um ano

sexta-feira, 24 de junho de 2011

por yasmin thayná






Eu poderia começar esse texto com qualquer nariz de porco filosófico. Mas não. Tive outra ideia.
Sem lead perfeito e sem medo de ser natural, quero deixar este dia registrado aqui, neste blogue laranja e branco que se intitula “culturaNI” e se reafirma quando diz que “todo mundo é cultura.” E como se não bastasse, o editor do blogue reforça a questão. “Tudo é cultura.”


Na quinta-feira, do dia 10 de junho de 2010, eu era recém no Grêmio Estudantil Edson Luiz da Escola Técnica Estadual João Luiz do Nascimento, na FAETEC de Nova Iguaçu. A minha atuação era como Diretora de Políticas Educacionais, cargo que me foi dado sem que eu soubesse do que se tratava, mas passei a assinar como Diretora após ter lido o documento e ter me certificado onde e como eu atuaria nas lutas junto com os estudantes secundaristas. O Presidente do Grêmio era meu companheiro Clebson Henrique, que me fez chorar em tantas conversas sobre o nosso sonho por radicalizar a democracia de verdade no nosso país.

Num desses dias de lutas, estive à frente de um grande desafio: produzir o maior evento que valoriza a cultura popular brasileira. Desenvolvi a ideia com a professora que respira e veste cultura que, com certeza, metade da escola queria ter o prestígio de ter aula de literatura brasileira com ela: Ivone Landim. Graças a essa ideia de Feira Brasil, eu e minha mãezinha, que antes era a diretora do pedagógico que eu adoraria ter aula e que hoje eu posso divulgar publicamente o meu carinho por ela, pensamos numa maneira de tornar a Feira Mundi em Feira Brasil.

Estava começando a conhecer coisas que eu não conhecia e tinha percebido o poder da linguagem e da escrita com um professor de Língua Portuguesa que não foi Caio F. Abreu, Ferreira Gullar, Machado de Assis, ou qualquer outro escritor famoso no quarto poder. Foi o professor Fernando Vieira que aumentou meu repertório em sala de aula e que hoje, devido a sua transferência para a Universidade Federal Rural, continua aumentando através de seu blogue Língua em Transe. Professor que fala de amor e reafirma o mundo correlacionando o universo da escrita e da fala como precursores de uma humanidade que só existe porque o amor existe. A educação foi contra o evento. Chorei durante muitos dias, já que parte da escola estava se mobilizando para um grande evento desses. Para mim, sem pontuação, a Feira Brasil não existiria.

O dia 10 chegou e com ele, veio o professor de matemática – grande mestre que me ajudou quando eu menos e mais precisei, quando eu queria e quando eu não queria ser ajudada – com um ônibus de alunos  da sexta série do Pedro II que dançavam e tocavam Maracatu. Veio a turma AD 211 com a típica dança de fitas de Santa Catarina, a turma AD 222 que foi do início ao fim nos dando a sensação e informando sobre o funcionamento e quais as características típicas de cada microrregião da Amazônia. O Rio Grande do Sul com o chimarrão e os bigodes mais charmosos do Brasil. E tantos outros estados... Foi um sucesso!

Tinha exposição das pinturas que fiz na vida de 1998 a 2010. E veio a mídia. Tudo por culpa da Ivone Landim, que era presidente do Conselho Municipal de Cultura e convidou os jovens repórteres para cobrir o evento. Os escalados foram Marcelle Abreu e Jefferson Loyola. Eu não os conhecia de falar, mas sabia que eles faziam parte daquele grupo de jovens que acompanhavam o evento que tanto subestimei e que tenho o maior orgulho de ir todas as sessões – mesmo que penetre as sessões fechadas para as crianças do Bairro Escola – o Iguacine.

O grupo de jovens de que eu sempre quis fazer parte. Eles eram estilosos, conheciam todo mundo, eram comunicadores, traduziam com talento a cena que havia se formado em cada noite de espetáculo. Mas eu não queria status e ser popular. Eu era leitora do blogue e me identificava com o grupo. Jefferson e Marcelle foram convidados para nossa sala de políticas, a sala do Grêmio. Lá, damos entrevista. O Clebson era mais político e discursivo na militância política estudantil. Já eu, era do amor. “Não se pode viver sem amor.” Sou dessas.

