Devaneios, surpresas e saudades

domingo, 14 de agosto de 2011

por Vinicius Vieira


Nada como colo de vó. Aquele cheirinho de comidinha caseira, aquele ombro, aquele abraço e até mesmo aquele sermão. Ainda lembro de meus onze anos, morando com aquela velhinha doce e às vezes amarga que eu chamava de “Véia”. 

Lembro-me das inúmeras vezes que ela ligava de seu trabalho e dizia “tenho surpresas pra você” e eu enchia o saco da minha mãe dizendo pra ela contar o que era. Apesar de ter se tornado previsível que ela traria sempre um saquinho de pipoca e alguns bombons, a emoção de ver que a Véia se lembrou mais uma vez das “surpresinhas” pra mim, era enorme. Ela chegava e dizia: “Ó, trouxe pipoca e bombom, mas come escondido do seu pai porque ele vai brigar comigo”. Eu adorava aquele espírito aventureiro de ficar no quarto da vozinha e comer tudo antes do meu pai chegar do trabalho.

“Dona Lionir, a senhora tá estragando esse menino com todo esse mimo”, dizia sempre meu pai, depois de eu levar uma boa surra por ter quebrado alguma coisa dentro de casa e ia chorar no colo da Véia Lionir. Ela, tomando minha dor como sua, chorava junto comigo, dizendo que tudo aquilo era pra me educar e que não precisava chorar. “Mas vó, a senhora tá chorando também”, respondia. Ela ria e aquilo se tornava um momento de descontração.

O tempo foi passando e a veinha foi ficando cada vez mais senhora de idade, até chegada a hora que eu teria que ajudá-la a levantar-se do sofá. “Vem cá menino, ajuda a vó que eu te dou dois reais”. Eu ia, enquanto minha mão falava: “Mamãe, pare de dar dinheiro pra esses meninos que eles só sabem comer besteira na rua”. 

Alguns anos depois, minha vozinha foi pra longe. Saí de seu colo, quero dizer, retiraram meu colo preferido de consolo, aquela caminha com cheiro de velhinho e aqueles chororô quando eu apanhava. Era só eu e a saudade da Véia.

Tempos depois,  todos já sabiam que hora ou outra dona Lionir iria partir. Algumas semanas antes eu fui visitá-la e ela disse: “Filho, vovó te ama. Tem 10 mil dentro da minha bolsa que ficou na sua casa”. Eu ri na hora, mas aquilo não saiu da minha cabeça. Todos disseram que era um devaneio dela ou que sera causado pelo velho alemão Alzheimer. 

Após sua morte, voltei pra casa e fui direto à procura da  tal bolsa. Sim, lá haviam 10 mil... cruzeiros! “Sabia que aquilo não era um devaneio, aqui estão os 10 mil. Vovó não era louca, mãe, até angu a baiana ela sabia ensinar a fazer”, disse à minha mãe e rimos.

Da minha Véia, guardo até hoje seus conselhos, o cheirinho da caminha de velho, as lágrimas e os 10 mil cruzeiros. Porque nada disso são devaneios.

3 Comentários:

Raize Souza disse...

Texto lindo, sua vó era linda e me deu uma saudade de um colo de vó arretado ..kkkkk

Raize Souza disse...

Ah, vc era tão lindo*-*.. não devia ter crescido naum!! kkkk

Vinicius Vieira disse...

vish, essa foto eu peguei na internet, Raize. rsrsrsrs Não sou eu, nem minha vó. :(

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