Berço das quadrilhas

segunda-feira, 19 de julho de 2010

por Vinícius Tomás

Quem pensa que pra dançar em festa junina é só por um chapéu de palha ou um vestido de chita não conhece essas quadrilhas. Brilho, beleza, teatralidade, temas variados e coreografias ensaiadas, é isso que as quadrilhas juninas participantes do campeonato da Liga Independente das Quadrilhas Juninas de Nova Iguaçu (Liquajuni) oferecem para o público nos arraiás. Na quarta-feira 7 de julho, os líderes dos grupos de dança junina filiados e os organizadores de algumas festas caipiras reuniram-se para discutir as festas do mês de julho e o próprio campeonato.

Confesso ter chegado ao local da reunião, a sede do partido PSB em Nova Iguaçu, desconhecendo esse cenário cultural das festas juninas. Achei que seria um grupo falando sobre festa caipira apenas como lazer, uma brincadeira. Mas impressiona a organização do grupo. A LIQUAJUNI, que completou um ano de atividades no último dia 1° de Julho, data tambem conhecida como Dia do Quadrilheiro, é constituída como pessoa jurídica, tem presidente, conselho, tesoureiro e contador. São 16 grupos juninos de diferentes bairros e até de fora de Nova Iguaçu. Nova Iguaçu, aliás, tem uma grande concentração de grupos de quadrilha. Há em torno de 26 grupos organizados, muitos parados por falta de condições financeiras, principal reclamação dos quadrilheiros. ”Enquanto os grupos não puderem tirar um CNPJ e se legalizar para pedir ajuda financeira do governo, nós dependemos da Liga para entrar em editais e projetos estatais”, conta João Gomes, conhecido tambem como João do Xodozinho, presidente da LIQUAJUNI e coordenador de produção da quadrilha junina Xodozinho.

Formou-se um círculo e a reunião teve início com avisos de datas e horários de festas, seguido de um breve discurso de João Nunes Ferreira, figura importante na comunidade das quadrilhas e também conhecido como João da 100nome, quadrilha que ele fundou há 20 anos, completados no dia 6 de julho. O primeiro assunto abordado na reunião foi de ordem interna. Uma reformulação de diretoria e reestruturação da liga e um pacto de comprometimento dos quadrilheiros com a LIQUAJUNI. O presidente frisou em seu discurso a posição central de Nova Iguaçu no meio junino. ”Se a gente se organizar, veremos melhores dias mais rapidamente do que vocês imaginam. Temos que construir um movimento forte em Nova Iguaçu, temos que ser o polo cultural da Baixada, com ajuda de Japeri, Engenheiro Pedreira, Queimados, Belford Roxo, Rio de Janeiro e outras quadrilhas de outras cidades”.

A seguir discutiu-se o campeonato, com sorteio de horarios e das participação dos grupos em festas e indicação da comissão que vai avaliar as quadrilhas. O campeonato se realiza nos arraiás, festas caipiras em que as quadrilhas dançam, e reúne 16 grupos juninos, 11 de quadrilha de roça, mais tradicionais e com temas voltados para a cultura brasileira, e 5 de quadrilha de salão, mais luxuosos e com uma possibilidade de abordar temas diferentes. ”A quadrilha de salão tem um estilo europeu, com muito brilho, vem como se fosse um grupo rico, com muito brilho, muito luxo. Já a roça é mais como a tradição antiga. Mas hoje em dia não se faz mais as roças que botava uma calça jeans remendada e um chapéu de palha, uma gravata, aquelas coisas antigas que era gostoso de ver na época”, diz João da 100nome.

Temas
O presidente da 100nome explica melhor a diferença das quadrilhas juninas que disputam o campeonato da Liquajuni. “Hoje em dia os grupos independentes quase não têm festa pra dançar e por isso têm que participar de um liga." Os regulamentos das ligas impõem uma série de quesitos, que vão da dança à animação, da criatividade ao conjunto, da indumentária ao tema. "Todos os grupos são obrigados a falar uma história segundo a sua categoria. Se é de salão, fala de uma festa da corte ou de algum pais. No estilo roça vem falando do Brasil ou de alguma história junina. Mas é obrigatório ter um tema.”

Também discutiu-se uma proposta de lei, de autoria da vereadora Professora Marli, que daria apoio para os grupos juninos trabalharem. “Ela disse que estava criando uma lei para que as festas juninas entrem no calendário da nossa cidade e que vai ter orçamento para ajudar a montar as quadrilhas e também para fazer polos de grandes festas”. Segundo João da 100nome, a grande dificuldade dificuldade é conseguir ônibus para deslocar os grupos para os bairros e verba para botar os grupos na rua.

Durante a reunião uma frase dita pelo presidente João da Xodozinho chamou a atenção. “Nova Iguaçu é o berço junino do Rio de Janeiro”. Pedi melhores explicações para João da 100nome e me surpreendi com a dimensão que as festas juninas têm na cidade. “No Rio de Janeiro, você encontra 10 grupos de quadrilha. Belford Roxo são 3, 4. Em Caxias, 4, 5. Já em Nova Iguaçu são 26 grupos. Mas só 16 estão funcionando porque alguns não têm condição de se manter.”

Rio de Janeiro
A Liquajuni acolhe quadrilhas do Rio de Janeiro, como o Gonzagão de Campo Grande, que, depois de 10 anos parado, volta agora com uma nova gestão. “Tenho um grupo junino há 21 anos na estrada e estou aqui fazendo um ‘intercâmbio’, participando da organização desse grupo”, diz William Santero. As quadrilhas juninas de Nova Iguaçu se espalham por bairros remotos como Cabuçu e Km 32, onde são limitadas as opções de lazer e cultura.

Os quadrilheiros estão conscientes de sua função social e de sua posição como produtores de cultura na cidade. Eles pedem o apoio do governo para manter o trabalho que fazem nas suas comunidades. “Nós queremos entrar no calendário de festas de Nova Iguaçu", diz João da Xodozinho, que está disposto a brigar por um quinhão do orçamento da cidade. Uma das estratégias adotadas pelos quadrilheiros é chamar os grupos para conversar, dando cursos preparatórios de formação de produtores culturais. "Somos produtores culturais comunitários e muitas vezes não somos reconhecidos por falta de um papel, um diploma. A gente podia estar fazendo muita coisa, mas sozinho é dificil. Independente de governo, você pode ter certeza, se der condições e apoio para gente, mesmo sem dinheiro vamos fazer grandes coisas.”

Apesar das dificuldades, os quadrilheiros continuam lutando para que essa tradição não tenha fim. O momento agora é de fazer o movimento junino de Nova Iguaçu voltar a ter a relevância de antes. "Antigamente todo mundo do rio queria vir para Nova Iguaçu, mas depois todo mundo fugiu", lamenta João da 100nome, que acredita poder atrair esse mesmo público. "Temos tudo para dar certo, só depende da gente. Nem tudo é so alegria, tem tristeza, aborrecimentos, gastos, mas não podemos deixar essa tradição morrer. Mesmo porque a gente gosta e se a gente gosta tem que correr atrás".

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