Depois da chuva

quarta-feira, 7 de abril de 2010

por Josy Antunes

Segunda-feira, 05 de abril de 2010. Após uma reunião dos jovens pesquisadores e repórteres com o secretário municipal de Cultura Marcus Vinicius Faustini, na Prefeitura de Nova Iguaçu, rumei para a estação ferroviária. Eram 17 horas e às 18h30 eu precisava estar na esquina da rua da Alfândega com a 1º de Março, no Centro do Rio, para minha aula na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. O trem chegou na estação de Nova Iguaçu sem grandes delongas. E, em pouco tempo, eu já cochilava num de seus assentos.

Entre uma e outra vaga abertura de olhos, vi que havia começado a chover. E o que antes era um parco chuvisco, começava a engrossar suas gotas com o passar das estações. Também aos poucos, o mesmo chuvisco começou a adentrar o vagão por entre as frestas das janelas fechadas, obrigando um grupo de pessoas a deixar o grande banco lateral, em cuja superfície agora se formava uma poça. Com a aproximação da Central, só passageiros encharcadas embarcavam no trem. E o meu pensamento de “Ok, tenho um guarda-chuva na mochila”, foi substituído por uma crescente preocupação.

Quando os ponteiros luminosos do relógio da Central marcavam 18h15, os alto-falantes anunciavam o término da viagem e o início de uma trajetória turbulenta. Havia trechos onde era impossível passar sem que a água cobrisse os tornozelos. E antes fosse simplesmente “água”. Mais parecia uma sopa de lixo. Eu tentava conter o nojo e o medo de perder toda a “papelada” contida na minha mochila, imaginado algum lado positivo daquela situação. Me transportei até para um utópico parque aquático, onde aquela situação de “água por todos os lados” seria agradabilíssima.

A pequena rua diante da Darcy mais parecia um rio. Achei cômica a fala “Tudo normal” que o segurança deu em resposta a minha indagação “Tem alguém aí?”. As dificuldades no caminho haviam me atrasado em pelo menos 20 minutos. E o fato de, na sala de aula, ver professora e alunos descalços não chegou a me espantar. Eu estava molhada da cabeça aos pés e me perguntei se depositava meu cansaço numa cadeira ou se a pouparia do contato com minhas roupas úmidas. A capa da chuva da mochila parecia não ter sido suficiente proteção para meus livros e cadernos.

Denúncia dos pés
No decorrer da aula, teria chegado a esquecer do acontecido, não fosse a denúncia dos pés, ora descalços, ora produzindo sons no caminhar pelos corredores, enquanto “brincávamos” de produzir um plano sequência.

O término do tempo passado na escola trouxe uma nova empreitada: a volta pra casa. E eu que achava que já tinha passado por tudo naquele dia... Afinal, aquilo tudo ainda me parecia uma “chuvinha”. Depois de pegar um ônibus recheado de gente molhada, cheguei na rodoviária da Central, quando a vi como nunca, tamanho era o caos instaurado no local.

Para pegar o “meu ônibus”, – isto é, se houvesse algum ônibus – havia quatro gigantescas filas. E havia ainda aquelas pessoas que preferiam não entrar em nenhuma delas, cuja quantidade, tranquilamente, preencheria mais uma ou duas filas. Na fila a meu lado, o relógio de pulso de um senhor me informava as horas. Cheguei pouco antes das 22h. Eu ainda tentava enquadrar aquilo numa situação de normalidade. Os ponteiros do moço giravam e venciam a primeira hora. Comi a metade de um pacote de Trakinas que havia sobrevivido na mochila. Na carteira, só havia uma moeda de R$1 e um Rio Card. Meus pés, respondendo à ausência de meias e ao contato úmido com o tênis, formavam bolhas pra me castigar. Os ponteiros se aproximavam da meia noite e sequer tínhamos alguma informação do despachante da empresa de transportes. Acredito que nunca desejamos um ônibus com tamanha intensidade e necessidade. Em alguns momento eu cochilava, mesmo de pé. Em outros, via um carro da polícia circulando por entre as plataformas. Ou ainda pequenas multidões vibrando com a chegada de seus transportes.

