A produção do joão sem braço

domingo, 10 de abril de 2011

por Josy Antunes

Durante a mais recente edição do Iguacine - o Festival de Cinema de Nova Iguaçu - ocorrida em abril de 2010, jovens repórteres do Cultura NI estavam agitados em meio a entrevistas e publicações no blog. Em ocasiões como o evento, a equipe tem por sede a biblioteca Professor Cial Brito, que fica dentro do Espaço Cultural Sylvio Monteiro. É de lá que acontece a cobertura em tempo real, sobre as sessões de filmes, acontecimentos inesperados e a programação como um todo. É lá onde se concentram cerca de 30 jovens para rápidas e objetivas reuniões de pauta coordenas por Julio Ludemir. Neste clima de produção intensa, Rodrigo Caetano, então com 20 anos, surgiu com seu black power, se apresentando como músico e produtor cultural. De súbito, recebeu uma pauta: Cobrir a exibição de “Alô, alô, carnaval!”, de Adhemar Gonzaga. E assim começava uma das primeiras experiências de Rodrigo com produção "séria" de textos.

Na verdade, o dono do black power teve seu primeiro contato com produção de textos lá pelos oito anos de idade, quando investia todo o dinheiro que parava em suas mãos com gibis, fichas de flipper e Cheetos. "Eu lia gibi e tentava escrever", contou Rodrigo, que na época morava em Vilar dos Teles, um bairro em São João de Meriti. "Eu morava na subida de um morro, que se chamava Morro do Amor. Tinha época que era muito violento, tinha época que era muito tranquilão. Tinha vez que eu descia pra ir pra escola e via defunto caído no chão e um monte de gente em volta. Mas eu era moleque e não entendia", descreve o filho único de Regina Célia Caetano, dona de casa e Helio Pereira da Silva, soldador de PVC.

"Com oito anos, minha mãe comprou um terreno da minha tia, pra gente morar aqui", explica Rodrigo, falando sobre a casa no bairro São Francisco, em Belford Roxo - cidade onde anos depois iniciaria seu trajeto na área de produção cultural. "Nesse caminho de construção da casa, eu vim morar com a minha tia pra ir me adaptando. Eu comecei a falar 'moro aqui' com um ano de adaptação, aos nove anos de idade", conta ele, apontando que um dos pontos mais difíceis na mudança foi a diferença no percuso de casa pra escola. Em Vilar dos Teles, bastavam cinco minutos. Em São Francisco, pelo menos 20 minutos eram dispensados para chegar no Centro Educacional Vanda Garcia. "Na 7ª série eu fui pra escola pública. Foi uma merda".

Rodrigo e a banda Armless Jack
Tia Luciana da Costa, com a qual conviveu no período de adaptação na "cidade do amor", frequentava a "Bléia", como era chamada pela geração do Rodrigo a igreja Assembléia de Deus. Com a tia Luciana, vieram os primeiros contatos com religião e com música. Aos 12 anos, dentro da "Bléia", aprendeu a tocar o primeiro instrumento: teclado. "Comecei a tocar porque eu queria conquistar as menininhas, mas não deu muito certo. Eu sempre via o pessoal olhando os músicos com 'glamour'. Mas eu nunca conquistei uma menina por saber tocar", lembra com bom humor. No aniversário de 15 anos, após tocar em cordas de instrumentos de familiares ou amigos, ganhou o primeiro instrumento pessoal: um violão, presenteado pelo pai. "Ele não gostava que eu pegasse as coisas emprestadas", brinca Rodrigo. Já na comemoração pelos 18 anos, ganhou a primeira guitarra. Nesse meio tempo, veio a primeira banda, "Armless Jack", que teve seu periodo mais produtivo em 2008 - aquele ano de interseção entre o fim do ensino médio e a aprovação no vestibular. "A ideia do nome era de 'João sem braço'", explicou Rodrigo, guitarrista da banda, ao lado de Marcus Vinícius, na bateria, Cristian Abner, no baixo e Maicon de Paula, no vocal. "A gente se conheceu na 5ª série. O Cristian aprendeu a tocar pra entrar na banda. A gente queria tocar Rock'n Roll, mas depois a gente conheceu uma coisa chamada Hard Rock", detalha Rodrigo, que garante que muito de seu senso crítico veio das letras das músicas do gênero musical.

2008, ano mais produtivo de Rodrigo como músico, foi também um dos anos de mais dúvidas no campo profissional. Tentando passar no vestibular desde o 3º ano do ensino médio, a dúvida estava entre os cursos de história e produção fonográfica. "Eu sempre me inscrevia na UERJ e esquecia dos outros vestibulares", lembra Rodrigo que, nesse período, ingressou no Projeto Iguaçu, realizado pela FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. "Era um projeto de limpeza de rios. Meu trabalho era chegar nos moradores e explicar que aconteceriam algumas obras. Foi meu primeiro trabalho sério". Na mesma época, frequentou também o pré-vestibular, onde conheceu pessoas como Paulo Roberto, Thiago Nunes e Rafael Andrade. "Tudo o que eu tenho de esquerda a culpa é dele", aponta Rodrigo sobre o amigo Rafael. Os quatro formavam o grupo JAFT - Jovens em Ação Formando e Transformando. O JAFT, além da produção de fanzines e das ideias comuns a jovens que querem, de alguma forma, mudar o mundo, queria fazer um evento que beneficiasse a Baixada Fluminense de forma ampla. O grupo criou então o projeto para o "Manifesto Cultural", um evento com música e debates que seria realizado no espaço em frente ao Batalhão da Polícia Militar da cidade, em julho de 2008. "Eu tinha chamado uma banda pra tocar, a Dhe Liras. O Diego Jovanholi tocava guitarra com eles na época. Só que acabou que não deu pra banda tocar, porque o cara do som não chegou na hora. Fizemos o evento muito na inocência. Acho que foi a coisa mais inocente que eu fiz, achando que ia dar certo. Chamamos o Fala Baixada, fomos em todos os colégios de Belford Roxo entregar flyers", narra Rodrigo, sobre sua primeira experiência e sua primeira frustração na produção de um evento cultural.

