por Yasmin Thayná
"Nací en el centro de la ciudad." Com seu linguajar sofisticado, roupas e uma cabeleira inconfundível, Bruno Felipe Duarte da Silva tem 23 anos, é morador do centro do Rio de Janeiro, estudante do último período de cinema na PUC e orientador de cultura digital da Agência de Redes para a Juventude, um dos projetos sociais mais badalados da atualidade.
Ele fez um longo caminho até se definir pelo cinema. A caminhada começou com a descoberta pelo teatro quando tinha apenas dez anos, quando os irmãos estavam optando pela informática. "Eu escolhi o teatro", lembra ele, que foi tão feliz no palco que chegou a pensar que seria ator.
Com as boas notas no Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, entrou na faculdade de publicidade por se achar uma "pessoa muito criativa", que abandonou no segundo período. "Com isso, fiquei na dúvida: mudo ou não mudo? Ganhar dinheiro ou não ganhar dinheiro? Eu vou fazer cinema, foda-se." Mudou para cinema sem deixar de lado o teatro, as performances e os textos.
Barata noiva
Ao criar um blogue, Bruno se permitiu escrever textos mais abertos, que não eram literários. Nesse blogue, ele escreveu um monólogo que, atualmente, está ensaiando. "Demorei muito para chegar a um nome, mas se chama, agora, Barata Noiva", diz Bruno cheio de orulho do monólogo, que fala sobre crise emocional que a maioria das pessoas passam na vida. "A gente vive um momento de crise e essa pessoa é totalmente deslocada, não sabe se é homem, mulher, se é preto, se é branco, se tá apaixonado, se não está apaixonado, cria um personagem na cabeça, se estrepa, mas vai com fé porque sabe que tem que se estrepar na vida."
O monólogo foi escrito e negociado com uma rede de amigos que ele resolveu juntar para auxiliá-lo na montagem e apresentação. A estreia vai ser num lugar superalternativo: uma galeria de artes plásticas aberta a novas linguagens artísticas. "Na verdade, nada é autobiográfico, mas tudo tem a sua impressão, a sua visão de mundo. Quando eu sintetizei o texto e fechei, disse: 'caraca!' Foi a minha primeira obra: a barata noiva. Vamos estrear ali no centro, na Resende," diz feliz por ser sua a primeira peça apresentada no espaço, que coincidentemente é coordenado pelo artista plástico iguaçuano Raimundo Rodrigues.
Esse não é o primeiro texto teatral de Bruno Felipe, que em adaptou um conto de Machado de Assis, Casa ou não casa, montado no sistema de produção independente. "Juntamos uma galera e fizemos. Pegamos uma casa velha na Tijuca e ambientamos a peça lá. O conto fala de um cara que está dividido em duas namoradas. Uma coisa bem batida que a gente conseguiu dar uma linguagem bem moderna. No decorrer da peça, as pessoas ficavam meio surpresas e falavam: 'oh! mas como vocês fizeram isso com Machado de Assis?' A gente acendia uma luz vermelha, mulheres de lingerie. Foi uma coisa diferente", conta ele que acabou de dirigir o documentário chamado Mamão Papaia, sobre três jornalistas que moravam em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que sempre se sentiram deslocadas em relação ao lugar em que viviam. "Uma delas foi apelidada de roqueirinha. Ela passava e as crianças perguntavam: 'você é roqueirinha, né? Você é maluquinha, né?'"
As personagens do seu documentário revelam a entrada da classe popular na universidade. "Quando elas foram trabalhar e estudar, precisaram se mudar pro centro por conta do deslocamento diário. Com essa necessidade, juntaram cinco pessoas de Bangu e dividiram uma residência no centro. Era um apartamento de um quarto e passaram por vários perrengues, muitas dificuldades. Mas que acabou virando uma referência para os moradores de Bangu. O filme é um caldeirão, um microcosmo da Lapa dentro desse apartamento que se chama Mamão Papaia. Falamos de preconceito também. Na história, uma das meninas foi para a Alemanha e sofreu muito preconceito lá. Uma criança chegou para ela e perguntou: 'quando você vai ficar branca?' Tem também uma que é mais poética e está perdida no mundo. Se sente a pior pessoa do mundo, enlouquecida e não se achou ainda. Tem "N" questões. Fizemos um recorte porque seria impossível falar de tudo, mas conseguimos construir uma história. O filme ainda não está disponível na internet porque é muito recente e eles não têm autorização da universidade ainda."
Disputa na biblioteca
Apesar do interesse pela arte, Bruno Felipe só despertou para a leitura por causa da competição que mantinha com uma amiguinha do bairro, com quem disputava para ver quem tinha mais anotações no cartão da biblioteca pública existente na comunidade. "Mas a gente só lia Harry Potter, essas coisas que adolescente gosta. E o estalo que a gente escuta num determinado momento da vida nos possibilitou ler coisas mais sérias e fundamentais para a nossa formação intelectual", diz ele, que só se interessou pela escrita ao começar a fazer trabalhos para a faculdade.
