Mergulho na alma humana

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

por Tony Prado

Amor, humor, verdades e mentiras se misturam no jogo cênico de “As Traças da Paixão”, escrita por Alcides Nogueira e dirigida por Marco Antonio Braz, com Lucélia Santos e Maurício Machado no elenco. “É a peça mais teatral que escrevi até hoje. Um grande duelo entre os personagens Marivalda e Paco, que reproduz o jogo teatral com todos os seus arquétipos”, diz Alcides Nogueira.

Na equipe de criação, Juliana Fernandes é a cenógrafa, Roberto Cohen criou o desenho de luz, Tunica fez a trilha musical, Mario Campioli cuidou do visagismo e Breno Sanches foi o assistente de direção. Uma realização da Manhas e Manias de Eventos.



Escrita em 1994, “As Traças da Paixão” brinca com verdades e mentiras numa tragicomédia de sabor popular que estimula reflexões sobre sentimentos antagônicos que nos acompanham por toda a vida: o amor, o ódio, o companheirismo, a solidão... as traças da paixão que nos alimentam e corroem. Numa linguagem atual, bem brasileira e com boas doses de humor sarcástico, une apelo popular e citações históricas (a princesa Anastácia, herdeira dos czares russos) e teatrais (Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, Tchekhov, Sófocles).

Facetas diferentes para os mesmos arquétipos singelos e anônimos, cômicos e poéticos, mas sempre despertando grande cumplicidade e rápida comunicação com o público. Afinal, é desses contrastes e contradições que são feitas as relações humanas. Alcides Nogueira resume: “em As Traças da Paixão fui buscar referências no próprio fazer teatral. Na magia que podemos inventar a cada momento, usando e abusando dos mitos. Em Édipo, que duela com uma Jocasta que pode ser Anastácia da Rússia, que pode ser Marivalda Revólver. Como ele pode ser apenas o vagabundo Paco, minha homenagem a Plínio Marcos, que contava histórias como poucos. E essa é uma história!”

Forças em conflito
Para o diretor Marco Antonio Braz, Alcides Nogueira no fundo está falando do amor e da morte, que são temas rodriguianos. “Mas a forma que o Alcides usa para expressar o tema amplia e muito o leque através de diversas citações artísticas, que vão de Nelson até Tchekhov, passando por Plínio Marcos. É um jogo aparentemente simples, mas altamente sofisticado que permite a duas forças se conflitarem por sessenta minutos nas personas do masculino e feminino, sustentando ambiguidade que não nos permite afirmar se são: Anastácia Romanov, princesa russa herdeira do império e seu filho perdido, Jocasta e Édipo, Marivalda Revólver e um trambiqueiro chamado Paco ou simplesmente um homem e apenas uma mulher”, afirma o diretor.

Segundo Braz, o talento do elenco foi fundamental para a montagem. “Acima de tudo ambos são excelentes artistas e profissionais o que por si só já justificaria a escolha. Mas são, sobretudo, atores versáteis do tipo que conseguem tanto acionar a chave da comédia quanto do drama”, afirma.

Mas, segundo ele, os personagens do Alcides ainda pediam mais. “Lucélia Santos é uma atriz especialíssima, que marcou a memória do público com grandes personagens, mas sempre esteve acima destes com seu carisma e personalidade que o mínimo que se pode dizer é que é forte. Lucélia é uma força da natureza aliada a uma consciência da verdade. Nada é superficial com Lucélia."

A escolha do texto foi do ator Maurício Machado, a quem Alcides Nogueira apresentou a peça em 2005, convidando-o a fazê-la. “Ele é uma surpresa agradabilíssima, pois é acima de tudo um desses atores de teatro que por sorte reúnem qualidades ancestrais: máscara teatral bela, forte e expressiva, corpo treinado e pronto para o jogo, e uma voz capaz de abraçar o público de um grande teatro sem esforço”, elogia o diretor. “O que faz de Maurício um animal cada vez mais raro nos dias de hoje: um bicho de teatro. Foi dele a escolha do texto e tenho certeza que é seu amor a este personagem que anima e alimenta a todos nós da produção. Ele empresta a paixão e o talento necessários para viver Paco.”

Nada assusta
Lucélia Santos se apaixonou pelo texto de Nogueira e por sua Marivalda. “A personagem é ótima, por isso quis fazer a peça”, afirma. “Talvez tenhamos até alguma semelhança. Assim como Marivalda, nada me assusta, nem na peça, nem na vida.”

Já Maurício Machado define Paco como um trambiqueiro. “Ele é uma dessas pessoas que não tem espaço no mundo, carinho, afeto e está em busca da sua mãe”. Para ele, a montagem é um dos maiores desafios dos seus 22 anos de carreira. “É uma das coisas mais difíceis que já fiz em teatro. Estamos no limite da construção e desconstrução teatral o tempo inteiro. É um espetáculo hipnotizante e vigoroso onde não existe protagonista do bem ou do mal, os papéis se invertem a todo instante, um mergulho na alma humana, nas diferentes pessoas que somos e podemos ser. Uma viagem teatral deliciosa”.

E completa: "Quando li o texto pela primeira vez, fiquei encantado e fascinado pela carga teatral e a brilhante condução dramatúrgica, que passeia despudoradamente por memoráveis referências e citações do teatro contemporâneo e universal, agregando com preciosidade gêneros e estilos, deleitando espectadores e propiciando um grande vôo de interpretação, daqueles que nós atores perseguimos o tempo todo em nossas trajetórias. "As Traças" é jóia preciosa e rara. Para nós atores e o público!"



Sinopse – A partir de uma estória real, de uma mulher que se dizia ser a princesa Anastácia Romanov, o texto conjuga muito humor e poesia e se desenvolve através das relações entre dois personagens arquetípicos do imaginário brasileiro: Marivalda, a dona de um bar de beira de estrada que se fez sozinha no mundo, e Paco, o malandro desocupado e sem rumo nem parada. Eles assumem ao longo da peça, várias nuances para os papéis com sentimentos e relações muito distintos, numa ambígua narrativa em torno de um casal, onde qualquer um pode se imaginar sendo qualquer outro.

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