A falta do que nunca tivemos

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

por Camilla Medeiros

Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” é um livro bastante atual. Surpreende-me a quantidade de 'previsões' que Rousseau há mais de dois séculos fazia sobre o destino da sociedade baseada no liberalismo.
Para além disso, seu livro discute – como o nome já diz – a origem da desigualdade e como ela se legitimou.

Nesse esforço, o autor traça uma linha de 'desenvolvimento' do homem, que inicialmente, em seu estado de natureza, vive isolado e seguindo seus instintos naturais básicos (comer, beber e reproduzir). Sendo assim, é muito mais fácil que esse homem se sinta realizado, pois, sem preocupações com futuro, sua felicidade era condicionada a elementos simples e de fácil aquisição.

Esse bom-selvagem, como ficou conhecido o homem em estado de natureza, perdeu sua felicidade no momento em que percebeu que poderia facilitar sua vida, fazendo as mesmas tarefas de modo mais rápido, menos trabalhoso e mais eficiente. Essa capacidade de aperfeiçoar-se deu ao homem a chave de todas as mazelas que estavam por vir.



Parece contraditório pensar que o potencial de aperfeiçoamento seria negativo, mas pensemos num homem que precise diariamente subir em uma árvore para colher suas frutas. Essa tarefa lhe exige grande esforço físico, tempo e habilidade. Quando esse homem tem a ideia de construir uma escada, seu trabalho fica mais fácil. Porém, a partir de então, o homem se veria escravo de suas criações, pois nunca mais conseguiria tão facilmente subir em uma árvore, e sem a escada, colher frutas do alto da árvore se torna quase impossível.

Vivemos hoje (e já há algumas décadas) em uma sociedade permeada por essas invenções que facilitaram a vida do homem. Não as questiono, assim como Rousseau não propunha um retorno à vida selvagem. Porém, não se pode negar a montanha de necessidades que nos são impostas diariamente. Sentimos falta de coisas que nunca tivemos, e que nunca significaram necessidades vitais de fato.

Precisamos ser inteligentes, conquistar uma carreira de sucesso, uma família estruturada (marido, filhos), carro do ano, casas (moradia, de campo, de praia), e assim sermos reconhecidos pelos outros como homem e mulheres de sucesso.

Eis então a grande diferença entre nós e o bom-selvagem: “O selvagem vive nele mesmo, enquanto o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver na opinião dos outros, e é somente do julgamento deles, por assim dizer, que obtém o sentimento de sua própria existência”.

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