Tudo junto e misturado

domingo, 27 de setembro de 2009

Artista da Baixada participa do Encontrarte e revela trajetória

Música, teatro e poesia. Tudo junto e misturado ao mesmo tempo”. Essa frase, dita por Beto Gaspari, músico, cantor e compositor, 46 anos, morador de Duque de Caxias, caracteriza como o EncontrArte 2009 vem atuando desde sua primeira edição, promovendo uma mistura de artes cênicas e música de qualidade para entreter, divertir e apresentar novos e antigos talentos da Baixada Fluminense.

Para o compositor, toda expressão cultural é “uma janela para um novo mundo, onde é possível para quem faz e quem a consome descortinar um mundo maravilhoso de infinitas possibilidades”. O artista, agora já reconhecido pelo trabalho, se apresentou na manhã de quinta-feira no EncontrArte, fazendo a abertura da peça ‘Antes que o Galo Cante”, da Cia. de Teatro Os Ciclomáticos.

A paixão pela música o acompanha desde a infância, mais especificamente quando tinha seis anos de idade. O pai, Roberto da Rocha Ribeiro, era seresteiro e promovia modas de viola e sanfona nos bailes na fazenda. “Costumava ficar ao lado do rádio do meu pai ouvindo e cantando”, diz Beto, agora com 23 anos de carreira.

Sentindo-se lisonjeado pelo segundo convite para o festival, Gaspari relembra sua primeira participação no evento. “No ano passado me apresentei juntamente com a Companhia de Arte Popular, ‘A incrível peleja de Simão e a Morte’, um espetáculo de cordel com músicas de minha autoria”, salienta.

Beto acumula, com sua trajetória musical, dois CDs: “Quem são os novos da MPB?”, de 2003, pelo selo Puro Som, e “Das águas’, do mesmo ano, mas com produção independente. Segundo Gaspari, não fosse a ajuda de alguns amigos, não teria lançado o seu trabalho mais recente. “Para angariar fundos, alguns conhecidos iniciaram um movimento cultural denominado ‘Das águas’. Venderam cerca de 350 CDs antecipados, o que me permitiu dar o pontapé inicial na produção. Por fim, o movimento deu nome ao CD”, destaca Beto.

Durante sua apresentação, Gaspari emocionou uma plateia formada por estudantes do ensino médio das escolas da região cantarolando, com sua inseparável viola, sucessos de artistas como Tom Jobim, Toquinho e Vinicius de Moraes, músicos inspiradores do seu trabalho. No divertido repertório, vale dar uma atenção especial a músicas como “O pato”, de Vinicius de Moraes e “Aquarela”, de Toquinho. O público mostrou-se bastante receptivo. “Acho-o um artista singular”, conta Flávia Fernandes, 17, aluna do Instituto de Educação Rangel Pestana. “Já havia assistido o show no Top Shopping, em uma quinta-feira. Ele é simplesmente divino”.

O músico se despediu da apresentação aclamado por todos que esperavam o inicio da peça. E em meio a assobios e salva de palmas Gaspari confessa. “Estou emocionado e tocado por essas pessoas. Espero retornar e que o festival cresça a cada ano.”

Bicharada Consciente

Espetáculo trata das relações humanas como preconceito e amizade. 

O tempo frio e chuvoso da manhã de sexta-feira não impediu que pequenos e grandões lotassem a sala de teatro do Sesc de Nova Iguaçu para assistir ao espetáculo infantil “Antes que o galo cante”, da companhia de teatro “Os Ciclomáticos”.

O grupo, que está na estrada há mais de 13 anos, tem nesse espetáculo sua primeira experiência com o público infantil. É o que nos conta Ribamar Ribeiro, que, além de autor da peça também atua nela como o rato Gabiru: “Faremos uma comemoração especial com um circuito de seis espetáculos, incluindo este que é nossa primeira atuação infantil, em Paty do Alferes ainda este ano.”

“Antes que o galo cante se passa” numa floresta, onde a hostilidade que marca as relações entre os quadrúpedes e as aves serve de pano de fundo para o romance entre um sabiá e uma gata. Com um cenário a um só tempo bonito e simples, um figurino bem colorido e a iluminação apropriada, o grupo conseguiu prender a atenção da garotada durante todo o espetáculo. Com olhos atentos e ouvidos abertos premiados com as lindas canções entoadas, todos se rendiam aos encantos dos personagens.

Em seu lado cômico, a peça mostra as trapalhadas de uma arara muito louca, um calango de andar engraçado e uma galinha da Angola com legítimo sotaque português, além das brigas entre duas irmãs feiticeiras: borboleta (a boazinha) e mariposa (a interesseira).

