por Jefferson Loyola
Quem nunca teve a curiosidade de saber o que se passa dentro de um ritual de iniciação (epilação) no candomblé, mesmo não sendo uma pessoa da religião que ainda não é iniciada? Eu sempre tive esta curiosidade. Uma curiosidade reforçada devido nascer dentro de um terreiro de candomblé onde a Iyálorixa (Mãe de santo) era minha avó. Desde pequeno acompanhava os toques (festas), e sempre tentava saber o que acontecia quando uma pessoa recolhia dentro do sagrado, ou ronkó, para ter sua iniciação na religião.
Na década de 1950, uma grande polêmica em relação a este assunto se fez presente no Brasil e não só aqui, mas também na França. Uma reportagem sobre este processo no candomblé de Salvador foi publicada na revista francesa Paris Match. O cineasta francês Henri-Georges Clouzot ilustrou com fotos a matéria que foi publicada na revista. Fotos essas que mostravam o Labé (raspagem) de filhas de santo da casa de Mãe Riso da Plataforma, falecida em 1995.
A revista brasileira “O Cruzeiro”, não querendo ficar por trás do furo dado pela revista francesa e por ser a mais influente no país na época, também fez uma publicação com fotos de José Medeiros mostrando o que acontece dentro do sagrado, com o título: “As noivas dos deuses sanguinários”. Esses furos enfureceram a comunidade afro-brasileira que mantém todos os ritos em segredo, revelados pela primeira e única vez.
Candomblé não é igual a receita de bolo. Cada Ilê (casa de santo) é de uma forma e cada nação é de um jeito. Por mais que os ingredientes permaneçam os mesmos, cada diferença que acontece em um determinado ritual, um modo diferente de segurar uma mão, tem seu significado e tem muita importância. O ritual de iniciação é uma preparação para você receber seu orixá em seu corpo, para que ele venha com mais frequência na matéria. O processo de 21 dias de recolhimento permite que você entre em total comunhão com seu orixá.
Alto custo
Recentemente, há um pouco mais de 21 dias, tive o privilégio de receber essas férias espirituais dentro do ronkó. Há bastante tempo que meu orixá vem pedindo a minha iniciação dentro da religião, mas tive que adiá-la por causa da escola. Além de ser um enorme sacrifício dedicar 21 dias sem contato com o mundo exterior ao quarto sagrado, ronkó, há a questão do custo. É preciso comprar muitas coisas para se fazer a iniciação.
São poucas as pessoas com que se tem contato ao longo desses 21 dias dentro do sagrado. O maior deles é com a Iyagibonan (mãe criadeira), responsável em criar e cuidar de quem está se iniciando. Além da mãe criadeira, podem acompanhar a iniciação algumas pessoas do Ilê que já passaram pelo mesmo ritual. Todas as emoções são alteradas e a pessoa fica frágil. “Todos que somos babalorixás e Iyálorixas já passamos pela iniciação. É difícil? Sim. Mas nada que não seja suportável”, explicou Rodolfo Oliveira, Babalorixá há 25 anos.
A iniciação representa a morte da sua vida antiga e o nascimento para uma nova. O ronkó é como se fosse um útero materno e quem carrega este útero é o nosso orixá. Por causa desse nascimento ocorre o ritual do Labé (raspagem), onde se perdem todos os cabelos do ori (cabeça) e acontece toda uma preparação para que o seu orixá se fortaleça na matéria, através de seu ori.
“Eu quase enlouqueci, pois sou uma pessoa completamente ativa e ficar todo esse tempo sem nenhum contato externo e sem poder fazer nada mexeu muito comigo”, contou Thamires Cunha, iniciada há dois meses. Como todo bebê que acaba de nascer, o neófito que ali se inicia não pode fazer nada a não ser descansar para estar fortalecido para cada orô (rituais). Situações iguais à de Thamires é o que mais se encontra quando conversamos sobre os sentimentos sofridos por um iniciado no período dos 21 dias. Eu mesmo tive dias de querer fugir e não ficar nem mais um minuto ali.
Carne vermelha
Você abre mão de todo o conforto que tem em casa e começa a ser criado como um bebê, com hora para comer e dormir, além de muitas restrições alimentares. “O que mais senti falta nesses dias dentro do ronkó e não só neles, mas, também, nos três meses depois, foi a falta de carne vermelha”, afirma Claudia Perreira, iniciada há quatro anos. Além dos 21 dias recolhidos dentro do sagrado, o iniciado passa três meses em resguardo (algumas restrições).
Após todo o preceito ocorrido dentro deste quarto sagrado, tem a saída de santo, uma festividade aberta para todos onde o santo do iniciado dá seu nome (orunkó) e dança. “Depois da saída fiquei menos preocupada e todos os sentimentos giravam em torno da alegria que gerou a festa”, conta Marcina Rodrigues. Marcina recolheu junto comigo e a vi chorando com saudades da família diversas vezes. “Parecia que estava no ‘Big Brother’, sendo observada. Comecei a entender a saudade que cada participante tem em relação ao mundo fora da casa, que no meu caso era somente um quarto. Porém, o que fazia minhas lágrimas secarem era que a iniciação é um momento de felicidade por causa de um novo nascimento”.
O ronkó é o verdadeiro Big Brother do Candomblé, onde as câmeras e os telespectadores são os orixás que estão presentes em espírito, e quando incorporados no iniciado, em matéria. Onde é permitido enlouquecer e ao mesmo tempo recuperar a sanidade com o amor ao orixá. As únicas pessoas que podem saber dos segredos do sagrado são aqueles que por ali passaram e sentiram na pele todas as emoções que este útero pode causar. Mesmo como um repórter e os dedos coçando para escrever cada detalhe minuciosamente e os acontecimentos diários. Mantenho a tradição e guardo todos os segredos que me foram concebidos pelos orixás.
Big Brother do Candomblé
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Marcadores: É Nóis, Jefferson Loyola
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4 Comentários:
Boa matéria Jeff. Bem vindo de volta ;**
Obs: Textos assim são importantes para a quebra de pré conceitos. Parabéns.
Adorei sua matéria, hoje eu consigo ver tudo isso e um modo diferente sem descriminações.
Parabéns !
Adorei a comparação com o Big Brother.
A nossa vida espiritual sempre será um Big Brother,pois estamos sento observados pelos nossos Inkises(Orixás).Que nos fortalece sempre que necessário.
Parabéns!!!
Minha saudosa Mãe Riso da Plataforma. Saudades eterna.
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