi a receptividade e se não como vocês acham que o público entenderia a performance e atitude de vocês?

Bruno: Infelizmente não! Mas tivemos o prazer tocar junto com a Deize Tigrona no Rio e improvisar com a MC Xana e o DJ Sandrinho em Londres num show junto com a galera do grime acho que em 2005, se não me engano. Os dois shows foram incríveis!

Por serem uma banda-dupla com elementos eletrônicos fazendo música na Europa, vocês já foram comparados com o Stereo Total ou Vive la Fête? O que vocês acham desses artistas?

Eliete: Eu gosto do Stereo Total. Acho que a gente funciona de modo similar... eles são uma dupla também e são artistas ligados a selos legais menores.

E como tem sido a divulgação do último álbum "From a Forest Near You"? Algum plano para show no Brasil?

Bruno: Tem sido legal. Semana que vem vamos pra Portugal , depois faremos dois shows na sequência em Londres. Acabamos de lançar um vinil novo, o Tropical Punk, com quatro faixas remasterizadas do From A Forest. Ano que vem devemos fazer show no Brasil, existem possibilidades de isso acontecer no comeco de 2011.

Acessem também:
http://www.tetine.net
http://www.myspace.com/tetine
http://www.myspace.com/tetinebside

1 Comentários:

Anônimo disse...

não sabia disso tudo, só conhecia aquele css remix deles

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