De volta ao trem

sexta-feira, 20 de maio de 2011

por Hosana Souza

22h15m – Central do Brasil. Composição com destino ao terminal Japeri. Trem parador, tempo estimado de viagem: uma hora e quarenta minutos.

“Vem que tem, vem que tem. Economia é com o gordo do trem”, grita com chocolates a um real e sorrisos gratuitos Pedro Bezerra. Engana-se profundamente quem supõe que o trem é um simples transporte público. A sagaz e exploradora Supervia avisou: “O Rio passa por aqui”. O trem, principalmente nos horários de rush, é simplesmente o maior pedaço de vida da cidade.

Primeiro vagão

“Esse é o vagão que não paga a conta de luz”, brinca a diarista Luciana Lima com o fato de que raramente as luzes desse vagão estão acesas. O que não é de modo algum um incômodo. Para os dorminhocos de plantão, o balanço do trem é melhor que qualquer música calma e um quarto de dormir. “O trem é um berço pra mim”, diz o jornalista Vinicius Tomas.


Segundo vagão
“É o Japeri?”, perguntei ao moço que comia pastel. Com um olhar, ele me respondeu que não sabia. O louco desejo de sentar nessas longas viagens faz com que você aprenda algumas manhas. Correr como se não houvesse amanhã e se jogar em um banco é o clássico dos clássicos. “O pessoal desse horario é fraco”, brinca o estudante Josias Sabino. “Divertido é de manhã. As pessoas entram pela janela”.

Eu, particularmente, desenvolvi a técnica de entrar no trem e sentar, esperando até que marque. Comumente pergunto se meus companheiros de apostas acreditam ser aquele o nosso trem. Nunca falta adrenalina nessas noites, principalmente quando a voz anuncia que aquele que desejavamos está, na verdade, a três plataformas de distância.

Terceiro Vagão

Esse é comumente o vagão onde encontro mais estudantes. Sinto orgulho de quem consegue ler durante o caminho. Eu me distraio com tantas cores e aromas, com tanta vida. E comumente também durmo, confesso ser daquelas que não dispensa uma sonequinha no trem. Em dois meses de faculdade e a rotina de pegar o Japeri nesse horário, já tive a oportunidade de reencontrar três amigos: Sabrina Kiffer, Roberta Felix e Fabiano Fidelis, respectivamente estudantes de Matemática e Letras na UERJ e um noivo e feliz contador.

Danilo Abilio e Leticia Inacia também se conheceram aqui. Embora morassem em Edson Passos, o jovem casal só trocou olhares dentro do trem. Ele, no segundo período de Engenharia Mecânica e ela no primeiro de Engenharia de Produção descobriram, ao descer em Piedade, que estudavam na Gama Filho e depois ao descer na mesma estação que eram praticamente vizinhos. “Chega a serem engraçadas essas coisas. Foi a segunda vez que conheci alguém no trem e quando vi a pessoa morava no mesmo local que eu”, relembra Leticia.

Quarto Vagão
Com o passar dos dias, o trem ser torna uma extensão das casas dos seus passageiros. Na verdade, qualquer motivo é um bom motivo para puxar papo no trem. O clima, a chuva ou o calor. O futebol, a novela, o maquinista. “Nós temos de testemunhos de vidas a comemorações de aniversários”, diz o estudante Raphael Ruvenal.

O quarto era o vagão onde aconteciam os cultos, hoje proibidos. Foi lá que Marli dos Santos conheceu Elza Beatriz e Serli Rosa. “Eu gostava de ficar nesse vagão porque, apesar de barulhento, era o que eu me identificava. As mulheres eram mais da minha idade e particularmente, entre o vagão do culto e o do pagode eu me divertia mais no do culto", confessa Elza Beatriz.

Serli e Marli estabeleceram uma relação efetiva de amizade apenas no trem. “Nós somos vizinhas de rua, mas era aquela coisa só de passar e dar boa noite. No trem que nos conhecemos melhor”, diz Serli, que hoje até frequenta a mesma Igreja Metodista que Marli. A amizade dessas três mães de família ultrapassou os horários de Japeri e hoje uma frequenta a casa da outra, conhecem as famílias, organizam-se almoços aos domingos. “Se não fosse por essas duas, a minha filha não teria tido festa de 15 anos, por exemplo”, relembra Elza, que nessa época passava por uma crise financeira e teve nas amigas o apoio. “Serli organizou a festa enquanto Marli fez os salgados. Fora todas as outras pessoas que ajudaram também. Docinhos, vestido, decoração. Tudo foi na base da amizade”, encerra.

Quinto vagão
Cartas distribuídas. O velho frentista me olha: "Sabe jogar?" Sinal negativo com a cabeça, ele continua: "É fácil! É assim, assim e assim. Olha!", diz João Batista, 51 anos. O jogo começa e termina. Eu com cara de paisagem. O fundo musical são grilos, mostrando minha completa falta de compreensão. Quem sabe até o fim da graduação eu não aprendo a jogar baralho no trem.

O quinto é o vagão do baralho. E eu, toda vez que arrisco, termino com a mão cheia. As animadas partidas nunca tem menos de cinco viciados em copas. Os jogos começam em Engenho de Dentro, quando o grupo já está quase completo. Nas noites mais animadas metade do vagão joga enquanto a outra metade acompanha. Nunca falta baralho, assim como no sexto vagão nunca falta o tamborim.

Sexto vagão
Geralmente nas quintas e sextas-feiras de toda semana este é o vagão das festas. “Tem muita gente que não gosta, mas nós nos divertimos”, diz Lucio Rodrigues. O pagode do trem traz sorrisos, pandeiro e muita música. “Comumente não tenho aula às sextas, mas adoro quando tem só para voltar batucando aqui”, revela Arthur dos Santos.

Ele é barulhento, quase nunca está limpo, não possui ar-condicionado e os bancos são duros e pintados de azul. Ainda assim ele me transmite poesia e principalmente: me traz de volta ao lar.

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