A essência do MST

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

por Hosana Souza


Quem, como eu, passa todo fim de tarde pelo Calçadão e observa Wanderley Laurindo e sua banca, não imagina que atrás de cada essência existe uma marca desses quarenta anos de história. O simpático e magro homem me recebe e reconta sua trajetória enquanto atende os fregueses, que vaidosos experimentam perfumes. O inicio de sua estrada nem mesmo Wanderley consegue recordar, mas sem delongas me envia ao período, com certeza, mais marcante: O Movimento dos Sem Terra.

“Cansei do MST”, afirma ele com convicção, para meu espanto. “Sinto muita falta, confesso. O ideal de lutar pela divisão das coisas entre os pobres é algo que ainda se move em mim, mas cansei daquilo lá”. Wanderley deixou para trás um dos maiores movimentos de luta pela reforma agrária do país, e deixou também duas esposas e três filhas em Campos dos Goytacases em um assentamento.


“O MST me conquistou. Fui levado por um primo que já vivia em um assentamento. Levei minha primeira esposa e lá fiz muitos amigos. Na época dos acampamentos, nós permitíamos que todo mundo ficasse lá, mas quando o INCRA permitia a divisão nós só repartíamos a terra com aqueles que verdadeiramente precisavam”, explica. “Eu sempre fui uma pessoa muito responsável e por ajudar meus amigos terminei como umas das lideranças do movimento, cheguei até mesmo a andar armado”.

A voz carregada de lembranças ainda defende o movimento: “A mídia fala que nós fazemos bagunça, que invadimos o que não é nosso, mas nós só entramos em terra que não está sendo usada, em fazendas abandonadas”.

Uma de suas responsabilidades no MST era fazer a divisão dos alqueires da terra, o que terminou como um dos pontos de divergência com o movimento. “Quando o INCRA chegava lá, já estava tudo praticamente pronto, eu arrumava tudo dividia pelas famílias, fazia registro, tudo certo. Mas sempre tem aquele cabra que vacila, que vende terra, que dá mais pra um ou pra outro e são brigas que não vale a pena comprar. Já teve fazendeiro rico querendo terra nos meus assentamentos: mas eu nunca permiti”, conta.

Traição
O estopim para sua saída se deu com a traição de um de seus amigos de movimento. “Eu conheci ele em outro assentamento. Mas aconteceu alguma coisa lá na terra dele e ele terminou perdendo tudo. Como nós éramos amigos ele veio atrás de mim para pedir ajuda. Eu falei: ‘Você fica aí enquanto o INCRA não vem, eu te ajudo a plantar, o pessoal divide as coisas com você, você cuida da sua mulher e da sua criança. Mas tem uma coisa, quando a terra for ser dividida você sai, porque você não tem direito”, relembra Wanderley.

O tal amigo passou três anos no assentamento, recebendo a ajuda de Wanderley, plantando e conseguindo certas quantias em dinheiro. “As colheitas dele eram boas, ele deveria ter guardado dinheiro, mas ele não fez. Quando o INCRA veio, eu avisei que ele ia sair, mas pedi um tempo para a mudança e para ele terminar de colher. Então eu avisei pra ele que deveria sair e ele aparentemente concordou”.

Em uma trama digna de novela do horário nobre, Wanderley foi ameaçado de morte pelo ex-amigo. “Ele contratou uns caras para me matar. Eram dois moradores de uma favela ao lado do nosso assentamento. Quando os caras chegaram lá ficaram inconformados ao saber que a bola da vez era eu. Eu sempre ajudei o pessoal da comunidade, e jogava bola com eles também. Eles queriam até mesmo me vingar, mas eu falei que era melhor não. O que é dele tá guardado e a justiça não vai vir da minha mão. Por essas eu vim parar em Nova Iguaçu”, explica.

O que era para ser umas férias em Nova Iguaçu se tornou a nova vida de Wanderley. Camelô já há dois anos, hoje ele trabalha fabricando e revendendo perfumes no Calçadão. “Hoje eu já tenho gente vendendo o meu perfume porta a porta, fora pessoas em Campos, São João, Belford Roxo. Já me rende R$ 2 mil mensais” encerra.

1 Comentários:

Felipe Branco disse...

O cara de liderança do MST passou a empresário capitalista, graças a uma sacanagem de um "amigo". Digno de uma novela ou um filme

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