Cultivador de pessoas

sexta-feira, 9 de julho de 2010

por Tony Prado

Nascido em São Cristóvão no seio de uma família humilde, o ator e produtor cultural Lino Rocca iniciou sua trajetória como qualquer jovem brasileiro da época. Estudava em escola pública, sua pretensão (ou a que tinham para ele) era seguir os passos do pai operário, testemunhou a consolidação da ditadura militar, se reunia com amigos quando podia e devorava livros, seu hobbie favorito durante a juventude. Muitos desses quadros poderiam permanecer intactos, se não fosse seu espírito revolucionário e seu coração abrasador, sem falar no “sangue político” presente em uma família onde há de representantes de moradores a militantes do movimento sindical.

A história de Lino Rocca, que hoje acumula o trabalho artístico e a militância com o emprego de subsecretário de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu, passou a sair das linhas da probabilidade ainda na juventude, quando, em meio a diversões e escolhas, encontrou em alguns amigos uma oportunidade única, mesmo em sua simplicidade, que o direcionou para sua atual figura, ou por que não dizer papel? Num momento de pressão política em cima de todo o Estado Brasileiro, Lino Rocca recebeu um convite de amigos para participar de uma peça teatral. "Era um projeto de apresentações de rua, onde primeiro trabalhei na produção e depois como ator", lembra Lino Rocca.



A paixão pelo teatro foi súbiota, mas teve um custo altíssimo. "Meu pai trabalhava em uma fábrica e, na época, ser um artista de teatro era sinônimo de homossexualismo e estava associada à vadiagem", conta. Nem mesmo o fato de ser um excelente aluno compensava o fato de o teatro não trazer retorno financeiro suficiente, pelo menos não para mudar a opinião das outras pessoas. Foi por isso que não pensou duas vezes quando a diretora da escola em que estudava o indicou para o projeto Aprendizes do Banco do Brasil. "Ela me achava um excelente aluno, pois eu tinha boas notas e bom hábito de ler." (Lino lia sem esforço a coleção inteira de Machado de Assis).

Mais que o pai
Iniciou seu trabalho, dessa vez, recebendo uma remuneração bem mais significativa, cerca de três vezes mais que seu pai, mudando seu padrão social e alguns comportamentos. Em seu novo trabalho, Lino recebeu uma espécie de treinamento especial além do serviço que operaria. "Algo como uma doutrina política era aplicada aos jovens resistentes, para que pudessem estabelecer um padrão de comportamento aceitável tanto no ambiente de trabalho como na sociedade em geral", lembra. Faziam parte dessa lavagem cerebral coisas como se portar em público, ter um pensamento ativo e não usar drogas.

Mas a paixão pelo teatro foi maior do que os pequenos prazeres burgueses e ele largou o emprego para voltar a se apresentar nas ruas, ainda que hoje não se considere fiel a essa estética. “A rua faz parte da minha vida e meus espetáculos podem começar na rua e em seguida pararem numa estrutura de um teatro, ou mesmo em algum outro lugar completamente aleatório”. E nesse balanço de emoções e personagens, Lino não praticava o teatro de rua, ele fazia da rua o seu teatro.

Foi assim até aceitar um emprego como operário, mudando mais uma vez sua vida e adquirindo mais experiências. “Quando entrei na fábrica, ganhei até um trote. Enquanto um funcionário me pedia informação sobre uma peça mal fabricada, outro funcionário passava graxa nos meus sapatos e prendia ‘guimbas’ de cigarro", conta ele, que só perebeu a brincadeira quando começou a pular pelos corredores, com os pés queimando. Nas horas livres, fez o curso técnico em contabilidade que o credenciou a trocar a fábrica por um um bom emprego como contador de um grande empresa.

Psicodrama
Uma série de acontecimentos trágicos, como a morte dos pais e de uma irmã, obrigou-se a rever seus caminhos mais uma vez. Foi numa apresentação de “psicodrama” que ele viu a oportunidade de agarrar sua paixão pelo teatro novamente. (Uma nota importante sobre o psicodrama: é uma psicoterapia de grupo, em que a representação dramática é usada como núcleo de abordagem e exploração da psique humana). "Fui convidado pelo responsável do projeto, que auxiliava os participantes com um quantia em dinheiro, mas para entrar eu precisava ser universitário", conta o multifacetado Lino Rocca, que não pensou duas vezes para entrar na faculdade. Lino entrou na Uni-Rio, no curso de Artes Cênicas, em uma das primeiras turmas brasileiras a se formar num curso artístico reconhecido como curso superior e regulamentado por lei.

Participou do projeto durante alguns anos, onde realizaram projetos de psicodrama e oficinas sociais em comunidades carentes, nos morros Chapéu da Mangueira e Pavão- Pavãozinho. "Foi nessa época que conheci o Marcus Vinicius Faustini, que reencontrei agora na SEMCTUR". Desde então a vida de Lino foi voltada para a arte cênica, com apenas uma concorrente à altura: a arte de cultivar pessoas.

Sua passagem pelas comunidades carentes só fez aumentar a necessidade de integrar essas pessoas, não só em âmbito político, cultural, social, mas a ele próprio. Iniciou seus projetos na cidade de São João de Meriti, próximo à prefeitura, trazendo oficinas e apresentações circenses, onde muitos artistas foram aprender e em seguida trabalhar profissionalmente como artistas do circo. Dali as primeiras sementes de seu trabalho já germinavam e traziam frutos de plena realização. O convite do SESC de Nova Iguaçu, onde dirigiu a secretaria cultural, criou um novo parâmetro de arte e cultura para a cidade. "Produzi o primeiro Cabaré da Baixada Fluminense e trouxe o Encontrarte para Nova Iguaçu", orgulha-se. Foi o idealizador de muitos outros eventos voltados para o mundo cultural.

Hoje, Lino tem um dos pontos culturais mais importantes de Nova Iguaçu, o Circo Social, no bairro de Miguel Couto, onde ensina a arte circense para crianças e jovens contando com a ajuda de sua esposa. “O futuro, de todos os tempos, sempre esteve nas mãos dos jovens. Eu na minha época de jovem, também fui um militante pelos direitos e necessidades da época. Hoje eu quero dar continuidade a esses projetos e trabalhos porque sei o quão importante é cultivar e cativar essas pessoas, principalmente crianças. Alegra-me saber que tudo isso dá frutos e que existe um retorno muito forte dessa sociedade. É o novo mundo, são novas pessoas e elas precisam se conscientizar, precisam de alguém que mostre que elas fazem parte de uma sociedade, de que elas têm poder", comenta Lino, com os olhos mareados, justificando o rótulo de “Chorão da Baixada” que o então Ministro da Cultura Gilberto Gil lhe deu quando viu o reconhecimento de seu trabalho em um debate sobre a produção cultural na Baixada.

1 Comentários:

Anônimo disse...

Valeu pela matéria.
O Lino é um dos caras fodas que conheço e admiro nesse mundão de meu-deus. Além de ser um cara imprescindível pra cultura na Baixada.

ié.
heraldo hb ./

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