Esperança mínima

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

por Felipe Branco

Dia desses pensei sobre a tragédia que aconteceu na região serrana do Rio, particularmente naquelas pessoas que se apresentaram de imediato como voluntárias, para oferecer algum tipo de ajuda. Seria injusto com esses heróis não destinar nossa atenção e lhes dar o devido crédito pela melhora na nossa sociedade em geral. Não só pelos que ajudam em tragédias, mas como os que se solidarizam com o próximo independentemente de tragédias de vulto ou de apelo da mídia.

Lembrei de pronto de uma amiga do Cacuia, bairro de Austin, que sempre teve esse espírito caridoso. Falo de Ana Célia Fernandes Martins, uma católica de 40 anos da Paróquia Menino Jesus de Praga do Cacuia. Ele vem exercendo sua capacidade de solidariedade há cerca de seis anos, quando, ao longo de dois anos, reunia a família e alguns vizinhos nas manhãs de sábado para preparar um sopão que distribuía por intermédio das CEB´s (Comunidade Eclesiais de Base) e da Renovação Carismática. "Eles vinham de várias partes de Austin, principalmente do Tinguazinho. Traziam vasilha, panela ou algum tipo de pote para poder levar a sopa pra casa", lembra Ana Célia.



Foi por intermédio dos sopões que Ana Célia descobriu a dignidade do pobre, que segundo ela só recorre a esse tipo de ajuda em última instância e mesmo assim em caráter provisório. “Podia ter até dois ou três sem vergonha ali, mas a maioria parava de ir quando a situação melhorava", conta ela, que se sentia melhor como ser humano ao fazer pelo outro aquilo que estava ao alcance de sua mãe.

Algumas histórias marcaram seus sábados. Certa feita, uma moça que estava na fila começou a chorar quando chegou sua vez de pegar a sopa. “Aquela moça era tão pobre que não tinha nem um pote para levar a sopa", conta ela, que na ocasião foi até a cozinha para pegar uma panela para dar à moça, que cozinhava em uma lata de tinta. Aquela foi a primeira panela que ela teve. A tal moça foi mais um dos casos que, em vez de ficar dependente da obra de Ana Célia, sumiu tão logo a vida melhorou. "Depois que o marido conseguiu um empregou de caseiro, nunca mais vi a moça." A sopa era custeada com o salário de professora, mas a família e os amigos também colaboravam.


Outra obra de Ana Célia foi o Natal sem fome, no qual até 2009 distribuía bolsa alimentação onde um frango assado era uma presença obrigatória. Outra presença indispensável nas festas de fim de ano que ela organizava era um Papai Noel, para dar presente às crianças. “A ideia era cada pessoa apadrinhar uma criança e comprar um presente pra ela", conta Ana Célia. Para sua surpresa, os presentes distribuídos eram sempre de qualidade. "Ninguém comprava aquele baratinho ou dava um velho.”

Quando começou a trabalhar no Programa do Leite, na Prefeitura de Nova Iguaçu, começou a andar nas ruas e a ter mais contato com pessoas em situação de risco. Numa dessas caminhadas, conheceu cinco famílias em um morro no bairro de Santa Cecília, bem próximo a Carlos Sampaio, em Austin. Esse dia ficou na sua memória porque o morro em questão não era como um desses “habitados”, com várias casas. "Havia apenas cinco casinhas de madeira, papelão e restos de ferro-velho. As casas não tinham nem um piso a não ser o próprio barro do morro. Na frente de uma delas, um espaço com sucatas e papelão com que garantiam o sustento, vendendo para um ferro-velho."

Ana Célia subiu o morro e ofereceu a assistência prevista no contrato de trabalho com a Prefeitura. Mas isso lhe pareceu insuficiente e ela acionou a rede de amigos para conseguir roupa para as crianças que moravam naqueles barracos.  “Uma das crianças tinha dificuldade para andar com chinelo, pois sempre andara descalço, embora já tivesse cinco anos." As crianças também jamais haviam usado um chuveiro ou mesmo um banheiro. "No morro é só banho de caneca”.

Em uma das casas, as crianças, que sequer haviam sido registradas, nunca tinham ido à escola, embora já tivessem entre 12 e 13 anos. Mas seu esforço se mostrou em vão. E não foi por que as crianças precisavam passar os dias garimpando o lixo, para depois vender como sucata. “Tentei resolver a questão da certidão de um deles, mas era muito complicado porque a mãe não lembrava onde ele havia nascido. Já as escolas não as aceitaram porque os maiores já tinham passado da idade de entrar no primeiro ano e teriam que esperar fazer 14 anos para poder estudar à noite.”

O jeito foi ela própria alfabetizar as crianças, o que ela fez numa sala cedida pela Igreja Santa Cecília, em Santa Cecília. Antes disso, porém, teve que rebolar para que o chefe a dispensasse três manhãs. a boa vontade de Ana Célia, no entanto, não resistiu à descoberta de que a mãe de uma delas havia se envolvido com crack. "Ela se mudou levando três dos sete filhos", conta ela. O pai doou uma das três crianças que haviam lhe restado.

Ela ainda diz que o sonho era montar uma Casa de Acolhida, simplesmente pra ajudar a pessoa a dar o primeiro passo. A casa já tem até um nome: Casa de Acolhida Virgem de Guadalupe, a padroeira da América Latina. Mas faltam recursos pra realizar este sonho. Recentemente, Ana Célia concorreu a conselheira tutelar, mas os 200 votos que recebeu não foram suficientes para elegê-la. "O cargo é muito importante, mas é difícil concorrer com quem tem recursos." Problemas na apuração obrigaram os suplentes dos conselheiros anteriores a assumir.
Cada voluntário tem seu mérito, mas a maioria dessas almas bondosas morre sem reconhecimento algum, e muito menos apoio do poder público. Mas cabe a quem puder dar o devido crédito no mínimo para que sirvam de exemplo. Como boa católica, ela faz questão de dizer: “Combati o bom combate... guardei a minha fé. Fui esperança pra alguém”.

2 Comentários:

Yasmin Thayná disse...

As histórias são de arrepiar. Adorei da moça que chorou diante da sopa enquanto outros choram por motivos que não significam tanto perto desse. Cada um tem seu motivo de chorar, mesmo que os mais simples possuem um motivo mais específico e bonito comparado a essas situações.

Anônimo disse...

Felipe amei ,ficou excelente!Eu sabia que vc tem algo de muito especial .Confio em Jesus que essa história esta apenas começando e que teremos a nossa casa de acolhida Virgem de Guadalupe.Mil beijos! Ana Celia Fernandes Martins

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