O cineasta de Cannes

sexta-feira, 16 de abril de 2010

por Carine Caitano

O Espaço Cultural Sylvio Monteiro estava lotado na quinta feira, dia 15 de Abril. O motivo? Abertura oficial do III Iguacine, Festival de Cinema de Nova Iguaçu. Na plateia, secretários de Cultura, oficineiros dos pontinhos, diretores, fotógrafos... O público é diversificado, afinal, aqui todo mundo é cultura. Dentre os presentes, Cacá Diegues, um dos maiores cineastas brasileiros. E ele trouxe sua turma: jovens, moradores de favelas, que trabalham com audiovisual.

Em 1961, Cacá gravou um dos episódios do "Cinco Vezes Favela", uma produção do CPC da UNE que conta, através de cinco histórias, a percepção que a classe média tinha dos moradores do morro. Agora, quase 50 anos depois do filme que consagrou Cacá Diegues, o longa “Cinco vezes Favela – Agora por eles mesmos” está no estágio final de produção. Para produzir o longa, Cacá recrutou sete jovens de favelas cariocas, que não se conheciam e começaram a trabalhar com cinema de diversas formas. Todos eles se inscreveram nas oficinas oferecidas por Cacá em várias favelas do Rio e hoje realizam o sonho de ter seu filme lançado em Cannes, o festival mais charmoso do mundo.

Entre eles está Rodrigo Felha. O câmera, que já trabalha com cinema há 10 anos, fala um pouco da produção, dos seus trabalhos anteriores e do preconceito.

CulturaNI: Gostar de cinema é comum. Mas como você se envolveu com os bastidores e começou a pensar cinema?

Rodrigo Felha: Meu primeiro trabalho no cinema não marcou só a mim, marcou o Brasil inteiro. Recebi o honroso convite do MV Bill para fazer "Falcão, meninos do Tráfico"... carregando bolsas. O que ele não sabia e nem eu é que de carregar a câmera e trabalhar com ela, eu passaria pra assistente de câmera, perceberia a importância disso e assumir, com a permissão deles, a câmera no restante das filmagens.

CNI: Você fez cursos depois disso?

RF: Claro, claro... Depois me especializei mesmo e fui trabalhar com audiovisual na CUFA - Central Única das Favelas.

CNI: Como era o trabalho lá?

RF: Fiquei muito tempo na CUFA, ajudando a dar formação audiovisual e, mais que isso, dando uma transformação pessoal, introspectiva. Mercado não era o foco principal.

CNI: Felha não é um sobrenome muito comum... É um apelido?

RF: Quando era criança, falava muito palavrão. Felha veio de filha da p... Na favela tudo é assim... Quase um trocadilho!

CNI: Como foi crescer na Cidade de Deus, e como isso acrescentou na sua personalidade?

RF: Gosto de ter crescido lá. Se eu quiser passar um dia na Zona Sul, numa boate, eu posso. Mas quem mora no asfalto, pra entrar na favela é difícil. Os olhares estão em você. A galera é notada, não tem a facilidade que eu tenho.

CNI: Alguns veem o cinema como restrito. Você pretende carregar o rótulo de cineasta vindo da favela?

RF: Ninguém fala “o advogado da favela” ou “o dentista da Urca”. Eu não sou um cineasta de favela. Eu sou um cineasta, eu sou um artista como qualquer outro.

CNI: E a palavra favelado, com todas as suas conotações, te incomoda?

RF: Isso pega às vezes. Na minha primeira aula de cinema, por exemplo, o professor pediu pra falarmos nome e de onde tínhamos vindo rapidamente. O primeiro veio da França. O outro da Espanha. E foi indo... Brasília, São Paulo. Chegou a minha vez e pensei: “não vou falar Rio de Janeiro, não”. Me apresentei como Rodrigo Felha, da Cidade de Deus. Todo mundo olhou pra trás meio assim. Não é necessariamente discriminação. É espanto, falta de costume.

CNI: Isso repercutiu durante o curso ou durante outras ações?

RF: A minha câmera tremida é um erro. A câmera tremida de quem é do asfalto é linguagem. Então, isso existe muito.

CNI: Como foi trabalhar com o Cacá?

RF: Sem dúvida foi um aprendizado enorme. Tão bom quanto trabalhar com o Cacá cineasta foi ser ouvido, poder falar um “não” pro Caca Diegues, e ele respeitar.

Felha agora se prepara para ir a Cannes, como foi informado durante a noite de ontem. O que ele espera da viagem? “Tem hora pra ficar no sapato e tem horas que dá pra meter marra. Lá a gente vai meter marra. Pra quem gostava de me chamar de cineasta da favela, pode chamar cineasta de Cannes.

7 Comentários:

Ju disse...

parece história de filme! confesso que dificilmente vejo jovens de periferia tendo essa chance de brilhar. tomara que ele leve a iniciativa para outros jovens e mais projetos assim nasçam. beijos, ká!

Anônimo disse...

Carine, parabéns pela matéria! Pena que Caca Diegues não me chamou também rs

Marcio Abelardo, ELC

Rebeca disse...

Já tive vontade de fazer cinema, mas achava coisa de gente rica. Como eu vou me sustentar fazendo filme? Ver esses exemplos incentiva várias pessoas, como eu, com certeza.

Carlos Alberto disse...

Legal a matéria. De fato, se houvesse mais oportunidades de inclusão, o resultado de nossa sociedade seria diferente.

Renata disse...

Festival de Cannes não é pouca coisa, né? Além de dar visibilidade ao nosso cinema, da prestigio ao grupo.

Felha disse...

A responsa é grande e prazerosa... tenho orgulho de estar representando uma massa crescente na áera cinematográfica que vem das periferias. Tenho certeza que há centenas de jovens que poderiam estar no meu lugar nesse projeto, mas tenho certeza também que farão sucesso e terão o reconhecimento no momento merecido. Pra isso, basta continuar perseverando.
"Vamu que vamu, o Bonde não pára"
Cordialmente, Rodrigo Felha

Valdecy Alves disse...

Visitem o blog
http://www.valdecyalves.blogspot.com
Leiam texto sobre CONSTRUINDO MUNDOS e vejam os 03 documentário de Valdecy Alves mais vistos no Youtube, clicando diretamente nos links do blog.

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