Jogando limpo

terça-feira, 5 de julho de 2011

por Abrahão Andrade




Você está começando a ler uma matéria feita por alguém que não tem time e, talvez por isso, fale com relativa imparcialidade sobre o assunto.

O futebol quando veio para o Brasil, logos nos primeiros anos, conseguiu driblar o preconceito. Ainda sendo um esporte das elites, emplacou-se categoricamente como propriedade do povão: todo mundo gosta, todo mundo entende. 

A rivalidade esportiva é consequência da febre que se tornou o jogo de bola, a paixão ensandecida em defender um time, derramando lágrimas, fazendo promessas, sacrificando-se das mais diferentes maneiras. Sim, isso tudo é válido e até saudável, mas como tudo tem um "porém" e todo o “porém” tem uma “vírgula”, a paixão é capaz de cegar. E mais que isso: criar situações que alimentamos sem perceber.

Dentro de toda essa festa, práticas comuns passam despercebidas. E o interessante é que a maioria dos próprios torcedores parecem não se incomodar com certos exageros, fato que só causa estranheza para quem está de fora.

Campeões de estereótipos
O Flamengo é o judas do Rio. Se consolidou como o time que abarca mais torcedores no Brasil. Tem gente usando camisa rubro negra do Acre até a fronteira com o Uruguai e, mesmo sendo tão querido, seus torcedores são os mais estereotipados."Quando o Flamengo ganha, alguma coisa na rua vai ser quebrada", diz Roberto Murilo, vascaíno, obviamente.

A gozação é interminável. O flamenguista, na ótica do típico vascaíno, é o cara ignorante por excelência, semi-analfabeto, criminoso e incapaz de dizer o nome de seu próprio time corretamente. Dirá "framengo". Olhar as páginas policiais e ver um cara usando a camisa do Flamengo sendo preso é um deleite para esse tipo de vascaíno, afinal, "só podia ser do Flamengo, olha aí a mulambada". Uma enorme contradição para um time que se orgulha tanto em ser o primeiro a aceitar negros e operários numa época onde o racismo era semi-institucionalizado.

"Quando vejo um corintiano com jeito de “mano”, mudo de calçada. Amigos meus já foram assaltados por um grupo uma vez. Aqui a gente conhece bem esse povo". Assim pontuou Marcello Caparelli, Palmeirense de 17 anos, que reafirma que o torcedor do timão em São Paulo corresponde exatamente ao rubro-negro do Rio de Janeiro.

Todo estado tem seu time odiado. Essa história se repete na maioria das capitais do Brasil que sempre elegem um time para ser a bola da vez. Time de bandido e prostituta, a rigor, são os mais populares em seus estados. Curioso, não?

Na tentativa de falar desse tipo de rótulo, de maneira ponderada, um tranquilo flamenguista, Fernando Cezário, estudante de Física de 22 anos, retrucou dizendo apenas que os times do Rio detestam engolir que o flamengo é a maior torcida no mundo: “Não somos apenas uma torcida de futebol; somos uma nação, uma coisa que corre no sangue”.        

Sobre as rotulações, Cezário é categórico: “Não existe time de bandido. Semana passada pegaram um traficante no Morro da Mangueira com uma camisa do Vasco. Saiu no jornal e tudo. Fiz questão de pegar pra sacanear um amigo meu, ‘bacalhau’”, afirma, citando um dos apelidos dados aos vascaínos.

Humor rubro-negro
As mesmas charges de conteúdo homofóbico, racista e, principalmente, retratando o pobre de maneira cruel e pejorativa, ainda povoam as páginas de blogs de humor futebolístico. Produzidos na maioria das vezes por pessoas com um discurso vazio e viciado, estas produções têm quase sempre o mesmo conteúdo.

Graças ao “politicamente correto”, não é mais aceitável falar que negro é ladrão, mas, pelo o que percebe-se nesses blogs, desenhar um corintiano negro apontando uma pistola 38 para um rapaz engravatado, é permitido.

O escárnio dentro do futebol já é tradição e faz parte da festa. Entretanto, o que pode estar inserido dentro dessa festa é o ódio mútuo, que não possui razão alguma de existir.

Categorizações como "time de pobre", "time de viado" e "torcida favelada" são terminologias que extrapolam o humor, pecando pelo excesso, sutilmente podendo reforçar a mentalidade segregacionista que o brasileiro tanto quer se desfazer. 

Não é possível dizer ao certo se isso acontece por questões históricas anteriores ou se é simplesmente dor de cotovelo. Por fim, como alguns poucos românticos, só nos resta torcer pra que o futebol continue como um bom samba antigo: à flor da pele do brasileiro, seja ela branca ou preta.

1 Comentários:

Excelente matéria!
Uma honra editá-la. ;)

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