De cunho bastante educativo, o espetáculo suscita reflexões sobre variados assuntos como preconceito, ambição, desigualdade, ressaltando os valores da amizade, companheirismo e união. Traz à tona ainda a questão da relação entre pais e filhos adotivos, que na peça se traduz no afeto do Rato Gabiru pela filha adotiva, a Gata Malhada.

Tais aspectos deixaram atentos os sentidos dos inúmeros alunos e alunas do curso normal que estavam presentes: “Como futuros educadores é fundamental que estejamos em contato com atividades como esta, ajuda muito na nossa formação e desempenho.” – afirma a estudante Aline Souza, aluna do 3º ano do curso normal.

O público, que aplaudiu de pé, deixou o teatro com um sorriso de satisfação no rosto. A pequena Larissa, de 6 anos, achou tudo lindo e vai voltar nas próximas peças. “A roupa da borboleta era muito linda e a gata também era muito fofinha.”, diz ela, entusiasmada.

Para saber mais sobre o grupo, acesse http://www.osciclomaticos.blogspot.com/

Sob sol ou chuva

Sem deixar que o clima atrapalhe, jovens lotam teatro para assistir peça baseada em Nelson Rodrigues 

Ás 19 horas de sexta-feira, 24 de setembro, a movimentação no interior do SESC já era intensa. O local, que em muitos eventos já fora descriminado pelo difícil acesso, estava novamente quebrando uma regra no segundo dia do Encontrarte – o Encontro de Artes Cênicas da Baixada Fluminense.
Citado pelo ator Marcelo Borghi na abertura do evento, o conceito já formado, de que em Nova Iguaçu não há publico, está sendo pisoteado pela multidão que tem lotado o teatro, enfrentando o frio. “Acho que o público já se acostumou com o Encontrarte, então eles vem com chuva ou sol”, avalia Tiago Costa, um dos cinco idealizadores do evento.

Na frente das duas portas de entrada para o espaço do teatro as filas já estavam formadas. Com os ingressos amarelos em mãos – que são distribuídos na entrada, antes do espetáculo – um trio de amigos já havia garantido os primeiros lugares da fila. Rodrigo da Silva, André Luís Almeida e Vanessa Ramos chegaram às 7 horas e 15 minutos e não viam a hora das portas serem abertas. “Eu imagino que a peça tenha um pouco da realidade de hoje, com direito a falsidade e intriga”, diz Rodrigo, que estuda administração teatral na EAT – Escola de Artes Técnicas, em Nova Iguaçu. O rapaz, logo que soube da programação do evento, convidou os amigos. Rodrigo e André compareceram à abertura, na noite de quarta-feira, deixando Vanessa “revoltada” ao contarem sobre as maravilhas vistas sobre o palco. “Ela está assim porque não pôde vir”, diverte-se contando. André, por sua vez, demonstrava grande expectativa para “Homem nenhum”, que em breve seria iniciado: “Como na programação uma peça parece ser melhor do que a outra, a gente sempre espera mais do que vimos no dia anterior”, conta ele, lembrando de “Inveja dos anjos”, apresentado pelo “Armazém Companhia de Teatro”.

Na porta do lado direito, Silvania Lessa, que também ocupava um dos primeiros lugares da fila, não pôde deixar de comentar: “Só pela peça ser baseada na obra de Nelson Rodrigues já deve ser maravilhosa”. O organizador Tiago Costa ainda complementa. “O espetáculo de hoje é bem denso. É um grande exemplo do que é fazer teatro”. Para alegria dos realizadores, que se mantém em constante agitação por conta das montagens diárias, e surpresa do público, “Homem nenhum” não faria uso de cenário, baseando-se no talento de interpretação e na fé cênica de seus atores. “Eles fazem uso de figurinos muito simples e um adereço de cena que revela a história inteira”, adianta Tiago.

A “Luminous Cia. de Teatro” integra o grupo das 15 companhias selecionadas, dentre 60 inscritas. Todos os espetáculos foram assistidos e debatidos por uma comissão de três grandes nomes do teatro e cultura, através de vídeos enviados. “Teve também o espetáculo convidado”, conta Tiago sobre “Inveja dos Anjos”.