Eles se surpreenderam com a minha trajetória que citava Fernando Vieira, meu pai e minha avó, companheira de todas as horas. Principalmente no choro e nas angústias femininas. Minha avó é a pessoa mais importante que eu conheço na vida. Ninguém tem mais noção de vida e relações humanas na virada de décadas e séculos totalmente opostos. É uma antropóloga sem diploma.

Dentro de uma matéria que seria a cobertura da Feira Brasil, o foco foi para mim: a explicadora do amor.
Eles ficaram encantados comigo e eu já era encantada pelo grupo. Em consequência disso ouvi, pela primeira vez, falar de Julio Bernardo Ludemir. “Vou ligar para o Julio dizendo que te descobrimos.” Alguns minutos depois, Marcelle veio com um sorriso anunciando: “segunda às 14 horas no Sylvio Monteiro. Você está convidada para participar da reunião e, caso goste, se una ao grupo.” Nossa! Desesperei-me de felicidade ao dizer um “sim” meio gaguejado e tímido.

Cheguei às 13h30min, ansiosa. Na reunião, havia um jovem rapaz com a camisa do Flamengo que eu já havia visto no Iguacine. Ele até tinha cara de importante, mas eu não dei muita atenção nem tinha me tocado de que ele seria uma das mais importantes redes que fiz aos 18 anos de idade. No primeiro contato, o Julio disse: qual teu nome? E eu respondi: Yasmin. Tímida, lógico. Para provocar e corrigir, ele respondeu: existem diversas Yasmin no mundo. “Yasmin Thayná,” eu respondi. A partir daquele dia, todas as pessoas que perguntam qual meu nome e tudo que me pertence se chama Yasmin Thayná. “Eu li sua história e vou fingir que não acreditei em nada daquilo. Você é uma bela personagem, mas eu quero que isto seja traduzido nas matérias.” E foi esse o contrato que assinei com os jovens repórteres.

No dia 24 de junho, dia em que minha primeira foi publicada, me considerei jovem repórter oficial. Foi sobre a posse do Secretário de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu, Écio Salles. O Julio me deu a tarefa de fazer o geral da cerimônia. Os veteranos, Marcelle, Felipe, Tomas e outros, aterrorizaram: “brother, nem eu faria essa matéria.”

Lógico que não. Estava na mesa o ex-secretário de cultura Marcus Vinicius Faustini, passando o cargo para o Écio. Estavam na mesa nomes como Ivone Landim, Arlene de Katendê e outras pessoas importantes na cultura e na educação da cidade. Mas eu fui pra cima com força. Com coragem sabendo que iria errar, mas que por trás dessa certeza, precisaria me conformar com as críticas.

No fim da posse, o Wanderson Duke, que morava na minha rua e hoje está navegando pelos mares de Florianópolis com o seu 6º pelotão, me apresentou a primeira pessoa que me deu boas vindas ao projeto com um beijo no rosto e um abraço apertado que eu nunca esqueci: Hosana Beatriz, sua namorada.

Na segunda-feira seguinte, o Julio disse duas coisas: a atitude de um jornalista citando, incansavelmente, o exemplo que justifica o apelido da Jéssica, marrentinha, e também disse que odiava trocar fraldas. Eu não sofri nem chorei. Mas hoje eu sei que ele adorou ter trocado as minhas fraldas. Hoje eu tenho mais de 40 matérias publicadas porque ele trocou as minhas fraldas com uma perfeição incrível.

Durante essa passagem de fases, passei pela mulher com mais idade do Rio de Janeiro, descobri projetos. Descobri que, por trás das saias de prega e as meias ¾, havia uma grande personagem. Enxerguei a cidade por outra esfera, com outra ótica diferente daquela que era limitada como ponto de partida e de chegada o top shopping. Até então, era o único lugar bom que existia. Amei Nova Iguaçu. Amei os malabaristas 2 anos, amei ter feito 40 e poucas matérias. Gostei de ter estudado roteiro e ter ganhado prêmio com vídeo-arte: momento em que me encorajei a escrever e pensar vídeos-arte como exercício de organização do pensamento, além de perceber a importância da utilização de elementos externos para criar representações através da palavra plástica. 

