por Tuany da Rocha
“Pichação é um crime, é coisa de bandido, de marginal que não tem o que fazer”, afirma sem pestanejar Antonio Carlos Ferreira, um morador de Santa Eugênia de 58 anos que passou o último fim de semana pintando a fachada de sua casa. Sua esposa, a dona de casa dona Maria Lúcia Ferreira, tem uma opinião um pouco melhor. “Isso é coisa de maluco”
Os dois estavam pintando a fachada da casa porque ela havia sido atacada pelo que a opinião pública costuma chamar de vândalos - os jovens cujo lazer é pintar nomes ou nicks (apelidos) nas paredes da cidade. Já foram muito mais comuns nas grandes cidades de todo o mundo, mas desde o advento do hip hop vêm sendo gradualmente substituídos pelos grafiteiros. O grafite tem status de arte de rua. Já a pichação é considerada uma atitude de vandalismo.
Muitos acreditam que um é a evolução do outro, mas, para Miguel Ramos, um grafiteiro de Caxias de 22 anos, o grafite exerce uma função social. “O grafite é uma arte gráfica que ninguém ensina, porque é algo que se aprende nas ruas e em geral fala das ruas. O grafite é uma forma de se conseguir fama e reconhecimento, por isso requer muita coragem e ousadia porque se faz e se assina mesmo que seja em muros, pontes, torres e onde der.”
Canalização de energia
A pichação é uma prática que resiste há várias gerações. Para o hoje professor de antropologia Marcelo Dantas, que se tornou uma lenda urbana na década de 1980 como “Gorpo”, “pichar é uma forma de canalizar uma energia, e de deixar sua marca.” A explicação de Isabela Campos, uma das poucas pichadoras da cena carioca, remonta a uma espécie de protesto estético. “Não gosto da cidade, está feia e suja”, afirma essa pichadora de 19 anos, mais conhecida como “Bebela”. “Por isso encho de marcas e de cores. Assim tenho a ilusão de que a vida é menos dolorosa.”
Esse protesto estético em geral é feito com spray, mas os pichadores também fazem uso de marcadores, lápis de cera, rolo de tinta e até carvão, como conta o estudante do ensino médio Bernardo, de 18 anos. “A gente sai em diferentes horas pra bombardear a cidade com nossas marcas”, conta o pichador.
Não é em qualquer parede que os pichadores tentam deixar sua marca. Em uma batalha particular travada entre as diversos tribos da cidade, destaca-se quem pichar o lugar mais difícil. “A pichação é um jeito de ter fama, reconhecimento e por isso quanto mais difícil o lugar, mais “foda” você é”, conta Vinicius da Silva, um morador de Madureira de 20 anos mais conhecido como “Porco”. Alguns pichadores não se contentam com letras, deixando mensagens para a comunidade para expressar os sentimentos com o que acontece na comunidade. “Tenha fé na vida, tente outra vez”, costuma pichar Lúcio da Costa, um morador de Vigário Geral de 23 anos.
Bons de porrada
Alguns pichadores são lobos solitários, que deixam sua marca na cidade sozinhos. Mas em geral eles não apenas se organizam em grupos, como têm líderes. “Os líderes são bons de porrada”, afirma Daniel, que no entanto ressalva que essas tribos estão restritas a grupos de amigos. Há, porém, uma regra sagrada para os pichadores, que pode até dá em morte quando desrespeitadas. “Não se pode pichar em cima da marca do outro”, alerta o pichador.
“Porco” é testemunha de algumas batalhas campais motivadas pelo desrespeito a essa regra sagrada, entre amigos de 15 a 18 anos. “Um dos caras quebrou uma garrafa na cabeça do outro que levou até pontos”, conta o pichador de Madureira.
Porém, o maior problema dessas tribos é a polícia, que parece ter um prazer todo especial em pegar os pichadores com a mão na massa. “Eles batem, humilham e pintam o cara”, conta “Porco”, que tem um amigo no qual os policiais picharam dentro da própria boca.
Apesar do medo da polícia, é consenso entre os pichadores que “pichar é uma coisa que dá adrenalina” e, portanto, não dá para parar. Esse prazer proibido é explicado por um poema de autoria desconhida. “Somos um chiclete que a vida tritura sem piedade, por isso pula o muro e pinta o seu piche, cospe sua máscara e deixa a marca de sua presença. Porque só assim alguém saberá que você existe mesmo que seja para te chamar de maldito”.
Maldito chiclete
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Marcadores: Trocando Tiros, Tuany Rocha Santos
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1 Comentários:
Que ótimo, Tuany. Conseguimos ver todos os lados.
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