A oficina de Morro Agudo

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

por Jéssica de Oliveira


“Eu cresci ouvindo dizerem que Morro Agudo não presta, que só tem coisas ruins. Mas eu aprendi que não precisa mudar do lugar onde se vive, mas sim mudar o lugar”. Essa frase é trecho do discurso feito na última quinta-feira, 03 de fevereiro, pelo rapper e coordenador do Movimento Enraizados, Flávio Eduardo da Silva Assis, infinitamente mais conhecido como Dudu de Morro Agudo.

“Enraizados – Os Híbridos Glocais” é o primeiro livro que DMA lança, onde em mais de 300 páginas descreve os principais passos do movimento que hoje se faz presente em mais de dez países, graças às articulações milagrosas do produtor.



Milagre. É assim que Dudu de Morro Agudo rotula o Enraizados, onde, ao lado do amigo Luis Carlos Dumont, construiu mais que um espaço físico localizado na Rua Tomás Fonseca, em Morro Agudo, mas edificou um espaço afetivo, para a livre expressão de militantes e iniciantes no movimento Hip Hop. “Antes só existia o sonho e a vontade de fazer. A gente se reunia na pracinha de Morro Agudo, depois passamos pra casa da Rosinha, que também sempre apoiou o Movimento, e logo fomos pra um escritório minúsculo”, conta, enquanto pisa na demarcação do chão que um dia foi o tal escritório, mas que hoje faz parte do grande pátio do Enraizados.

A força de um amigo
Ter 19 anos e um filho pra criar com certeza não é tarefa fácil. “Eu gastava exatamente o dobro do que eu ganhava no trabalho”, lembra Dudu, que mesmo com as responsabilidades de um jovem chefe de família nunca abandonou seu sonho. “Eu conheci o Dumont, que era sozinho e ganhava o dobro que eu; ele acreditou no sonho e nós dois partimos pra luta, correndo atrás do 'milagre'”.

Luis Carlos Dumont, como contava Dudu em sua fala, passou meses elaborando projetos sociais, pois não havia outra forma de se ganhar dinheiro além dos patrocínios e repasses financeiros de outros órgãos. “Nós ganhamos 50 mil reais do Prêmio Cultura Viva. Teria sido muito fácil pegar aquela grana toda e ter comprado uma casa, um carro, ou qualquer outra coisa, porque vocês sabem: dinheiro de prêmio não precisa prestar contas, mas a gente quis empregar cada centavo nisso aqui”, conta, apontando para o espaço.

Antes o que era uma oficina mecânica virou o Enraizados. Na verdade, virou o espaço, porque o movimento sempre existiu. Entretanto, apesar de seus grandes portões estarem sempre bem abertos, não recebiam “visitas”. “Parecia que tinha uma cabeça de porco bem aqui na entrada, porque não entrava um mosca!”, brinca. “Passamos quatro meses nessa. E detalhe: não tínhamos mais nenhum centavo. Se acendia uma lâmpada, um gasto era gerado e não tínhamos como pagar. Aí o Dumont chegou pra mim e disse: ‘ mano, fecha as portas!’. Eu fiquei revoltado! ‘Não, não! Não vou fechar!’, mas aí ele retrucou: ‘bora fechar as portas e estudar’”.

As portas do espaço do Movimento Enraizados foram realmente trancadas e assim continuou por seis meses, enquanto Dudu e Dumont escreviam projetos. “A gente elaborou onze projetos. E sabe quantos foram aprovados? Onze!”, revela orgulhoso.

Em seu primeiro livro, Dudu de Morro Agudo conta essas e outras histórias, como um pouco de sua infância e a regra transgredida de trocar uma carteira assinada pela arte. “A minha família sempre achou que o melhor que poderia nos acontecer era ter uma carteira assinada”. No entanto, Dudu não foi o único que fez essa troca. Exemplo disso são as várias pessoas que fazem parte do Movimento Enraizados e sobrevivem disso, como é o caso de Lisa Castro. “Eu cuido da biblioteca, dou oficinas de audiovisual, sou MC, ajudo na faxina... aqui a gente se envolve com tudo”, diz. Para Elise, esse é um momento muito alegre na história do Enraizados. “Me orgulho muito. Eu que cheguei bem no comecinho de tudo, pude ver os avanços, as dificuldades e as vitórias. A gente esta acabando com esse estigma de que Morro Agudo não tem coisa boa pra mostrar; muito pelo contrário, a gente está mostrando que Morro Agudo faz acontecer”, finaliza, emocionada.

6 Comentários:

Julio Ludemir disse...

Lindo, o texto. Emocionante, a matéria. Parabéns, minha marrentinha global. Beijos orgulhosos

Déh disse...

Obrigada, Julio. Mas eu sinto que ainda falta tanta coisa a ser dita. Acho que essa matéria é só o começo de muitas.

Próxima: O Clube Dos Cinco!

Anônimo disse...

Gostei muito, parabéns Jéssica.
O livro proporcionou para nós do Movimento Enraizados mostrar um pouco mais do que a ponta do iceberg que todo mundo está acostumado a ver diariamente.

Hosana Souza disse...

Linda história, excelente narradora!

Unknown disse...

Linda matéria Jéssica, parabéns!

Ana Enne disse...

parabéns pela matéria, ficou bem bacana. E parabéns pro Dudu pelo livro e pra todo o pessoal do Enraizados por tudo. bjos!

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