Jogados às feras

sexta-feira, 11 de março de 2011

por Leandro Oliveira de Aguiar


Com o Governo Lula, novas perspectivas se abriram. Cerca de 30 milhões de brasileiros atravessaram a linha da pobreza e entraram teoricamente na classe media - pelo menos é o que garante o marketing do governo recém-findo. O aumento no poder de compra dinamizou o mercado e a economia, catapultando a popularidade que o ex-presidente já amealhara com seu carisma. Os antigos paradigmas foram sendo um a um desfeitos e nas periferias mais distantes surgiram diferentes experiências.

Antes os jovens, principalmente os da periferia, eram relegados a uma cena secundária. Um dos emblemas disso foi a entrada em massa nas universidades, um lugar que até antes da política de cotas era um monopólio das elites até a década de 1990, quando o plano real começou a desenhar um novo país.



Todos sabemos que ainda falta muito para se chegar ao ideal, como bem o atestam todos aqueles estudantes que precisam acordar com o dia ainda escuro para chegar à escola a tempo de pegar as primeiras aulas ou passam dias inteiros com um pastel com refresco. Não é à toa que vemos tantos jovens dormindo nas conduções, quando têm a sorte de sentar. É ali que reparam o sono interrompido.

“Fazer um playboy que nunca fez nada da vida tentar enxergar o que é um Japeri lotado é um enorme desafio, talvez maior que encarar o próprio na hora do rush”, diz o irreverente Herbert Soares da Silva, um estudante de geografia da Gama Filho de Piedade e morador de Caxias.

O contato com pessoas que veem o mundo de uma perspectiva bem diferente da sua acaba sendo traumático. Sentindo-se jogados às feras, muitos jovens se tornam tímidos e inseguros. “É um baita choque cultural", conta Marcelo Teixeira, estudante de física da mesma Gama Filho e morador de São Gonçalo. "Tem aquela menina que o pai dá um carrão aos 18 anos e eu quero paquerar, mas dá uma certa vergonha de contar de onde eu vim e a minha.”

Nem sempre o choque cultural cria uma ferida irremediável, como se pode depreender das amizades de Bianca Marreta desde que ela começou a acordar ainda de madrugada para pegar uma Kombi que a leve de Sepetiba para a estação de trem de Santa Cruz, de onde parte para a unidade da Candelária da Gama Filho, onde estuda história. “Estudar com pessoas de uma classe diferente não quer dizer necessariamente que você vai sofrer qualquer tipo de descriminação", diz essa moradora, que costuma chegar em casa com um prazer quase masoquista de dever cumprido e superação. "Hoje tenho amigos que vêm de uma realidade bem diferente que a minha e nossa amizade é tão boa e forte quanto a de pessoas de mesma classe”.

Quando saiu de Carangola, uma pequena cidade de Minas Gerais, Luísa Ferraz, uma estudante de tecnologia de petróleo e gás da Estácio de Sá, se perguntava se valia abrir mão da terra em que enterrara seu umbigo para apostar no futuro duvidoso em uma cidade que segundo a televisão era dominada pela violência. A acolhida da irmã não foi suficiente para lhe dar a força de que precisava para suportar a saudade da família e em cinco meses depois estava de volta à terra natal. "Um ano depois, percebi que meu futuro era aqui", conta ela, que hoje tem mais dificuldade de suportar a ideia de que vive de favor do que a saudade da terra natal. “O maior problema é nos fins de semana", conta a jovem de apenas 20 anos.

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