Virada com chulé

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

por Josy Antunes

Na sala recém-pintada de verde (cada parede em um tom), uma mulher de touca na cabeça fazia biscoitos amanteigados em formato de estrela. No sofá ao lado, com capa verde musgo, um homem careca assistia TV com o controle remoto na mão, oscilando os canais entre os filmes "Alvin e os esquilos", "Central do Brasil" e a Retrospectiva 2010 na Globo. Ao lado da estante da TV, num móvel abarrotado de fios e CDs, um jovem atendia às pressas todas as chamadas do MSN, num velho computador onde lia-se em letras vermelhas "Reservado!". A imagem podia ser interpretada como o trio que compõe o "Cataldu's buffet", localizado em Belford Roxo. Ou, ainda, minha mãe, meu pai e meu irmão. O dia 30 de dezembro trazia uma certeza: Eles não passariam o réveillon comigo. Isso porque, no ramo das festas, a data representa o recebimento da mais alta "paga", como diz o pai. Os três, o pai, a mãe e o irmão, irão passar a virada de 2010 pra 2011 na festa de uma igreja metodista no Catete. "Ia ser em lugar diferente. Teu pai ia trabalhar em Icaraí. Aí ele falou pra mim assim: 'você não acha melhor a gente trabalhar juntos?' E eu disse: 'é!'", explicou minha mãe. "Eu vou receber, né?". "É pra pagar as contas. Já está tudo contado". Ouvi em seguida, no diálogo entre mãe e pai. No total, os três juntos conseguirão R$500 reais em troca da noite de festa em família, substituída por trabalho. "É difícil, porque eu gosto da família reunida. Desde que minha mãe faleceu as comemorações ficaram mais difíceis. Mudou muito. Ela fazia as coisas... Eu sinto falta dela", soltou a mãe, num misto de lamento e alívio de poder depositar o vazio na festa do Catete. Ao mesmo tempo, lançava pequenas fagulhas de esporro ao pai, que não deixava o canal da TV se manter por 5 minutos. "Você não sabe o que quer", disse ele pra mãe, para quem a Retrospectiva da Globo é o ritual de todo fim de ano.
Era a segunda vez que a mãe trabalharia no réveillon. A primeira fora em 2008, na casa de Dalva Lazaroni, em Ipanema. Lá, segundo o pai - que trabalhou na Dona Dalva nos anos de 2007 e 2008 -, a paga era R$ 800 por pessoa. "Em festas normais, a média é de R$100", complementou ele. Para os 60 convidados - ou, "pessoas snobs que têm dinheiro" -, seis pessoas da equipe do pai dedicavam total atenção. Na festa chique, o pai lembra ter conhecido famosos, como Djavan. "E à meia-noite, o que acontece?", perguntei eu, a filha. "Eu sirvo as taças de champanhe deles e a maioria vai na praia comemorar. Alguns abraçam os garçons também". A mãe, da única vez em que trabalhou na data, como copeira da festa, lembra ter tentado telefonar pra casa. "Mas é difícil. Tem muito barulho". Da festança em Ipanema, a mãe lembra de um "causo" pra contar: Com convidados com fome e a comida no fim, Dalva Lazaroni tirou uns "queijos exóticos" da geladeira para que fossem servidos. "Um troço cheirando a chulé danado e eles achando uma delícia". A partir de 2009, pra casa dos Lazaroni, o pai e a mãe não voltaram mais. "Eu botei um cozinheiro pra trabalhar na festa, porque a Dona Dalva tinha pedido um cozinheiro bom. Ele tomou a frente, botou a equipe dele, e eu dancei", lembra o pai, de 58 anos, que trabalha no ramo de festas desde a gravidez do primeiro filho, hoje com 24. O primeiro filho - ou o meu único irmão -, por sua vez, trabalha como garçom desde os 13. "Foi pra ganhar dinheiro ou ajudar em casa?". "Pra ganhar dinheiro e ajudar em casa", respondeu ele, que ganhava 20% da paga de R$ 80. O irmão nega ter arrumado namoradas ou xavecos nas festas em que trabalhou. Mas amizades sim. E, de quebra, conheceu Carolina Dickmann, Pelé, Vera Fischer e a Juliana Paes. "E ainda como, bebo e me divirto". A mãe, 51 anos, em meio a uma rigorosa dieta, lembra o quanto é difícil se manter seletiva na escolha dos alimentos ingeridos em meio a tanta fartura. Em meio ao assunto "comida", aproveitou pra dar um puxão de orelha no pai: "Eu escutei que, por acaso, você comeu 30 rabanadas?!". O pai riu e rendeu-se à Retrospectiva da Globo. Os biscoitos estrelados, a mãe embalou numa caixa de de chocolates de Petrópolis, colou um adesivo com mensagem, e reservou para o reveillon da filha - eu.

3 Comentários:

Hanny Saraiva disse...

Oh, que texto lindo!! Próximo ano novo pergunta pro seu pai se posso trabalhar com ele, fico sozinha em casa, pelo menos ia ganhar uma graninha...

=)

Descola a receita das estrelinhas pra gente? ;)

Julio Ludemir disse...

mais uma vez, lindo.

Déh disse...

Lindo mesmo.

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