Dez anos de malandragem

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

por Josy Antunes, Mayara Freire e Robert Tavares.


Há exatos 30 dias, desde a última sexta feira 13, a estação Central do Brasil recebia um “elemento estranho”, que aos poucos foi ganhando a confiança dos que por lá passava: um inusitado quiosque, com predominância das cores verde e roxa. Passageiros de trem, ônibus ou metrô, provenientes de todos os pontos do Rio de Janeiro passaram por ele. Muitos deles foram abordados por representantes do “Festival Estética Central”, que estava em seu primeiro mês de produção do projeto. O festival fez contato direto com o público, quando quatro monitores de vídeo, quatro editores e duas recepcionistas ajudaram a população, que por ali transitavam, a realizar dezenas de produções audiovisuais com um número significante de pessoas que nunca haviam tido contato com a produção de vídeos.

O coordenador e curador do projeto, Lino Ventura, explicou o porquê da escolha da realização do projeto na Central. “O objetivo foi valorizar algum patrimônio histórico, de olhares diferentes e estéticos. Este local é um dos mais movimentados, onde as pessoas passam e não tem muito tempo para parar. Por isso, contribuiu para democratizar e foi importante para as pessoas conhecerem as ferramentas tecnológicas novas, pois nem todos tem câmera e ilha de edição”, contou, citando ainda a diversidade encontrada: “Não tem definição do que seria característico da Central, pois transitam pessoas de várias características com olhares e classes diferenciadas. De qualquer forma, as pessoas ficaram encantadas, porque no Brasil é cultura de TV, e eles puderam ter oportunidade de realizar de outro ângulo ao produzir efetivamente”, avalia ele.


Receosos de perder o último dia da estande, após algumas tentativas individuais de participação, nos reunimos em trio – Josy Antunes, Mayara freire e Robert Tavares – e, por volta das 15 horas, estávamos lá, diante da base da pequena “produtora temporária”. Logo fomos recebidos pela sorridente recepcionista Michelle Queiroz, que fez nosso cadastro e nos instruiu para os próximos passos. As regras eram simples: fazer um vídeo com duração mínima de 30 segundos e máxima de 1 minuto e 30 segundos, sobre a Central. “É um lugar de circulação, de muita energia. Além de ser caminho pra vários lugares do Rio”, exemplifica a moça, que é aluna do primeiro módulo de edição da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Porém, para a nossa experiência no projeto, não estávamos limitados à estação. Com a companhia do monitor Diego Zimermann, poderíamos sair, munidos de um crachá do projeto, que nos daria liberdade tanto com os funcionários da SuperVia, quanto para os comerciantes da parte externa.

Os participantes, para concorrer às premiações, deveriam ter entre 16 e 24 anos, o que não tornou-se empecilho para pessoas mais velhas ou mais novas. “Muitos dos vídeos, que estão dentro da faixa etária, foram por indicação e divulgação”, comenta a recepcionista. Convocar os transeuntes passou a ser uma das funções dos membros da equipe que, segundo o monitor Diego, ganharam “dez anos de malandragem nas costas”. “O pessoal da monitoria não tinha nenhuma lábia. Mas, pra convencer uma pessoa a ficar aqui mais de uma hora fazendo vídeo, acabou desenvolvendo”, confessa o estudante de cinema da PUC. Dessa forma, “trazendo na unha” as pessoas que estavam lanchando, esperando o trem ou simplesmente passando, a meta inicial de 100 filmes foi tranquilamente ultrapassada.

Além disso, a função primária dos monitores de vídeo era orientar os inscritos, ao dar dicas técnicas, quem iam de planos de câmera a abordagem de entrevistados, até servir de guia turístico, apresentando a localidade à quem ainda não a conhecesse. Dentro desse suporte, era necessário auxiliar na concretização da idéia para o vídeo: tarefa complicada, do ponto de vista de que o objetivo era que o espectador se tornasse o realizador. Diego, como os outros três que trabalhavam em seu mesmo setor, conversavam com os participantes até que, no bate-papo, algum argumento pudesse ser extraído e desenvolvido. “Entre os
participantes, 90% não fazia idéia do que ia fazer. Depois de um mês, minha cabeça está parecendo uma esponja seca”, brinca Diego, após ter passado 8 horas diárias na função.

Pedindo, encarecidamente, com seu tom divertido, que tivéssemos uma idéia em mente, Diego principiou o contato conosco. Empunhando uma boçal câmera fotográfica de 4 megapixels – uma das premissas do festival era a produção utilizando as novas e acessíveis tecnologias: celulares e pequenas câmeras digitais – iniciamos a primeira filmagem: o “Esfíncter”, com atuação de Mayara e produção de Robert. Em seguida, gravamos pelas ruas da Central o “Meu amigo xixi”, tendo Robert como personagem e Josy por trás da câmera, o que nos proporcionou muita diversão.

Não fomos os únicos moradores da Baixada a participar do projeto.Alunas do Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu, as normalistas Thayane Bezerra e Lohaine Lacerda, ambas de 17 anos, compareceram logo no ínicio do processo criativo. Segundo Thayane,elas não tinham programado nada, só estavam de passagem pela Central e foram abordadas por um dos integrantes do festival. "Nos ajudou muito, explicando como proceder com a câmera na mão", diz a jovem.

O Estética Central propiciou o que nunca antes havia acontecido: o acesso livre com o “rec” acionado, devido ao crachá de participante. Novidades em experiências foram especialmente sentidas pelos membros da equipe do festival: “Acabou rolando uma convivência com assaltantes de Copacabana, catadores de latinha e viciados em crack que ficam por aqui”, conta Diego, mergulhando nas lembranças de casos ocorridos durante o mês. “Em uma outra situação a gente não teria essa troca com eles. Foi uma experiência muito forte pra mim. Eu levo da Central do Brasil muitas coisas, muitas pessoas”, declara Michelle Queiroz, já despedindo-se da temporada no local.

Os vídeos entrarão em período de exibição, passando também por avaliação dos curadores do “Estética Central” e do júri popular, através do site http://www.esteticacentral.com.br/ Os 50 eleitos integrarão o DVD Estética Central e serão exibidos, entre os dias 18 e 21 de janeiro, no “Oi Futuro”, no Parque Laje, na própria estação Central do Brasil e nos sites “Curta o Curta” e dos jornais “O Dia” e “Meia Hora”. Seus realizadores, além de terem suas obras exibidas para grande público, receberão certificados, catálogos, DVD’s e camisas do projeto, concorrendo ainda a cursos de câmera man e edição no programa “Final Cut”, na faculdade CCAA e Fundição Progresso.

Segundo Michelle, concluída a primeira fase de produção, começará o trabalho “de verdade”, pois finalizarão edições e catalogarão todos os filmes. As inscrições no estande da Central já foram encerradas, mas no site elas se estendem até o dia 21 desse mês. A inscrição é individual, não sendo aceitas inscrições de grupos nem de instituições. As dimensões do projeto são tão grandes que, em seu blog http://blog.esteticacentral.com.br/, o grupo indaga: “Você já pensou em se tornar um Walter Salles? Então, participe do Festival, pois novos talentos surgirão”.

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