Jura por Deus

terça-feira, 19 de abril de 2011

por Hosana Souza

Religião (do latim: "religio" usado na Vulgata, que significa "prestar culto a uma divindade", “ligar novamente", ou simplesmente "religar") é um conjunto de crenças sobre as causas, natureza e finalidade da vida e do universo, especialmente quando considerada como a criação de um agente sobrenatural, ou a relação dos seres humanos ao que eles consideram como santo, sagrado, espiritual ou divino. (Fonte: Minidicionário Soares Amora – Editora Saraiva, 2006).

Há de perceber por toda a história humana a influência da religião sobre a vida em sociedade. Aqui em Nova Iguaçu, mais precisamente no Conjunto Residencial Ouro Preto – em Morro Agudo/Comendador Soares –, tal influência é além de mista e difusa, fonte de grandes informações e indagações. O conjunto residencial, mais conhecido como Condomínio da Marinha, em seus trinta anos de histórias sempre foi povoado, em sua maioria, por cristãos protestantes. “Senti uma grande diferença ao me mudar para cá, pois nunca havia morado em um lugar em que todos os meus vizinhos fossem protestantes e que achavam que eu tinha distúrbios mentais por não o ser”, explica Maria José Abranches de Souza, 48 anos, esposa de um marinheiro hoje aposentado.



Com o advento dos financiamentos da Caixa Econômica Federal e o parcelamento do sonho da casa própria em suaves prestações mensais, a realidade do condomínio passou a se modificar; agora com a entrada também de civis. Dona Maria José, ou simplesmente Zezé, antes de parar em Nova Iguaçu havia morado em Vilar dos Teles – onde cresceu, conheceu o marido e se casou – e em Brasília. “Mesmo com o condomínio já aberto, a maioria era protestante e aquilo me incomodava muito. Eu sou católica desde a barriga de minha mãe e via meus filhos, por falta de opção, irem para as reuniões infantis da igreja protestante”, relembra ela, cuja igreja católica mais próxima ficava do outro lado do bairro, após a estação de trem.

O primeiro grande motor propulsor de mudanças no Conjunto da Marinha foi o incômodo. Já cansada da sua realidade de vizinhos protestantes e católicos escondidos, Zezé, nessa época já participando efetivamente de grupos na igreja, resolveu conduzir pelo condomínio – na cara e coragem – uma novena de natal. A prática cristã católica de resgatar passagens bíblicas e rezar o terço pelas casas do bairro em preparação à chegada do Cristo no dia 25 vem, historicamente, desde a época dos apóstolos – citada também na Bíblia. O Terço - que é a terça parte do Rosário – é um símbolo católico de devoção a Cristo e sua mãe Maria; com intuito de unir oração verbal e mental, o terço é composto por 50 Ave-Marias e 10 Pai-Nosso.

Em um local onde a esmagadora maioria era protestante, a atitude de Maria José de coordenar uma novena de Natal, com direito até a imagem de Nossa Senhora perambulando pelo condomínio, era verdadeiramente uma afronta. “Foi muito complicado e renovador. Complicado porque os protestantes têm a cabeça muito fechada. Eu não brigo por fé com nenhum deles, mas eles sempre acreditam que devem me converter. Foi difícil. Teve uma vez em que estávamos entrando na casa de uma senhora e a vizinha dela foi para o portão gritar: ‘- Se você deixar eles entrarem na sua casa, eu nunca mais vou ai! Esses adoradores de imagem!’”, relembra. “Por outro lado, foi renovador da minha fé, pois nessa caminhada descobri que não estava sozinha. Havia mais ou menos umas doze outras famílias católicas por aqui. A partir dessa novena, começamos a nos encontrar, conhecer e iniciar o processo de criação de um núcleo aqui dentro”, explica Zezé, fazendo referência à Comunidade Nossa Senhora de Nazaré, presente no condomínio já há nove anos.

O Condomínio da Marinha ainda permanece com expressiva maioria protestante. Ainda mais hoje, sob administração de um grupo ligado ao ex-candidato a vereador, Juracy Alves Prudêncio, o Jura. O sargento da policia militar, 39, dois dos quais preso na Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado e Inquéritos Especiais (Draco-IE), prega a palavra de salvação da comunidade. Também pastor pela Assembleia de Deus, mantém da cadeia seu espirito no bairro. Além de coordenar um blog pessoal intimamente conectado a sites de “apelo da comunidade” por sua candidatura e liberdade. Com abaixo-assinado on-line, apoio via twitter e Orkut, e o site “A Comunidade Quer Jura” – sem dono, membro ou mediador –, o miliciano se mantém no comando de diversas áreas em Comendador Soares, Rosa dos Ventos e adjacências.

“Com a antiga presidenta, nós podíamos fazer celebrações campais com facilidade e também usar a churrasqueira, que é um local comum aos condôminos. Hoje, além de agendar com antecedência, ainda precisamos pagar. Eles não ajudam em nada, não atrapalham, mas não ajudam”, diz dona Zezé. O grupo que hoje esta à frente da associação de moradores foi eleito em um pleito sem concorrentes. Não há comentários pela região sobre a nova administração; por um lado caminha o medo de repressão, já que eles coordenam a distribuição de sinal da TV, da internet, do gás e das cartas, e por outro caminha, em igual silêncio, o apoio ao poder paralelo, mão que age com suas próprias leis onde o poder publico não alcança.

Se em um determinado período da história a devoção a Cristo se bifurcou e gerou variadas denominações e rixas; se para aqueles que de certa maneira comungam da mesma fé o convívio se mostra conturbado, quanto mais àquele que caminha em outra estrada, como Maria das Graças Sales. “Tenho 23 anos com a cabeça feita”, diz com orgulho a candomblecista. “Esse povo daqui é muito cabeça dura e fala muita besteira. Eu não falo sobre o que não conheço, eles se sentem donos da verdade absoluta e me julgam. Não todos, a Zezé, por exemplo, com quem você conversou, não é assim. Mas os compreensivos em sua maioria não são protestantes”, explica.

Maria das Graças nasceu em Rocha Miranda, onde viveu até se casar. Por influência de seus pais, que frequentavam e auxiliavam nos terreiros de Umbanda, teve desde cedo contado com as religiões afro-descendentes. “Eu frequentava a umbanda por causa dos meus pais e depois por causa do meu marido, mas não ligava muito. Eu ia lá e fazia o que devia fazer, conhecia todos os preceitos, mas participar efetivamente eu só comecei depois, já no candomblé”. Maria da Graças chegou ao candomblé graças a um de seus irmãos, que, sem que ela soubesse ele marcou um “jogo” em seu nome e a levou até o pai de santo Sergio Aneira.

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