Mas poderia ter entrevistado. Poderia começar este texto anunciando a suposta entrevista concedida pelo famoso documentarista, relatando com riqueza de detalhes o encontro e as falas inéditas. Faria uso do poder da palavra não só para inventar uma situação, mas para convencer sobre sua veracidade. A sedução de quem conta uma história e a potência do falso tanto no cinema quanto no próprio discurso verbal foram os pontos que mais inquietaram os universitários que ontem à noite assistiram à palestra de João Moreira Salles, no campus Tom Jobim, da Universidade Estácio de Sá.
“O documentário é uma invenção do diretor e do personagem. Destas duas invenções sai o filme. E o filme não é uma verdade”, ousou dizer o diretor, tomando como exemplo o filme “Jogo de Cena”, do qual foi produtor executivo: “O que o Coutinho estava querendo dizer é que o que interessa não é a verdade factual do que está sendo dito, mas sim a paixão com que se conta”. Em “Jogo de cena”, exibido na última terça-feira no Cineclube Digital, Eduardo Coutinho coloca o espectador diante de mulheres e suas respectivas narrações. Não fosse o fato de que algumas delas são atrizes popularmente conhecidas, identificar uma portadora real das memórias contadas seria uma tarefa impossível. Aliás, a dificuldade aparece de fato, quando fica claro que estamos diante de um jogo – que também envolve atrizes pouco conhecidas –, onde a verdade é o que menos importa. O que vale é a forma, não o conteúdo. “Não há bom filme que não pense sobre si mesmo”, garante o documentarista, aconselhando aos risos: “Não confie na gente”.