Coragem
Um dos pensamentos que prevaleciam na minha cabeça era dizer pra algum dos comerciantes: “Moço, por favor, deixa eu ficar abaixada dormindo debaixo da sua venda? Me acorda só quando tudo isso passar...”. Mas à falta de coragem, ou mesmo por coragem, resisti até que o quarto ônibus chegasse. E então eu fechei os olhos, morrendo de frio, e os abri de novo já em Belford Roxo, à 1h30.

Esse é o tipo de situação que se espera que nunca mais se repita na vida. Foi e ainda está sendo terrível pra mim. “Perdi” o dia na terça. “Perdi” provas na faculdade hoje. E pessoas perderam suas casas, bens materiais e até a vida. Repito, foi terrível pra mim e pra mais um batalhão de pessoas que moram no Rio de Janeiro. Mas não ao ponto de nos deixar incapazes de prestar socorro. Dentre outros locais e comunidades, o Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, foi o mais afetado, onde já são contabilizadas 14 vítimas fatais.

Existe a extrema urgência por doações de alimentos, roupas, agasalhos e uma gama de outros materiais necessários para o provisório suprimento daqueles que estão desabrigados. A lista de pontos de coleta foi disponibilizada pelo site do Observatório de Favelas e está abaixo publicada:

Morro dos Macacos
Local de entrega de doações: Centro Comunitário Raiz e Vida
Endereço: Av.28 de setembro 406/sala 02 - Vila Isabel
Telefone para contato: Márcia Helena, 9633-4982 (fazer contato antes da
entrega)

Morro do Borel
Local de entrega de doações: CIEP da Rua São Miguel (Borel) ou Posto de Saúde
Telefones para contato: Renata, 9154-4938
Maiores Necessidades: Materiais descartáveis (copo, prato, fraldas...)

Andaraí
Local de entrega de doações: Associação de Moradores João Paulo II
Endereço: Rua Sá Viana, 269 – Grajaú.
Telefones para contato: Edson, 81859498
Maiores Necessidades: colchonetes, materiais de higiene pessoal, alimentos

Cerro-Corá e Guararapes
Local de entrega de doações: Padaria do Geneci
Endereço: Rua João Delerri, 68 - Cosme Velho
Telefones para contato: 9189-1904 e 9154-0975 (falar com Fátima)
Maiores Necessidades: alimentos (principalmente para bebês: papinhas e leite), roupas, água e calçados para crianças e bebês

Morro do Turano
Local de entrega de doações: Colégio Estadual Herbert de Souza
Endereço: Rua Barão de Itapagipe (próximo ao número 311 ) – Rio Comprido
Contato: Gisele - 78968200
Maiores necessidades: Fralda, absorvente, mamadeira e leite em pó.

Conjunto de favelas do Alemão
Local de entrega de doações: EDUCAP - Rua Canitá, 1033 - Inhaúma
Telefones para contato: 87841252  (falar com Lúcia)
Maiores Necessidades: alimentos, roupas, calçados e água

Morro dos Prazeres
Local de Entrega de Doações: subir para o  Morro dos Prazeres pela  pela Almirante Alexandrino n.o. 3226 / Rua Gomes Lopes n.o. 70 (posto de coleta na 2.a igreja evangélica) - Importante  telefonar para pessoas de contato receberem as doações nas proximidades do endereço de entrega.
Telefones para contato: 75446696 (Mariana) e 9227-6574 (Cris)
Maiores Necessidades: roupa de cama e banho, água, roupas, vela e fósforos. Materiais de higiene pessoal e alimentação.

Comunidade Coroados
Local de entrega: Sede do Grupo Articulador Local Educando com Arte - Estrada dos Bandeirantes, 9916 - Vargem Pequena
Maiores necessiades: Colchonetes e Cobertores.
Telefones para contato: 2441 1912 / 9789 5837 (Jucilene)

Comunidade Vila Kennedy
Local de entrega: Rua R, 46 - casa 1. Próximo à Vila Olímpica.
Maiores Necessidades: roupa de cama e banho, materiais de higiene pessoal e alimentação.
Informações: 7166-3247 (Janaina)

Rede de Solidariedade aos Desabrigados
Locais de entrega: no ITC (morro da Formiga, Tijuca), na Rua Medeiros Pássaro, 4, esquina com a Rua Conde de Bonfim ou na subsede do Sinttel da Rua dos Andradas, 96, 15º andar, Centro do Rio.
As doações serão destinadas aos Morros da Formiga, Turano e Borel e em São Gonçalo
Maiores necessidades: agasalhos, roupas, lençóis e calçados para crianças e adultos e alimentos não-perecíveis.

