Toque de Midas

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

por Leandro Oliveira de Aguiar



O projeto das UPPs é o atual toque de Midas do Rio de Janeiro, com uma aparente paz imediata para as comunidades em que é implantado. A repercussão de anos de domínio do tráfico e negligência do estado nas comunidades favelas terminou de forma cinematográfica e a mídia agora explora de forma sensacionalista. Mas os questionamentos são tão rapidamente levantados quanto as imagens dos traficantes fugindo na Vila Cruzeiro em tempo real, que deixaram todos perplexos. Anos de domínio do poder paralelo ruindo em apenas uma tarde?

Seria benéfico ou não a ocupação policial do jeito que está sendo feita? Não é possível negar que o tráfico tal como era conhecido, com armas pesadas e uma tímida presença do Estado, acabou. Não é à toa que os preços das seguradoras de carro despencaram. A sensação de segurança de que as classes média e alta que moram no entorno das comunidades contempladas com UPP já se reflete no preço dos aluguéis, que deram um grande salto.



No morro do Jacarezinho, uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro com população estimada de 36 mil habitantes e hoje um dos principais baluartes do Comando Vermelho, os confrontos entre bandidos e policiais continuam. Quando termina cada nova incursão policial, surgem discussões acaloradas entre os moradores da comunidade e bairros vizinhos sobre uma ocupação definitiva.

A estudante de letras Ludmila Maria Bruno, uma moradora do Méier de 21 anos, carrega consigo uma visão mais contestadora e própria dos jovens. Para ela, o tráfico só será derrotado de verdade quando a ocupação policial vier acompanhada de escolas e empregos para as comunidades historicamente dominada pelos bandidos. “Mas aqui querem resolver tudo rápido demais, por causa das eleições ou da Copa do Mundo. Por enquanto, tenho a sensação de que o projeto colocar o pobre no seu lugar", diz ela.

Os pontos mais vulneráveis das UPPs já foram identificados pela população nessas discussões. Um deles é que a polícia parece fazer vista grossa para o recrutamento de crianças e idosos para o tráfico, que, para atender à inevitável demanda por drogas da sociedade, encontra novas formas de sobreviver. A comunidade também já percebeu que, com a implantação das UPPs nas áreas mais nobres da cidade, torna-se inevitável a migração de bandidos para as áreas pobres do estado, como a Baixada Fluminense e São Gonçalo.

A comerciante Maria Lucia Fernandes, dona de um bar no Cachambi, bairro próximo à comunidade que sofre com os frequentes assaltos, acha que a expressiva votação do governador Sérgio Cabral nas últimas eleições é irredutível foi um claro sinal do cansaço da população com o chamado poder paralelo. ”Não dá mais pra viver com medo, não tem outra história. É uma questão de sobrevivência. Tem alguma coisa melhor?", pergunta ela, que já foi assaltada várias vezes e não sabe conta o número de vezes em que os bandidos a obrigaram a fechar seu comércio.


O office-boy Luiz Felipe dos Santos Mercedes é um morador da comunidade do Jacaré de 21 anos que desde sempre conviveu com a realidade dos traficantes, policias corruptos e a lei do “manda quem pode obedece quem tem juízo”. Para ele, o projeto das UPPS pode ter suas falhas, mas tem o mérito indiscutível de colocar a favela em pauta nas grandes discussões nacionais. “Antes ninguém falava de nós. Agora estamos no centro das atenções. Isso é muito positivo”, diz ele com um sorriso otimista.

Todos sonham com a paz, sejam da favela ou do asfalto, da Zona Sul ou da Zona Norte. No entanto, a população ainda fala na surdina, com receio de que esse seja mais um projeto passageiro e que depois tenham que prestar conta aos bandidos. ”Não entendo muito disso tudo, mas queria que meu filho tivesse um futuro melhor que o meu“, conta Maria Solange dos Santos, 24 anos, desempregada, mãe solteira e também moradora da comunidade.

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