Gostei de ter feito curso de documentário na Glória, de história do cinema em Nova Era. De ter pegado a câmera e ter feito Lembranças de minha avó após ter postado o texto sobre ela no culturaNI. Gostei de ter participado do lançamento do livro do meu pai flamenguista (pai cujo meu pai vascaíno morre de ciúmes). Adorei ter sido a única repórter feminina no projeto memórias do cárcere e ter sentido de perto o que é o grito de liberdade. Gostei de ter conhecido o Orelha lá dentro. Sempre me lembro dele quando escuto a música do Detonautas “você me faz tão bem.” Lembro que no primeiro dia em que o conheci, ele estava cantando essa música. E o Osmar também. Adorei ter conhecido o Osmar, que era pastor e que me deu muita atenção, receptividade e carinho nas minhas idas às quintas-feiras na carceragem.

Curti ter conhecido o Écio Salles nesse tempo que me trouxe de presente o Enraizados e sua história com o Afro-Reggae. Adorei ter sido reconhecida como potência e ter feito parte do cineclube digital. Ter conhecido desde Ivana Bentes ao Rafael Dragaud, passando por Celso Athayde, Cacá Diegues e tantos outros nomes da CUFA. Ter ido pela primeira vez na favela, na Cidade de Deus.

Adorei ter conhecido o Barnabé, que tem a banda que sou fã: visão periférica. Adorei ter ido ao Centro Cultural Donana. Foi lá o primeiro lugar cedido para exibição de um dos meus filmes. Ter conhecido o Dida Nascimento, que é um grande resistente do reggae na Baixada Fluminense e que formou tantos músicos famosos no seu quintal. Adorei ter passado pela Rio on Watch. Ter participado do processo de seleção do Parceiro do RJ. Gosto de saber que me aproximei naturalmente do negão mais bonito de Nova Iguaçu que cedia o quintal, aos sábados, pra gente brincar de malabares: o Nike! Adorei os grupos de poesia. Moduam, Lirian Tabosa, Malena Xavier, Deco do Cavaquinho, Sergio Fonseca, Egeu Laus. Adorei ter participado do curso de videografismo na Escola Livre de Cinema com a Paula Ordonhes. Adoro ser mediadora de cultura digital da Agência de Redes para a Juventude, que me possibilitou ingressar devido a rede que fiz no culturaNI. Adorei ter aula de campo com o Julio na Fallet, em Santa Teresa.

Não moro mais em Nova Iguaçu e não faço letras (português-literaturas) na universidade, mas carrego ambos no coração. Adorei ter lido “No coração do Comando” e ter participado da história como nenhuma outra. Foi bom ter ganhado “Mais um pai” de presente de aniversário. Gostei dessa possibilidade que o projeto me deu de revolucionar a vida. Adorei e adoro todos vocês. Hoje eu faço um ano de projeto. 

5 Comentários:

Pedro Felipe Araujo disse...

O que dizer depois de ler um texto enorme? Este é um exemplo vivo de "quero mais". Me emocionou a sua história, Yasmin Thayná. Meus parabéns!

Anônimo disse...

Me emocionou seu texto, senti como música. Você é adorável, Yasmin!

julliane mello disse...

Tomara que muita gente deixe de ter preguiça de ler essa história, assim como eu senti ao começar e até a gora não enxerguei o fim. Mais vai ver que o final é inexistente.

Tenho certeza que não é só você que é grata por conhecer essas pessoas. Posso afirmar que elas são muito mais agradecidas de terem te conhecido e de vocÊ ter humildade para aprender do jeito que mostra que aprendeu.

Obrigada por ter dividido com todos!

Marcelle Abreu disse...

Aquela menina tímida que conheci se transformou e hoje ninguém te segura mais. Que texto, que perfeição.
Não me canso de falar o quanto te admiro e o quanto você é importante pra mim.
Que bom que fui cobrir o evento no João Luis e ter te conhecido.
Hoje vejo a vida de um jeito diferente e isso graças a Você.
Obrigada por esse texto maravilhoso.
e quanto ao trecho "“Não se pode viver sem amor.” Sou dessas." que continue a fazer tudo que faz com muito amor, pois é assim que deve ser!

Wanderson Duke disse...

Sabe a reação do bilhete que recebi de você,Yayá? Pois é, foi a mesma agora,sabe...

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