Viva Rio
O Viva Rio está recebendo doações.
Local de entrega: Rua do Russel, 76 - Glória
Informações: 2555-3750 (Cibele)

Doações para os desabrigados e desalojados em Maricá
Locais de entrega: Escola Joana Benedicta Rangel, no Centro, e na Subprefeitura de Itaipuaçu - Estrada de Itaipuaçu, Qd A, Lt 26.
Maiores necessidades: frutas, pão, manteiga, café, roupas, agasalhos, objetos de higiene pessoal e roupas íntimas.
Informações: 2637-8585 (gabinete do prefeito) e 2637-1639 (Secretaria de Direitos Humanos).

Doações para os desabrigados e desalojados em São Gonçalo
Maiores necessidades: roupas, calçados, alimentos não perecíveis, colchonetes, fraldas, cobertores e água mineral.
Informações: (21) 3262-3601 ou 3262-3603 (Secretaria de Desenvolvimento Social)

Doações para os desabrigados e desalojados em Niterói
Locais de entrega: Canto do Rio - Rua Visconde do Rio Branco, 701 – Centro (telefone 2620 8018), no Corpo de Bombeiros e no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (2620-6210).

Postos da Guarda Municpal do Rio de Janeiro que estão recebendo doações
Maiores necessidades: alimentos não-perecíveis, água, colchonetes e roupas.
Centro / Cidade Nova: Centro Administrativo São Sebastião, sede da prefeitura, na Rua Afonso Cavalcanti, número 455;
São Cristóvão: sede da Guarda na Avenida Pedro II, número 111;
Botafogo: Base Operacional da Guarda Municipal, na Rua Bambina, número 37;
Barra da Tijuca: 4ª Inspetoria, na Avenida Ayrton Senna, número 2001;
Madureira: 6ª Inspetoria, na Rua Armando Cruz, sem número (s/nº);
Praça Seca: 7ª Inspetoria, na Praça Barão da Taquara, número 9;
Lagoa: 2ª Inspetoria, na Rua Professor Abelardo Lobo, s/nº - embaixo do Viaduto Saint Hilaire, na saída do Túnel Rebouças;
Bangu: 5ª Inspetoria, na Rua Biarritz, s/nº;
Tijuca: 8ª Inspetoria, na Rua Conde de Bonfim, número 267;
Campo Grande: 13ª Inspetoria, na Rua Minas de Prata, número 200. 

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5 Comentários:

Laio Cherolle disse...

Uma subjetiva a parte de um Rio de Janeiro em clima de Apocalipse!

Parabéns Josy!

Erika Nascimento disse...

O Rio de Janeiro não tem estrutura suficiente para abrigar tanta gente, já não basta ser todo aterrado é cercado por morros... Espero que esta "situação" melhore um dia, senão, imagina o caos que será daqui há uns 10 anos.
Josy, parabéns pela aventura!! Também pisei em água suja, só que de Nova Iguaçu (próximo as Sendas, ali é terrível!!) E já passei vários sufocos na Central na volta para casa.

Anônimo disse...

Excelente matéria e parabéns pela coragem!

Vagner Vieira

Anônimo disse...

Todos passamos por algo parecido nesses dias turbulentos... é trsite, mas pelo menos rende umas excelentes matérias como essa!


Tu não se cansa de receber parabéns não Josy ? rs



PS: Vamos sediar a Copa do Mundo! \o/

Joaquim

Rafa Valença. disse...

É, matéria perfeita... realmente a cada dia que passa nós acabamos com o mundo e o mundo está acabando e acabando conosco... vingança talves?! Rs..

Parabéns Josy
Ps.: É minha amiga de infancia tá!!

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