Mundo do vinil

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

por Fernando Fonseca

Na pressa do dias atuais, nos vemos obrigados a correr contra o tempo, desenhando velozmente rotas com nossos passos. Sem prestarmos muita atenção no universo de possibilidades que se apresenta ao nosso redor, somos movidos pela constante ausência de tempo. Cores, pessoas, formas e coisas que nos passam despercebidos... Coisas mágicas, eu digo!

Dentre essas coisas mágicas ignoradas por nós, encontra-se ‘Carioca’, um senhor aposentado, que trabalha como vendedor de LPs há mais de 40 anos, que se idenfitica tanto com o apelido que prefere não revelar seu nome. Como dizem, todo herói prefere manter sua identidade em segredo.


Morador de Nova Iguaçu, mais precisamente na Estrada de Madureira, trabalhando há dois anos em nosso município como vendedor ambulante, Carioca diz já ter trabalhado como vendedor de vinil na escadaria do Theatro Municipal, no Centro do Rio de Janeiro, na década de 1970. “Naquela época eu tinha fregueses como Sérgio Cabral pai e filho, ambos sempre gostaram muito de Bossa Nova. Bezerra da Silva sempre comprou seus discos comigo também. Na verdade, quase todos os artistas compravam seus LPs comigo no Municipal. Foi lá que eu ganhei esse apelido. Sou bem conhecido por lá!” diz o vendedor.

Nascido em São Luiz - Maranhão, em 1957, Carioca trabalhou como marceneiro e, por causa de um acidente de trabalho, teve que se aposentar em 1978 por invalidez. O fim de uma vida? Não! O começo, apenas... “O salário é muito pouco e hoje em dia eu vendo somente quinze discos por semana, aproximadamente. Por isso classifico isso
como diversão e não como trabalho. Meu sonho é poder abrir uma loja e poder vender meus discos tranquilamente, sem precisar ficar me deslocando de um lado para o outro com medo da guarda municipal”, conta Carioca.

A ligação de Carioca ao mundo da música não se limita, porém, ao simples ato de vender discos. “Tenho mais de 60 mil discos na minha casa", contabiliza ele, que os coleciona desde 1958 e lamentar não ter mais espaço para guardá-los. "Eu compro o vinil dos fregueses. Eles me ligam e eu vou até a casa deles buscá-los. Todos os que eu vendo eu já possuo, mas os da minha coleção eu não vendo!”, confessa o artista, com um brilho mágico nos olhos. Outra mania de Carioca é colecionar cartões telefônicos, que já estão em 30 mil.

Casado e pai de dezoito filhos, Carioca se sente triste com o fato de seus filhos não quererem seguir seu caminho. “Gostaria que meus filhos dessem continuidade a esse trabalho que eu faço. Eu represento, aqui na rua, todos os cantores, tanto os vivos quanto os que já se foram, que fazem parte do mundo do vinil. Acho importante que essa cultura se mantenha viva e queria vê-los dando continuidade a ela”, diz, substituindo, rapidamente, o semblante de tristeza por um sorriso a um só tempo nostálgico e orgulhoso.

Para encontrar um personagem tão popular e excêntrico como Carioca, não é preciso ir até a escadaria do Municipal, nem tampouco andar tanto para isso. Sentado na calçada, em frente ao Instituto de Educação Rangel Pestana, localizado na Rua Doutor Luiz Guimarães, no calçadão de Nova Iguaçu, contemplamos esse homem de traços ressaltados e personalidade marcante. Um mito vivo esperando ser visto, perdido pelas ruas da cultura por nós ignorados.