Novela brasileira

terça-feira, 9 de novembro de 2010

por Hosana Souza

Uma vida inteira posta à prova frente a 180 questões e uma caneta esferográfica preta. Quatro milhões de estudantes inscritos, dois dias de prova, mais de três mil horas de dedicação durante um ano de espera. “A única coisa que eu ganhei com o ENEM foi uma grande dor no pescoço”, diz o estudante e jovem repórter, Wanderson Duke.

O ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – que ocorreu durante o último final de semana é o grande burburinho entre os jovens de todo o país. A avaliação de caráter quantitativo, tão criticado pelas pedagogias liberais, vinha no ano de 2010 com a proposta de auxiliar o ingresso nas universidades, principalmente para os membros das camadas mais populares.


O Novo ENEM, “um exame para a vida”, além de garantir bolsas de estudo nas universidades privadas de todo país, também unificaria as vagas do território nacional através do SISU, um sistema de integração entre as universidades federais. Mas infelizmente não foi isso que aconteceu.

Mesmo após o vexame de 2009, onde as provas vazaram e o exame foi cancelado com 24 horas de antecedência, o ENEM ainda era a grande esperança de muitos estudantes. O exame que viria cheio de novidades e com um grande peso nas questões foi adotado por cerca de 70% das universidades no país, aumentando então a expectativa daqueles que sonham com o ensino superior.

Mais de um ano dedicado às fórmulas químicas e físicas, à geografia física e política, à história do Brasil e do Mundo, a estudos cartográficos, à gramática, literatura, produção e interpretação textual, à geometria espacial e a cálculos aritméticos, ao estudo da vida dos seres de todas as espécies.

Excludente
Em um ano, o do vestibular, milhões de jovens e adultos se desdobram entre suas atividades para rever aquilo que estudaram durante todos os anos da escola e também para aprender aquilo em que as instituições foram deficientes.

Em um país onde mais de um milhão de habitantes não concluíram o ensino médio e quase metade da população se enquadra na categoria de analfabetismo funcional, estar no ensino superior é a realização de um sonho quase impossível, além da provável ascensão econômica e intelectual.

A grande meta deve ser alcançada. Antes da virada do ano espera-se, quase que com uma úlcera de ansiedade, encontrar seu nome na lista de alguma universidade com um "Aprovado" ao lado. São as suas expectativas, o seu sonho, a sua carreira, mas são também milhares de outros fatores, como a pressão familiar, o peso de ser o primeiro a ingressar no ensino superior, as emoções de milhares de amigos e familiares.

Cada avaliação, cada vestibular é nada além de um campo de batalha. Munidos de armas diferentes, os estudantes adentram as escolas para onde foram direcionados com caneta, lápis, borracha, comida, energéticos, água, chocolate e até algumas superstições. A sala em um silêncio ruidoso e ensurdecedor, todos perfilados ouvindo o batuque do próprio coração, ansiosos, com medo. Os fiscais como lobos em cima de cada movimento, os companheiros de classe como rivais na luta por uma vaga neste sistema tão complexo e excludente.

A grande verdade é que um dia de vestibular pode ser fruto das mais premiadas teses, dos mais complexos estudos. O ser humano em toda sua fragilidade e em toda a sua magnitude, repleto de falhas e saberes e imbuído de fazer valer todas as suas experiências durante um determinado número de horas e folhas. Um ser tão complexo e completo como nós sendo transformado em um número, o dos pontos das questões acertadas. E tratando-se do ENEM todas as emoções são multiplicadas por dois e divididas na média da nota que se refletirá ou não no sucesso.

Para nada?
Todas as emoções misturadas em uma panela junto com conteúdo, visão critica do mundo e resistência psicológica, física e mental em dois dias de prova, eis ENEM. Tudo isso para? Nada.

Eu, que também me submeti ao teste de resistência realizado pelo MEC, contei com a sorte de não pegar nenhum caderno de questões com erros gráficos. Entretanto, ponho-me no lugar daqueles que de repente se deram conta que estavam perdendo a luta e o pior, não estavam perdendo para o cansaço, para o medo, para a falta de conteúdo. Estavam perdendo para a prova que errada acarretaria no fim de todo um ano de sonhos.

A grande discussão agora ultrapassa a da má organização do exame; a pergunta que é feita por todos é o que será dos estudantes? Pois sim, é inadmissível que apenas vinte mil – aqueles que receberam cadernos errados – façam uma nova prova, pois isto diminuiria as chances de tantos outros milhões de brasileiros. Entretanto, em pleno nove de novembro, não há tempo hábil para a formulação de uma nova prova, que provavelmente, se realizada, será feita em janeiro do próximo ano.

“A minha pergunta é onde está tudo que eu estudei?”, comenta a estudante Maryaniel de Mello, 20 anos, aluna do Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu. “Eu estou há dois anos no CPU, muita gente da minha família já me mandou ir trabalhar, mas eu quero realizar o meu sonho”.

Estudantes que escolheram a UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - estão ainda mais apreensivos, a instituição adotou o exame como única fase de seu processo de inserção. “Tudo bem que vacilei não fazendo a inscrição de nenhum outro vestibular público. Mas eu tinha uma meta, eu estudei 12 horas por dia para passar no ENEM, para conseguir uma bolsa em uma universidade renomada ou realizar o sonho de fazer medicina veterinária na Rural. E agora?”, diz, quase chorando, a também estudante do CPU, Shayne Abravanel.

E a resposta para tudo isso, para todos os questionamentos dos estudantes, para todas as emoções e vidas desperdiçados é o silêncio. Do Inep que não assume suas devidas responsabilidades, do Ministério da Educação que não solicita o cancelamento da prova, apenas coloca como medida uma suspensão. Resta então aguardar os capítulos de mais um ano desta novela brasileira chamada ENEM, que com absoluta certeza perdeu o que lhe restava de credibilidade.

1 Comentários:

Wanderson Duke disse...

O MEC que se notabilizar como Ministério dos Exames Cancelados. Os INEPtos que servem ao ministro Fernando Haddad podiam fazer a gentileza de se retirar antes da posse da presidente.

Porque não vai sobrar outra opção para Dilma Rousseff a não ser reprovar essa turma de incompetentes. O Enem era para ser um avanço histórico, o fim da indústria dos vestibulares.

Virou piada, infelizmente. E nem para fazer o Enem o MEC presta. Era tragédia anunciada.
Podem espernear o quanto quiserem, mas o PT desmoralizou o Exame de forma irreversível. Sem direito nem mesmo a recuperação.
Perdeu o ano. Em um país que já desperdiçou séculos. E que tem uma dívida com gerações de jovens. Um país sem educação, com o futuro esmurrando a porta.

Todos os governantes juram que educação é prioridade. Mentira. Se fosse, já teríamos saído dessa indigência. Nos rankings internacionais, o Brasil só passa vergonha.
Nosso ensino é uma pobreza. Não tem qualidade. Nem professores capacitados. Ou salários dignos para os docentes. Formamos analfabetos funcionais. O resto é propaganda.

O Enem voltou a ser o que sempre foi: um detalhe. Era uma boa cortina de fumaça. O exame era bom, então deixávamos para depois garantir conteúdo em sala de aula.

Já era. Faltou competência. Troca a turma. O quadro negro continua em branco.

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