Teatro bento

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

por Jéssica de Oliveira

A figura que se arrastava pela chão, clamava por um tesouro. Era coberta de lixo e fazia com que as pessoas se aproximassem, com os olhos bem abertos e com os ouvidos atentos, abrindo um generoso espaço para seus longos movimentos. "Água benta, água barrenta. Água lenta com sabor de menta", eram palavras que faziam parte de sua poesia.

O tesouro é a água, da qual ela mesma, figura da imundície, poluiu. Trazia consigo uma garrafa de vinho, presa numa meia-calça arrastão. Era a rede do pescador, que agarrava o lixo, ao invés do peixe.



Sua face era coberta e sua forma humana era inexistente perante o figurino de monstro. Enquanto falava, a quadra do SESC de Nova Iguaçu se calava para ouvi-la, dando à Teia 2010 minutos de total reflexão.

"A resposta das Águas", interpretada pela atriz Ana Ýcaro, 41 anos, é uma performance criada pela própria com o intuito de conscientizar sobre a degradação de rios e mares. Na última sexta-feira, Ana apresentou sua peça três vezes ao público presente na Teia e concedeu entrevista exclusiva ao Cultura NI, onde falou sobre a construção de seu espetáculo.

Ana Ýcaro teve seu primeiro contato com o teatro quando ainda era criança e morava em Governador Valadares, Minas Gerais. "Acho que o primeiro contato com teatro de quase todo mundo é em pecinhas de escola e igreja", brinca.

Aos 34 anos, veio passar o carnaval com o irmão e artista plástico, Paulo Nazaré, no Rio de Janeiro e desde então, nunca mais voltou para sua terra natal.

Desde suas chegada ao Rio, Ana continuava a perseguir seu amor pelos palcos, sendo iluminada pelas luzes dos refletores. Quando completou dois anos de sua estada na nova cidade, conheceu o Instituto Nossa Senhora do Teatro e se apaixonou pelo trabalho desenvolvido no Centro da cidade pelo diretor teatral Ricardo Andrade. "Na época, Ricardo tinha acabado de participar de oficinas com a atriz Fernanda Montenegro no SESC de São João de Meriti. Depois disso, ele, que fazia uma espécie de teatro comercial, sentiu nascer dentro de si o verdadeiro teatro. Então, resolveu homenagear a atriz com o nome da Cia", conta e elimina suposições quanto ao nome da Intituição: "Nossa Senhora do Teatro, ao contrário do que se imagina, não faz referência a santas cristãs, mas sim, à grande Dama do Teatro Nacional, Fernanda Montenegro".

Ana Ýcaro foi a primeira aluna após o "renascimento artístico" de Ricardo. Recebeu aulas no Instituto e tempos depois, já lecionava para os novos aprendizes. "No Instituto, os antigos alunos ensinam aos novos", diz.

Participando de muitos trabalhos, Ana sempre esteve aberta a novos desafios. Em 2008, enquanto participava de um sarau referente à "memórias das águas" na ONG Arco-íris, em Santa Tereza, recebeu de um amigo a proposta de criar algo que abordasse o tema. "Ele tinha o hábito de fazer isso para estimular o ator a trabalhar em cima de temas propostos".

Seu desejo, desde então, passou a ser criar algo que pudesse tocar o público e fazê-los perceber a importância dos cuidados com a água: "Eu sempre trabalhei com faxina, então, uma vez quando estava trabalhando, eu conversei com Deus: 'Senhor, eu quero uma coisa diferente. Quero algo que mobilize as pessoas, que as modifique, mas que seja simples e de fácil entendimento'. Aí eu tive essa ideia, que veio imediatamente e eu falei: 'já sei, vou fazer um figurino todo de lixo, onde eu vou anular a figura humana, para poder mostrar que a água logo estará totalmente tomada pela sujeira'", explica. "Quero mostrar ao público que a água está acabando dia após dia. Quando eu me arrumo, quero me anular como ser humano. Quando me arrrumo, quero ser a figura da água suja, usando a minha "carcaça humana" apenas como base, porque na verdade, a água limpa está se esgotando, mas a suja continua aqui e sempre vai continuar. Nós, humanos, vamos morrer, mas a água suja vai permanecer".

A atriz dispensou todos as propostas de trabalhos com vínculos empregatícios para ter mais tempo para se dedicar à sua verdadeira paixão, que é atuar e colaborar no crescimento da instituição, que inclusive já teve a oportunidade de se tornar uma escola técnica. Entretanto, Ricardo Andrade recusou a proposta, insistindo em continuar com a escola do jeito que a madrinha da escola pediu que fosse: "Para Fernanda, o ator não é nada além de um operário. Nem mais nem menos. O nosso trabalho vai continuar sendo desenvolvido em forma de oficinas. Vamos continuar a trabalhar da maneira que a Nossa Senhora do Teatro pediu", encerra.

Todos os anos, a Escola abre seleções para novos alunos. As inscrições podem ser feitas no site www.nossasenhoradoteatro.com.br.

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