Brilhantemente comum

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

por Hosana Souza

Um paulista de sotaque carregado, corpo robusto e sorriso largo. Um morador do Itaim Paulista, na extrema Zona Leste. Escritor, produtor, poeta, músico, empreendedor. Pai de família, Suburbano Convicto, sonhador. Este é Alessandro Buzo, que me abriu não apenas uma latinha, mas também toda sua história. Uma história que começa há dez anos dentro do mais periférico dos transportes coletivos: o trem.

Se os trens hoje já circulam absurdamente lotados e despertam em seus passageiros um infinito ódio, imagine uma década atrás e sendo este a única opção de transporte para todos os moradores daquela região? Foi esse cenário cotidiano e megacomum que Buzo transformou em arte, mais especificamente em poesia. “Então, fiz minha primeira poesia sobre essa situação e recitei no trem e as pessoas me falaram: “Ah, por que você não escreve um livro assim, com as histórias do trem?” E eu escrevi TREM – BASEADO EM FATOS REAIS e hoje estou aqui”, diz.

Uma literatura carregada de emoções e lembranças, O TREM contou também com a inspiração da música de mesmo nome do grupo RZO, dos rappers Helião e Sandrão, que inclusive escreveram o prefácio do livro. “Sempre gostei de rap, e a literatura marginal caminha lado a lado com o RAP, então as coisas aconteceram naturalmente, a experiência tem sido boa”, explica.

Com produção e distribuição independente, O TREM foi apenas a ponta do iceberg de transformações na vida do guerreiro Alessandro. “Não foi nada fácil. Eu perdi o emprego, tive um filho e escrevi um livro, tudo ao mesmo tempo”, relembra. Sobre dificuldades, Buzo comenta que a maior de todas foi lançar. “A periferia tem acesso relativo, o livro custa R$ 20,00, não é barato mas também não é caríssimo, se o mano realmente quiser ele compra”, conta. “Na época de O TREM, um maluco vivia me perguntando quando que eu ia “dar” um livro para ele e eu respondia que NUNCA. Não é assim, livro é caro, não é para doar. O cara tem que ler e pra ter acesso tem que se esforçar: compra em sebo, troca, pega em biblioteca ou faz por merecer ganhar um livro.”

O livro que serviu de transporte para uma mudança radical na vida de Alessandro Buzo foi seguido pelos sucessos “Suburbano Convicto – O Cotidiano do Itaim Paulista”, “Guerreira”, “Toda brisa tem seu dia de ventania” e “Favela Toma Conta”. Além disso, também dirigiu o filme “Profissão MC” (2006), tornou-se editor do jornal “Boletim do Kaos”, conduz o projeto de organização de coletâneas literárias “Pelas Periferias do Brasil”, recebeu diversas premiações no Festival Hutúz, luta pelo zine “Imprensa Alternativa” e faz parte do programa Manos e Minas da TV Cultura com seu quadro “Buzão”.

Eternidade
Dez anos depois aquele cara sem emprego não consegue mais tirar férias e ainda deseja muito mais. “Vou ter a eternidade pra descansar”, brinca. Mais do que vestir a camisa e lutar por seus próprios sonhos e projetos, orgulha-se de vivê-los: tornou-se o pai do Espaço Suburbano Convicto, que conta, hoje, com uma casa de cultura, editora, livraria e comentadíssimos saraus.

Quando perguntado sobre as elites que atualmente migram para a periferia por perceber que ali há material de excelente qualidade em contrapartida a algumas pessoas da própria comunidade que ignoram o trabalho, Alessandro fala com tranquilidade. “A elite entende sim, o problema é que quando o boy acaba de ler meu livro, ele quer ajudar a salvar o mundo e depois que entra no primeiro shopping ele esquece, mas ele entende”, completa. “Sempre tem o cara que nunca ouviu falar do espaço. Seja o Enraizados aqui em Nova Iguaçu seja o Suburbano lá no Itaim, mas eu já me dei conta que quem está perdendo são eles. Quem não tá aproveitando, quem não tá crescendo, não tá curtindo são eles; a casa tá cheia, o espaço está bonito, nós estamos trabalhando”, diz.

Alessandro fala com orgulho das melhoras do Itaim que seu filho está conhecendo. “Muita coisa melhorou por lá, inclusive o trem”, comenta entre risos. “É obvio que eu quero um Itaim melhor pro meu filho, pros meus parentes, minha vida é lá, eu sou aquilo lá, mas do que qualquer coisa eu sou do Itaim, eu sou um Suburbano Convicto”, diz. “Ainda tem muita coisa por fazer. Construímos muito e eu espero que muita gente ainda venha aproveitar aquele espaço todo”, encerra o homem que no fundo quer apenas um mundo melhor para o seu pequeno Evandro.

4 Comentários:

Yasmin Thayná disse...

História que se formou dentro do símbolo do proletariado. A única contradição é o pensamento capitalista de que livro não se dá. O que diria os organizadores de "chuva de livros" ou até mesmo o "livro livre"? Esses projetos arrecadam livros caríssimos. Como dizer que não se doa livros? Lógico que se doa. Imagine um cara que não tem dinheiro para comprar uma água? Ele vai ser excluído porque livro não se pode dar? Ao mesmo tempo que é caro para se fazer um livro, para se comprar também é. Totalmente contraditório. Acho que isso vai continuar porque o escritor precisa ganhar dinheiro e o leitor precisa ter dinheiro. Belo texto, Hosana. Sucesso, linda!

Hosana Souza disse...

Obrigada Yasmin, você é que é um linda. Enfim, vou defender o meu entrevistado, rs. O que o Buzo quis passar - e eu pequei não conseguindo passar isso - é que muitas vezes o cara lá no Itaim não compra um livro, não vai até o espaço mas compra roupa de marcaou um pino de cocaína. Ele também precisa do dinheiro do livro, doar é muito bacana e eu super apoio e faço a tempos, entretanto no caso dele torna-se um prejuizo quando quem recebe não quer mudar, afinal não adianta que eu queira a própria pessoa tem que desejar e só assim virá um mudança. Beijo

Renato disse...

Acho que ele quis dizer que livro não se dá, mas é meio que se referindo a santinho, panfleto essas coisas. Não dá pra se distribuir por aí porque é custoso e frustrante dar um livro pra alguém que não tem interesse de ler, pra ficar empoeirado na estante. Enquanto isso há outras pessoas que têm interesse e que possivelmente não teriam mais acesso a ele porque uma edição inteira foi esgotada e nenhum exemplar lido, todos nas estantes dos desinteressados.

Julio Ludemir disse...

Não é uma questão de proteger o nosso entrevistado, Hosana. Para o leitor não interessa o que achamos do pensamento do nosso entrevistado. O importante é que o leitor entenda o que ele, nosso entrevistado tem a dizer. E vc fez isso mais uma vez brilhantemente. Beijos

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