Parte III – O fim? Não. Apenas o começo.

domingo, 21 de novembro de 2010

por Jéssica de Oliveira

A Casa da Paz estava sendo esvaziada, após seu fechamento. As caixas que saíam carregadas para a rua não tinham destino algum além do lixo. Mas uma coisa chamou a atenção de Edilso Maceió: livros, muitos livros, uma infinidade de livros. Todos eles seriam jogados fora. “Pelo amor de Deus, não faça isso!”, disse Edilso à funcionária que lhe contara o que seria feito com as obras. “Os livros foram doados pela Nestlé e, como a Casa iria ser fechada de vez, eles iam se desfazer de tudo. Daí eu peguei os livros e trouxe em três Kombis, porque eram muitos”.

 
A luz que se acendeu na mente de Edilso o mandou levar todos aqueles livros para Nova Era. Mas onde colocá-los? Na casa de sua irmã Eliete seria impossível e como aqueles livros ganhariam vida na mão de seus leitores se Edilso ainda fazia parte do Afro-Reggae de Vigário Geral?

 
Na época, Edilso recebia um salário de 500 reais. Daí resolveu alugar um “barraco” – como ele mesmo costuma dizer – por 100 reais. “Coloquei todos os livros lá e comecei a divulgar que eu os emprestaria”, conta. A repercussão foi tanta, que os moradores do bairro faziam uma grande fila na porta do barraco para pegar os livros. “Aquilo foi incrível! As pessoas viram os livros como uma grande novidade, porque eles não tinham acesso algum às obras”.

 
Mesmo sem saber, Edilso desenvolvia seu primeiro projeto no bairro, que antes não oferecia absolutamente nada a seus moradores. E então, todas as tardes, saía de Vigário Geral após prestar seus serviços ao lado de José Junior e ia em direção a Nova Era, abrir seus “espaço” para emprestar os livros à comunidade e contar  histórias àqueles que não podiam ler.

 
Entretanto, o projeto, que nasceu de um simples desejo, uma vontade de mudar, estava tomando proporções que Edilso não previra. “As pessoas estavam aprovando de tal forma aquilo tudo, que eu senti que precisava fazer mais”. E assim, Edilso se desvinculou do Afro-Reggae para se dedicar inteiramente à Nova Era. 

 
“Eu tinha medo do que eu ia fazer da vida, porque as coisas estavam ficando mais sérias e não tinha como eu ficar me deslocando todo dia de Vigário Geral pra Nova Era pra dar oficina pras crianças e jovens. Chorava dia e noite pela insegurança de saber que não teria mais um salário fixo no final do mês. Me perguntava como iria viver, mas eu tinha que acreditar. Tudo por este sonho”, desabafa.

 
O tempo foi passando e Edilso firmou parcerias com instituições como a CUFA – Central Única das Favelas – e o Comitê CARJ de Solidariedade, que mandavam doações. Além disso, inscreveu projetos em editais públicos para criar mais alternativas para a comunidade. 

 
Na época, o “barraco” cheio de livros recebeu o nome de MOCNE – Movimento Organizado Cultural de Nova Era –, escolhido por um grupo de jovens que o frequentava. No entanto, o espaço era demasiado pequeno e os projetos que estavam por vir necessitava de espaço. Foi aí que Edilso percebeu que para que crescesse fisicamente e para que fosse reconhecido como um espaço cultural na comunidade, precisava fazer as coisas como mandava o figurino. “Fui atrás de CNPJ, de Estatuto... de tudo o que se precisa pra fundar uma instituição. Mas antes eu fui atrás dos amigos”.

 
Nova Era precisava de amigos. Por isso, Edilso não pensou duas vezes para procurar os contatos que fizera no período em que trabalhava no Afro-Reggae, perguntando-lhes se estavam dispostos a ajudá-lo a mudar a face do bairro. Para começo de conversa, convidou José Junior para a presidência da nova instituição, que nasceria oficialmente em 1998. Depois organizou uma reunião com pessoas do meio para avaliar a proposta de parceria que Edilso propusera. “Nessa reunião, nós achamos que seria melhor trocar o nome da instituição para CISNE – Centro de Integração Social Nova Era. Fiquei muito feliz com o rumo que estávamos tomando e disse: ‘vocês todos são os amigos de Nova Era’. E então, Alberto Nicodemos, advogado do IBSS – Instituto Brasileiro de Serviço Social – pôs um A no meio da palavra CISNE escrita num pedaço de papel e disse: ‘CISANE – Centro de Integração Social Amigos de Nova Era’. Naquele dia eu chorei de tanta felicidade”, relembra, com lágrimas nos olhos.

 
E assim, no dia 21 de novembro de 1998, o CISANE nasceu. Há exatamente doze anos. O espaço ainda era pequeno, mas já não era mais o barraquinho alugado. Para o  dia em que as portas do Centro de Integração foram oficialmente abertas, Edilso convidou o jornalista Zuenir Ventura para ser homenageado na primeira biblioteca comunitária do bairro. “Naquele sol escaldante do dia 21, Zuenir me disse que estava orgulhoso por ter seu nome em uma biblioteca de Nova Era. Ele que já recusou inúmeros convites para ser homenageado em outros países, mas aceitou o nosso”, conta emocionado.

 
Hoje, o CISANE atende cerca de 700 pessoas, dentre elas, crianças, jovens, adultos e idosos. Situado à aRua Sebastião de Melo, é referência não só para Nova Era, mas para muitos outros bairros e cidades. Abriu caminho para a implantação da Associação de Moradores, do CRAS – Centro de Referência de Assistência Social - e um pólo fixo do Afro-Reggae.

Doze anos de existência. Doze anos de perseverança e de batalha. Dezenas de projetos desenvolvidos, centenas de vidas mudadas. “O que me trouxe aqui foi o destino, mas eu fiquei porque precisava desenvolver nessa área um trabalho que eu já fazia lá na Maré, independente de política partidária, de mídia ou do que fosse. Eu queria trazer valor às pessoas que estavam esquecidas. Atividades pra jovens e crianças, ajuda às famílias, informática, cultura, lazer, educação e cidadania. E é isso que nós fazemos todos os dias”, conta o Seu Cisane, como chamam alguns moradores que acreditam que este é seu nome.

 
O menino que nasceu em Nova Holanda foi parar em Nova Era. Para construir uma nova vida, para oferecer um novo caminho. Caminho este que ele próprio podia não conhecer, mas que estava disposto a descobrir. “A cada dia, eu me sinto motivado a realizar tudo o que sonhamos em 1998. Eu costumo dizer que esse sonho não acabou; está só começando”, crê.

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