Lições do quintal

sexta-feira, 3 de junho de 2011

por Leandro Oliveira de Aguiar



O que vem à cabeça quando pensamos na tradicionalíssima cena de um professor à frente de um quadro-negro divagando durante horas? Se para os mais velhos essa memória ainda causa bocejos, para toda uma geração de jovens não significa mais nada do que um sistema arcaico. Difícil não encontrar um jovem que não reclame e acabe tendo que engolir a seco a fórmula “cuspe e giz” nas salas de aula. Mas se tal prática já é tida como obsoleta pela maioria dos pedagogos, a triste realidade pelo país é que a metodologia continua sendo a mais utilizada.

Se para muitos conseguir revolucionar a educação é apenas um sonho de alguns aventureiros, para tantos outros basta um pouco de vontade e coragem para obter resultados. Ainda mais quando se enxerga o problema não como uma simples questão de didática e sim como uma tática de guerra para vencer a apatia e a fábrica de notas baixas em alguns colégios.


“O famoso ditado diz que o pior cego é aquele que não quer ver. Por que não utilizar nossas próprias riquezas para vencer a mediocridade que assola o ensino brasileiro?", pergunta-se diariamente o professor de geografia João Fernando, que há 20 anos leciona em colégios públicos no município do Rio de Janeiro.

Muitas vezes, o problema está em nosso próprio complexo de vira-lata, que nos impede de sermos arrojados para comprar essa briga. Por que não ensinar em nosso próprio “quintal”? Poder dar um choque cultural nos alunos é essencial para que eles tenham a sensibilidade de entender o que estão aprendendo e o quanto o conteúdo está profundamente enraizado em sua própria realidade e irão carregar para toda vida. Em Nova Iguaçu, temos o exemplo emblemático nas ruínas da fazenda São Bernardino, próximo à Reserva Biológica Federal que enfrenta uma situação dramática e que cairia como uma luva em toda a problemática aqui descrita.

Descaso
”A grande casa de arquitetura neoclássica foi construída no Império e há anos vem sofrendo com o descaso do poder público. E o que é mais intrigante é que praticamente está ao lado de uma das últimas reservas de Mata Atlântica do Estado”, diz indignado o estudante de história Wallace Bonfim Santa Cecília. O Universitário que com a colaboração de colegas da universidade Gama Filho se esforçou para organizar um trabalho que vise o potencial didático do local hoje sonha com o dia em que o trabalho teórico do grupo se materialize em excursões para todo ensino básico e fundamental de Nova Iguaçu. ”A sensação de estar no próprio lugar em que os livros registram de forma abstrata é uma rica experiência“, conta.

Apesar do drama que a região vivenciou durante anos de abandono, passando até por um incêndio criminoso na década de 1980, o casarão desperta mais esperança que desânimo. ”A fazenda existe desde época em que a estrada real do comércio era o principal escoadouro escoadouro para as riquezas de Minas. Tropeiros passavam por aqueles caminhos todo momento e hoje ainda existe parte da estrada“, explica o estudante, que enxerga um novo caminho para a região. “Para essa parte da cidade dar a volta por cima, basta que o poder público pense no que o turismo histórico fez com a badalada Paraty.”

As suas mil e uma utilidades educacionais reforçam a obrigação de respeito para com o local. A estrutura social da fazenda São Bernardino, com sua senzala, ainda hoje é uma mancha dolorida no Brasil e tem muito a ver com os problemas sociais da atualidade. Negar o direito aos jovens de estudar seu próprio patrimônio é o mesmo que se retirar da sociedade brasileira a possibilidade de repensar as próprias mudanças, ou seja, de possuir uma história. ”Não existe uma maneira melhor para ensinar aos alunos sobre a atual condição dos negros na sociedade contemporânea. Aqui temos um casarão que representa justamente todo o passado em que uns tinham muito à custa da mão negra do sistema escravista”, diz Helio Ricardo, 23 anos, guia e organizador de trilhas na região.

Despertar um instinto de preservação do patrimônio histórico que durante anos está adormecido é uma tarefa difícil e ingrata, como testemunhou Helio durante toda a sua vida. ”A Prefeitura de Nova Iguaçu e o IPHAN tentaram várias vezes restaurar a fazenda, mas a própria população de local roubou o material da obra”, lamenta. Sem precisar de nenhum discurso eco-chato, o guia diz que os alunos podem ficar encantados com as belas cachoeiras e a mata preservada. “Professores de história e biologia, podem vir aqui à vontade. O que não falta é material!”

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