Meia hora antes do horário previsto para abertura das portas, um doce canto passou a preencher o hall de entrada: eram as meninas da “Cia. do Sol”, trazendo a performance “Mamãe Iemanjá”. Com uma narradora e uma intérprete da rainha das águas salgadas, a dupla fez uma apresentação lúdica, repleta de musicalidade. “Elas são atrizes que já moraram na baixada, estão agora no Rio de Janeiro”, revela Éverton Mesquita, um dos idealizadores do Encontrarte, cuja marca registrada é o constante sorriso estampado no rosto. Ele explica que a apresentação trata-se de uma fração de um espetáculo produzido pela companhia. “Não são só elas duas, o elenco é maior. Mas como as performances não podiam ter mais de 2 pessoas, elas pegaram uma parte para apresentar pra gente”, explica.

Apesar do período curto, cerca de 15 minutos de apresentação, a cena mostrou, com clareza, um início, um meio e um fim. “Elas revelam como é Iemanjá, a beleza dela, o sofrimento, como o marido a tratava”, pontua Éverton, continuando: “Não adianta você apresentar uma performance que deixe o público confuso”.

As atrizes demarcaram o espaço com areia, pétalas, e pedrinhas azuis, trazendo um recorte que remetesse a praia para o interior do SESC. “ Fica claro que essa performance passa-se na beira do mar”, avalia o produtor.

Assim como as peças, as cenas que as precedem também passaram por avaliação. Houve um grande cuidado quanto à classificação das mesmas, para que pudesse ser feita a divisão de quais seriam apresentadas pela manhã ou pela noite. A diferença é que as performances foram todas apresentadas ao vivo e não em vídeo. “Foram apresentadas mais de 50 performances. Foi no Sylvio Monteiro, precisamos ficar lá das 18h às 2 da manhã”, revele Éverton. Na ocasião, estavam presentes os cinco produtores do Encontrarte. O próprio Éverton Mesquita, Fábio Mateus, Mário Marcelo, Tiago Costa, Claudina Oliveira  e Ribamar Ribeiro, que orientará a oficina “O teatro e seu valor artístico na estrutura da pesquisa de linguagem”, nos dias 29 e 30 de setembro e 01 de outubro. “Todas essas performances que o público está vendo e vão ver, nós já escolhemos antes lá”, conclui o homem do sorriso.

Com o término de “Mamãe Iemanjá” as portas foram abertas. Em instantes os assentos do teatro já estavam todos ocupados. Fez-se o sinal que a peça estava para começar. Na primeira fileira, Laísa Cardoso soube que o texto de “Homem nenhum” foi baseado na obra de Nelson Rodrigues. A jovem, que há poucos meses apresentou, em sua formatura de teatro avançado, uma peça do mesmo gênero, se emocionou com a informação. “Muita emoção, muito anjo pornográfico”, exclama Laísa, utilizando o termo “rodriguiano”. “É a primeira vez que venho ao Encontrarte. Espero que seja um bom espetáculo. Desejo muita “merda” para quem estiver participando”, declara, empolgada.

O espetáculo inicia com todo o elenco em cena: Ivan de Oliveira, Lucimar Sena, Rose Cardoso, Simone Leal, Tatiana Oliveiraz e Valério Bandeira, numa demonstração de tamanho sincronismo. Cotinha, a narradora, ganha em seguida a atenção total do público, quando lança as palavras: “Em nossa família, todas as mulheres que amaram foram desgraçadas. Por isso, nunca amei homem nenhum... homem nenhum”. Inicia-se então toda a saga da narrativa, repleta de traições e polêmicas. O público reagia com fervor às cenas típicas do universo de Nelson Rodrigues, que recebeu um tratamento especial de Ivan de Oliveira. Também atuando na peça, o autor arrancou muitas risadas e assombros dos espectadores.

A minuciosa iluminação ficou por conta de Pablo Rodrigues, complementada pela trilha sonora de Fabio Terranova. “Homem nenhum”, dirigido por Josué Soares possui ainda profissionais de figurino, maquiagem e cenografia, dentre outros. “É fabuloso, é uma equipe maravilhosa”, diz Ivan de Oliveira, apaixonadamente. Foi dele a proposta de vivenciar a obra do polemico autor nos palcos, que logo foi abraçada pelo grupo.
Aplaudidos de pé, o grupo exibia sorrisos de satisfação e uma sensação de dever cumprido.

“A apresentação foi ótima. O público foi maravilhoso participando”, afirma Ivan, que aproveitou o momento para felicitar: “Eu quero parabenizar Nova Iguaçu por essa iniciativa de convidar os grupos de outras regiões para estarem se apresentando aqui”, diz em nome da Luminous, vinda de São Gonçalo. Ainda no palco, o elenco recebeu uma placa de homenagem da produção do Encontrarte.

 
 
 
 
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