Quem tem medo da intimidade?

domingo, 3 de abril de 2011

por Saulo Martins


Sempre me interessei pelas relações humanas. Pra mim são, e sempre foram, muito interessante os laços que as pessoas criam baseados em palavras, ações e sentimentos. Esse interesse é um ingrediente importante quando eu procuro algum filme ou livro, e talvez tenha sido esse o motivo da minha identificação com Quem tem medo de Virginia Woolf? (Who's Afraid of Virginia Woolf?, 1966), do diretor Mike Nichols.

Logo no seu primeiro longa-metragem, Nichols conseguiu a façanha de ser indicado para todas as categorias do Oscar que ele poderia, vencendo cinco (Melhor atriz [Elizabeth Taylor], Melhor atriz coadjuvante [Sandy Dennis], Melhor Fotografia Preto-e-branco, Melhor figurino preto-e-branco e Melhor direção de arte preto-e-branco). É quase possível comparar o filme e o diretor com Orson Welles e seu filme de estréia Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), indicado para sete categorias do Oscar e considerado o filme mais importante na história cinematográfica. As duas obras têm uma importância histórica e qualidades inovadoras, dignas das suas indicações ao Oscar.



Quem tem medo de Virginia Woolf? conta a história de um casal de meia-idade, George e Martha, interpretados por Richard Burton e Elizabeth Taylor (casados na vida real na época em que o filme foi rodado), que saem de um jantar na casa do pai de Martha, dono da universidade onde George leciona, e convida um outro casal, bem mais jovem, para a sua própria reunião. Mesmo que o filme te diga, e tente te convencer que é apenas um encontro informal "só para beber alguns drinks e sermos simpáticos... Papai pediu para eu os deixar confortáveis", como descreve Martha, o espectador mais atento consegue captar o sadismo e a estranha animação nas palavras dela. O casal, contra a vontade de George, chega e o desenvolvimento dramático do filme se inicia. Com diálogos muito bem elaborados, baseados na peça de Edward Albee, o filme se desenvolve, atinge seu auge e termina dentro do mesmo cômodo, com os mesmos móveis e os mesmos quatro personagens.

O roteiro aponta o seu foco para as relações humanas. George e Martha vivem umas relações confusas, com gestos carinhosos e, às vezes, brigas que partem de motivos banais. Soando até forçadas ou como instrumento de desconforto contra seus convidados. George vive, durante todo o filme, uma troca entre as posições de vítima e culpado em relação a Martha. E, como num julgamento, o espectador faz o papel de testemunha e o casal jovem, por vezes, o papel de juiz. O filme brinca com essa inserção do espectador no elenco. Nós nos sentimos escondidos atrás de uma porta, observando toda aquela cena. Como se fôssemos filhos pequenos que acordam no meio da noite e observam seus pais conversando.

Eu já fui testemunha de Nichols brincando com esse assunto antes. Em Closer, perto demais (Closer, 2004) o diretor desvenda os mistérios de quatro personagens em relação, com muita peculiaridade, ao amor, um dos assuntos de maior importância quando se estuda a mente humana. Em A primeira noite de um homem (The graduate, 1967), segundo filme de Nichols e vencedor do Oscar de Melhor Direção (que não foi conquistado no seu primeiro filme), o diretor fala sobre perigos, vontades e instintos vividos por um jovem.

Talvez uma das obras mais memoráveis do ultimo século, Quem tem medo de Virginia Woolf? discute as brigas privadas que viram motivos para grandes debates externos. Um filme tão premiado e um diretor tão talentoso não merecem ser ignorados. O cansaço emocional que o espectador sofre durante o filme é retribuído pela belíssima (e intimista) fotografia, talvez não tão bem usada nos dias de hoje. Com uma dinâmica admirável para um filme sem muito espaço físico no cenário

É de se admirar, indubitavelmente, um filme que tenha sido indicado à maior premiação cinematográfica do mundo, o Oscar, e que seja elaborado dentro de um mesmo cômodo, com apenas quatro pessoas falando sobre seus respectivos problemas. Num jogo de mentiras e verdades, os personagens montam uma teia difícil de ser decifrada com só um olhar. A mentira e o segredo são constantemente postos em cena e discutidos entre os personagens, assim como na vida. Somando isso às atuações, que talvez sejam o grande motivo da alta qualidade do filme, a obra se torna deliciosa para o espectador.

2 Comentários:

William Aquino disse...

Parabéns! Eu jamais teria tido esta visão crítica e minuciosa. Realmente fiquei espantado e abismado com este olhar. E se me permite uma brincadeira, olhar de cineasta. Antevejo um futuro promissor para você.
William Aquino

vitória tavares disse...

voce tá o bicho...

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