Museu para os deuses da floresta

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

por Abrahão Andrade


Uma noite de muito axé para Cabuçu. Foi assim a inauguração do Instituto de Pesquisas Afro-cultural Odé Gbomi, que ostenta a alcunha de ser o primeiro museu totalmente afro do Rio de janeiro, de acordo com os registros em catálogos. O evento aconteceu no dia 28 de agosto, em Valverde, um lugar que além da carência de recursos básicos de urbanização, ainda é pobre em eventos artísticos de qualquer porte. As festividades se deram sob o ritmo do forró, na área externa, que chamou a população para fazer parte daquela grande cerimônia.

Ao entrar no espaço, nota-se a riqueza de detalhes dos ornamentos africanos. Tanto detalhe leva o convidado a um olhar mais apurado para os contornos das obras e tótens africanos. Para aquela noite, foi posta uma belíssima e majestosa mesa de frutas diversas, que caracteriza a comunhão com a natureza, a principal característica das religiões africanas. Trajes coloridos e imponentes de homens e mulheres davam apenas alguns exemplos da beleza da nossa cultura ancestral.

Estiveram presentes para as festividades importantes membros da comunidade afro-brasileiras do Rio e Salvador e até mesmo o ex-ministro do Meio Ambiente, deputado Carlos Minc. Nomes do cenário artístico local, músicos, artistas pláticos e a rapaziada da Rádio Rua.

A celebração marcou o início das atividades do espaço como centro de pesquisa, uma luta de 30 anos pela concretização do projeto. Reconhecido pela Prefeitura Municipal, o instituto é uma das poucas ongs da cidade a ter toda documentação legalizada, com CNPJ, alvará precário e os alvarás do Corpo de Bombeiros. A casa foi cedida pelo próprio diretor do espaço, Antônio Montenegro, que diz que o fez em nome do desejo de tranformar sua casa em um centro de pesquisa aberto ao público. O nome da entidade é uma homenagem ao deus da caça e da floresta, já que Odé significa chefe dos caçadores e Gbomi, aquele que mora no fundo da floresta.

Uma das prioridades do instituto é resgatar as tradições africanas em geral, mas a em particular a língua nativa nigeriana, o Yorubá. "A língua nativa Yorubá está se perdendo, pois desde a formação do país em que vivemos houve políticas para proibir e desqualificar a cultura do negro", afirma Antônio, para quem ela é a principal ferramenta de ligação com os orixás. Pensando nisso, são oferecidas aulas da língua africana à comunidade, com professores nigerianos residentes no Brasil.

O projeto não é apenas de cunho religioso, mas também cultural. Além de aulas de Yorubá, o Instituto de Pesquisa Afro Cultural Odé Gbomi usará a capoeira para passar noções de disciplina, respeito e educação, bem como de interagir com a comunidade. "A capoeira é um instrumento de cidadania, onde crianças, adolecentes, jovens e adultos aprendem como usar o esporte para benefício próprio no ambiente escolar, familiar, na sociedade, no combate às drogas e a qualquer tipo de violência", diz o Mestre Besouro, que ministrará as aulas.

O museu foi criado em Valverde propositalmente, para criar na população o sentimento de pertencimento, pois está entre seus objetivos tornar-se parte integrante da localidade. "O instituo de pesquisas Odé Gbomi pretende fazer com que as pessoas conheçam de perto as nossas raízes, pois ainda somos vítimas de preconceito até os dias de hoje", diz a mãe-de-santo Janice, que do alto dos seus 24 anos de militância na religião afro-brasileira afirma com certeza que não há um espaço como este em todo o Rio de Janeiro.

A diferença primordial entre o Odé Gbomi e um terreiro de candomblé tradicional é que este é voltado para a pesquisa didática, a leitura. Já o terreito é onde o rito acontece "na prática", também servindo como templo religioso.

O grande acervo de esculturas e máscaras tribais é uma das atrações do museu. As peças, adquiridas ao longo de anos de pesquisas, agora fazem parte de uma esposição permanente. Algums dessas peças, produzidas por artesãos africanos, foram compradas na Europa. A biblioteca do museu ainda é modesta, mas já conta com livros de cunho historiográfico, iconográfico e pictográficos, além de romances e livros do folclore africanos (não só da Nigéria, mas também de outras partes do continente negro).

O diretor e mentor da centro de pesquisa espera que a Prefeitura de Nova Iguaçu o ajude a manter o espaço. "Esta casa não é mais unicamente minha, mas da comunidade sem distinção. Queríamos que o nome do Odé Gbomi constasse como roteiro turístico de Nova Iguaçu, assim como o Vulcão, para que se organizem visitações e trabalhos voltados para crianças e adultos com o único objetivo de informar e educar", diz Antônio, que acha que a cidade só tem a ganhar se a história afro for salvaguardada. Mas alerta. "O Instituto de Pesquisas Afro-culturais Odé Gbomi vai continuar pela nossa vontade, independentemente de haver ou não ajuda dos orgãos superiores."

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