Todas as coisas que Bruno fez foram decisivas em sua vida. Prova disso foi estágio numa produtora que fazia o site Saraiva Conteúdo. "Era um jornalismo cultural," diz ele, apontando pro campo mais artístico do mundo. O Saraiva Conteúdo é uma iniciativa de Marcio Debellian e Bruno foi selecionado para atuar como repórter, porém exercendo a tarefa do "faz tudo", que vai desde ligar para as assessorias até o pedido para gravar em locações públicas e privadas. "Eu tinha muita liberdade. Eu podia pedir um roteiro de um programa para levar para casa, analisar e escrever uma crítica que estaria no site da maior livraria do Brasil. Foi muito impactante e eu não sabia a relevância disso até esse contato com meus amigos que entravam no site e diziam: 'que texto bacana!'"
Essa experiência foi muito impactante na vida de um menino de 20 anos. Como repórter de conteúdo da maior livraria do Brasil, um dia entrevistava a Vanessa da Mata e no outro, o José Bechat. "Pô, entrevistava o José Boechat, um artista plástico que estava bombando, fazendo aniversário de 20 anos de carreira, com três exposições, montando livro. Era muito distante da minha realidade, nunca pensei que ia fazer isso."
Na Saraiva Conteúdo, ele trabalhava trabalhava de segunda a sexta, seis horas por dia, trancado numa sala do Jardim Botânico. Mas valeu a pena. "Lá eu aprendi a escrever um texto jornalístico. Eu lia um livro para entregar a crítica dois dias depois. Acabei fazendo menos matérias na faculdade para consegui conciliar. Eu sou muito preguiçoso e ali, meio que forçado, eu produzia coisas interessantes. E quando saí, eu adotei esse ritmo na minha vida. Eu não preciso mais de um chicote para entender que eu tinha que acordar mais cedo para escrever um texto ou ler um livro, pra depois ir pra faculdade, voltar e terminar o que não deu. Peguei um ritmo de escrita e responsabilidade. Antes, eu ficava no estágio da PUC, fazia minha edição, subia pro site e ia pra minha vida. E com o Saraiva Conteúdo, o trabalho ganhava outra dimensão na minha vida. Depois da Saraiva conteúdo, fui para a Agência de Redes para a Juventude. Hoje eu continuo sendo repórter e orientador de cultura digital."
Museu da Lapa
Recentemente, Bruno entrou no bonde de Raphi Soifer, estudante que veio de Massachusetts, nos Estados Unidos, para fazer mestrado na UFF em artes. "Ele me convidou para fazer performances na Lapa que discutem a revitalização. Já fizemos uma que foi Pomba-giras. Pesquisas lapianas que ele chama. Duas pomba-giras rodando perguntando: onde começa a Lapa? Onde termina a Lapa? O que você faz na Lapa? O que você curte na Lapa? Para saber do público e o que as pessoas estão achando dessa revitalização. Não sendo xenofóbico, mas ao perguntarmos as pessoas, elas diziam que estavam gostando da Lapa porque não tem mais assalto, tem policiamento, ordem e tranquilidade. Não tem mais morador de rua. A Lapa não tem mais aquela cara que tinha antes, de dia. Os bares estão todos fechados, só tem aqueles que vendem PF. Tinha outro movimento na Lapa. Era diferente."
O museu de colagens urbanas é uma atividade que Raphi e Bruno estão fazendo na Lapa. O primeiro museu foi feito semana passada. "Eu passei, olhei e fiquei olhando. Quando eu dei conta, era o Bruno! Adorei. Tava lá sambando direitinho", diz a estudante de jornalismo Silvana Bahia. O museu tem personagens caracterizados como boêmios cultos, o sambista da Lapa e a libertária da Abolição. "Eu ia fazer a libertária da Abolição, que fazia uma crítica de racismo e gênero. Eram quatro artistas que iam fazer ali na rua mesmo. Um curador levantaria as placas e jogaria com a gente, indicando os personagens. Tinha uma hora que o púlico viraria o curador, que apelidamos de Currador."
O teatro e o jornalismo estão muito presentes na vida de Bruno, o que é uma ironia na vida dele. "Eu fazia cinema, cheguei a fazer publicidade e o meu primeiro estágio era com jornalismo. Ninguém me queria no cinema mesmo", brinca ele que, antes da Saraiva, havia feito uma experiência com edição. "Era dentro da faculdade. Edição pra TV da faculdade e alguns curtas que não eram meus. Até que eu editei o Mamão Papaia, que era meu. Ganho meu dinheiro com edição. Eu fui assistente de edição do programa História sexual da MPB, do Canal Brasil, que é do Rodrigo Faour, que tem um livro muito bacana de pesquisa. Acabamos ficando muito amigos", revela ele, que acabou de editar uma videoarte que estará na exposição do Carlos Vergara.
Outra coisa que incomoda Bruno é quando perguntam o que ele quer ser na vida. "Me perguntaram um dia desses: 'você vai se formar esse ano. E o que você quer fazer? Vai se especializar em que?' Poxa, eu não quero pensar nisso agora porque estou me formando e a dúvida faz parte da sua formação. Eu já escrevi critica de cinema, música, literatura. Editei e produzi coisas. Atuei. Estou experimentando, mesmo sabendo que terei de ter um rumo. Mas hoje para mim o rumo é não ter um rumo definido," finalizou.
2 Comentários:
Adorei, nossa muito interessante. Quero assistir esse documentário Mamão Papaia porque sou de Bangu e enfrento o mesmo problema de locomoção.
Foda! Tanto o Bruno com sua versatilidade e sua verve latente que engloba toda sua criatividadee originalidade.
E você, cara Yasmin, com seu talento marcante, preciso...
Eu adorei, como sempre!
Mandou bem moça, luz.
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