O trote do curso de produção cultural. Foto por Louise Teixeira.
O evento, no entanto, acabou por influênciar na escolha do próximo vestibular que tentaria: para o recém-lançado curso de produção cultural na IFRJ, que descobriu através de um panfleto deixado por um amigo. Além disso, iniciou uma amizade com Diego Jovanholi, que já vinha alimentando ideias sobre eventos na Baixada quando se deparou com a tentativa do "Manifesto Cultural". "O Diego me adicionou no Orkut e no MSN. Ele viu num vídeo do Orkut que eu tocava baixo e me chamou pra ir na casa dele conversar sobre cultura", conta Rodrigo, que não esconde o susto que levou com o convite inusitado para a visita na casa que ficava em Andrade de Auraújo, bairro de Belford Roxo. "Eu não conhecia muito esses cantos. Chamei o Maicon pra ir comigo ver qual era a dele. Melhor dois do que um", confessa Rodrigo. "Quando chegamos, nós subimos onde era um 'estudiozinho'", lembra Rodrigo, que encontrou equipamentos de som ligados, e integrantes de uma banda pronta para tocar. "Você toca baixo, né cara?", indagou Jovanholi, entregando um baixo branco, que pertencera ao músico Bi Ribeiro. "Na hora eu não acreditei. Só fui acreditar quando conheci o Dida Nascimento, o Donana e a história toda". Naquele instante, naquele terraço/estúdio acabava de ser formada a banda Sugar Babies. "Eu crente que o Diego ia falar de cultura e que eu ia aprender alguma coisa. Mas o papo de cultura foi só no primeiro ensaio. Todo sábado eu saía do pré-vestibular e ia pra lá. A gente nunca chegou a tocar em algum lugar".

O terraço abrigava ainda as gravações do podcast "Loud Channel" e as primeiras ideias a respeito de um grupo que se chamaria "Pública alternativa", que tinha por finalidade discutir e produzir ações relacionadas à cultura. Alguns sábados depois, Rodrigo aceitou tocar baixo na banda "Alícia" - a banda "séria" do Diego, onde a princípio entraria só para "quebrar um galho". "Meio que sem querer, eu virei efetivo", lembra. "A gente queria tocar, mas não tinha espaço. Eu já estava cansado de tocar no terraço do Diego. Daí surgiu a ideia do Cinerock", rememora Rodrigo, sobre o projeto que acabou tomando a frente do "Tela Verde", projeto inicial sobre sustentabilidade. "Através do Cinerock eu conheci o Coletivo Anti Cinema, o Matheus Topine, que era do Cineclube Goteira e outros cineclubes".
A terceira edição do Cinerock, no SESC Nova Iguaçu
A primeira edição do Cinerock reativou o Centro Cultural Donana, espaço que havia concentrado música e produção cultural em Belford Roxo nos anos 80. Com a reativação do espaço, Rodrigo e a turma do Pública Alternativa passaram a promover outros eventos e atividades, como o Cineclube Donana, que posteriormente seria contemplado com o edital do Cine Mais Cultura. Com essa bagagem, Rodrigo chegava ao curso de produção cultural da IFRJ, em julho, após passar com mérito no vestibular. "Era o passo pra vida adulta. É chato pra caramba, mas todo jovem tem que passar".

Atualmente, Rodrigo toca baixo na banda Mazé, composta pelo mesmo Diego Jovanholi, e pelos músicos Dinho Brito, Giva Abreu e Vagner Vieira. Com o último deles, Vagner, dividiu uma oficina intitulada "Cineclube", numa escola municipal de Mesquita, onde ministravam aulas de vídeo. A oficina foi iniciada em meados de 2010 e garantia a Rodrigo o dinheiro para as xerox da faculdade e para o ônibus pro Donana aos domingos. "Era mais um trabalho voluntário. Só era ruim porque você vê muitos casos de querer ajudar, mas não pode", afirma Rodrigo, em relação as crianças com as quais conviveu.

Também através do Orkut - rede social responsável pela aproximação com Diego Jovanholi - conheceu a igreja "Intervenção Rio", e soube que havia uma unidade da mesma em Belford Roxo. "Meu 'bum' de fé foi lá. Eu sempre tive em mente que a fé não precisava de regras". Além da Mazé, da Intervenção, da faculdade, do Cultura NI e do Pública Alternativa, Rodrigo participa do projeto PET - Conexões de Saberes na Baixada Fluminense. O baixista do black power, que enrola o cabelo com os dedos quando está nervoso ou pensativo hoje assina como "Cristão informal, músico, estudante e profissional das artes e entretenimento".
Rodrigo e Dinho Brito, na banda Mazé

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