Apalpe o vídeo-arte

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

por Yasmin Thayná


Era um dia quente quando li o livro de verdade. A minha caneca de plástico verde era preenchida por um delicioso Mate Leão gelado. As páginas cujas pontas eram vermelhas com folhas grossas, eram lidas de acordo com a passagem do sol pela enorme janela da varanda de minha casa. Minhas vistas já doíam. Mas eu não me via em outro lugar a não ser sentada na cadeira feita de bambu na claridade absoluta.
Li um revolucionário que parou de tomar coca-cola por conta do pai do comunismo. O movimento estudantil foi tão importante na vida de Faustini assim como tem sido na minha. O sacolé de nescau e o encanto do menino de periferia que vai até o centro, afastado de sua realidade, e utiliza de seus próprios mecanismo sociais. Um menino que dá seus rastros cênicos durante o "guia afetivo da periferia."
Quando terminei de ler o livro, 2 horas sem interrupção, só pensei em corpo, alimentação, cardápio, fragmentos, histórias, mapa - ainda que o livro não tenha uma proposta abrangente em termos de Brasil. A sua abrangência é em seu território e o reconhecimento dele.
A primeira etapa disso resultou em um roteiro onde um menino comeria as regiões do mapa que foram lugares por onde o autor passou.
Usei termos gastronômicos na minha ideia inicial. Faustini pediu o cardápio, comeu as refeições e só absorveu o que lhe foi útil: o prato típico de sua região que é a afetividade. Lembrando que não haveria ideia alguma de segregação de culturas. De forma alguma.
Produzi o roteiro, vendi. 3 pessoas se interessaram na turma de animação. O Raul Fernando, professor de roteiro,fez cara de quem não gostou. Acabei fechando negócio com a minha amiga de longa estrada de escola: Marina Gomes.
As nossas conversas foram tão úteis quanto o resultado final do processo. Elas modificaram toda a minha formatação e a imagética do trailer. Eu não tinha intenção de ganhar dinheiro algum com esse roteiro, mesmo estando ciente da bonificação. Era a primeira adaptação para animação que fiz. Pensamos no corpo, já que afetividade se demonstra através da comunicação. E o corpo é a melhor parte dessa história.
O corpo de Osmar Machado, meu irmão, foi emprestado para que pendurássemos os lugares, que imprimimos no computador, em sequência partindo de um mapa instalado no chão que subiria por seus pés. Ou seja, seu corpo seria o mapa onde as regiões circulariam compulsivamente. Porém, o tempo era pouco e ficou rápido demais o stop motion.
A segunda etapa, foi utilizado o corpo do primo de 12 anos de Marina Gomes. Fechamos parceria com Milena Manfredini e ela topou fazer a fotografia. Eu não pude estar nesse dia. Raul Fernando brincou dizendo que roteirista é uma raça malandra demais. "Só quer escrever e fim de papo." Não saiu. Fomos para a terceira produção.
Estávamos determinadas com o contexto e não tinha o porquê de mudar. O livro era isso: um vídeo-arte redigido. Dessa vez, usamos o corpo de Marina Gomes em um calor inversamente proporcional ao frio do Alaska. A bateria da câmera descarregou e fizemos com outra câmera no final. Ou seja, diferença nítida de qualidade de imagem. Apesar de que em momento algum cometamos sobre o possível prêmio. Para gente, era bem mais importante curtir a nossa amizade, o trabalho bem feito, o roteiro e a nossa atividade audiovisual. Aquele dia, era o marco inicial dentro do meio artístico. Terminanos e a Marina Gomes foi pular na cama elástica para extravasar as horas que teve que ficar parada, o que foi um sacrificio pelo fato de sua notável hiperatividade.
Dessa vez saiu. O material foi entregue por Milena Manfredini ao Clayton Leite, professor de animação.
Em uma quinta dessas quentes, resolvi escrever a escaleta (processo realizado antes do roteiro onde se define em ordem numérica o que vai ser filmado na cena) para facilitar o trabalho de Clayton. Eu defini como se formava letra por letra. Era uma sequência de 10 a 15 lugares do Rio de Janeiro. Deu certo.
Milena usou o Movie Maker para editar e uma música que é surpresa. Já contei muito sobre o trailer. Clayton Leite ajudou nos créditos.

A exibição de todos os trailers produzidos na junção da turma de roteiro com a de animação, será no segundo Sarau do Apalpe, A Palavra da Periferia, que é um evento que acontece periodicamente em sua sede, na lapa, que reúne diversas pessoas do meio artístico. Essa edição contará com oficina ministrada pelo poeta e fundador da Cooperifa - Sergio Vaz - apresentações de esquetes, vídeos produzidos a partir do livro lançado em 2010 "Guia Afetivo da Periferia," de Marcus Vinicius Faustini. As atividades começam hoje e vão até o dia 22.
Na última reunião da Escola Livre de Cinema, Cristiane Brás, coordenadora de todos os projetos da Reperiferia, historiadora e diretora da Escola Livre de Cinema, substituiu a ausência de Raul Fernando por motivos pessoais. Entranhei assim que cheguei às 14:20. O Raul é sempre muito pontual. Chega a ser um exagero da utópica pontualidade brasileira.
"Ficamos muito surpresos com a capacidade de vocês em ignorar seus desejos de colocar ideias no papel e trabalhar em cima de um dispositivo que a escola deu para vocês trabalharem. Isso é muito gratificante pra gente e pra vocês que aceitaram e conseguiram desenvolver esse desafio que deu bons resultados," declarou Cristiane Brás.
As fotografias do último dia com o Barnabé e o acordo que nos foi passado na biblioteca Cacá Diegues dentro da Escola, registraram mais um dia de força para o meu discurso diante da banca poderosa com a presença da crítica em cinema, Ivana Bentes, que leciona para mim linguagem cinematográfica na UFRJ no projeto da CUFA de audiovisual.

Não "tremi na base." Lembrei de todo o processo cinematográfico que teve a produção do trailer que estarei apresentando amanhã, sexta, na lapa.
O dia em que li o fragmento do livro sugerido pelo Raul Fernando que se chama "Autoviação," as imagens eram as mesmas do trailer produzido por um dos meninos da classe. Aliás, o livro do Faustini tem muita imagem. Não é um livro cheio de literatura cujo foco são imagens abstratas. Ele narra imagens reais.
O final do contexto do vídeo-arte ainda é o mesmo inicial. A diferença vai estar na apresentação. Confira: sexta, dia 21, às 18:00 horas, na escadaria Selarón na Lapa, na Escola Livre da Palavra, eu (Yasmin Thayná), Marina Gomes e Milena Manfredini estaremos lá aguardando nosso público com nosso simples discurso e o nosso humilde vídeo-arte que vai falar muito mais que nós.

1 Comentários:

Marina G. disse...

Com certeza foi prazeroso trabalhar com vocês! A Mi, uma amiga nova, você uma amiga de longa data - as duas muito queridas. E se nós falamos de afetividade, o fizemos com experiência no assunto! rs Valeu a pena ficar com a coluna doendo hahahaha, valeu a pena ouvir vocês falando como meliantes hahahaha [2]. Espero que todos os que assistam o vídeo possam entender a mensagem que nos quisemos transmitir.
Beijo grande, até daqui a pouco! ;)

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