por Abrahão Andrade
É show de rock! Bom, pelo menos é assim que o espetaculoso Rock In Rio pretendia ser desde sua estréia em 1985, idealizado por Roberto Medina, numa sacada empresarial ousada pra época, mas bem coerente com o momento de transição que o Brasil vivia.
Num breve resumo, via-se o país recém saído da ditadura e a abertura para a música barulhenta deixava de ser uma ideia para se tornar um fato. As guitarras distorcidas invadiam o país do carnaval, com uma receptividade de um público digno de clássicos no Maracanã.
O evento em sua primeira edição já mostrava uma conotação quase romantizada, remetendo ao Woodstock dos anos 60, substituindo aquela fazenda norte-americana por um gigantesco terreno lá pras bandas de Jacarepaguá. Uma pequena cidade. A cidade do Rock.
Essa grande empreitada comercial e artística colocou a música que outrora fora norte-americana, como integrante do circuito musical daqui. Não poderiam arriscar, entretanto, todas as suas fichas num investimento direcionado apenas para uma plateia de sonhadores roqueiros. Dessa forma, foi incluído um número modesto de grandes nomes da música mundial - ou "pop" se preferir – a fim de garantir um público pagante previamente estipulado. Ora, se a música é mundial o mundo todo deve gostar.
Na quarta edição, vemos a continuidade deste legado empresarial de forma mais e mais crescente. O Rock In Rio, que se tornou em selo tipo exportação inclusive para a europa. Se transformou num evento de proporções mundiais e, apostando em experimentações, as chamadas "jam sessions", de músicos brasileiros da MPB, Rap e vertentes singularmente definidas, acompanhados por orquestras. Além, é claro, do POP.
O evento feito principalmente para fazer tocar em solo brasileiro, cabeludos tatuados, guitarras nervosas e refrões cantados em coro, vai ter de dividir espaço com moças e rapazes bonitos e felizes, embalados pelo axé baiano. O tempo passou, mas a empresa não pode parar.
"Mas se é Rock in Rio, como vão colocar a Ketty Perry e a Claudia Leita pra tocar?" Essa pergunta repetida pela enésima vez, pelo estudante secundarista Marcelo Torres - que jura não ter gastado seu dinheiro pra ir ao evento -, é uma máxima que muita gente deve ter pensado.
A lógica de Medina e companhia é simples, mas difícil de ser engolida pelo amigo de Marcelo, seu colega de sala, Adriano Lima, 18 anos, fã de heavy metal melódico, solta uma outra máxima dos roqueiros: " Eu nunca vi uma banda de metal tocando no carnaval de Salvador, nem numa micareta. Pra mim, o Rock in Rio já perdeu o sentido, no próximo estarão vendendo abadás".
A propósito da micareta, o rapaz num misto de humor e raiva solta: "Espero que se repita a chuva de garrafadas e copos de plástico de 2001". Adriano menciona a emblemática cena de Carlinhos Brown sendo vaiado e recebendo um turbilhão de garrafinhas de água, por uma plateia de roqueiros na terceira edição, que gritava em uníssono "queremos rock".
Mesmo com uma decadência visível para a maioria da galera da música pesada, o rock ainda marca presença no festival que leva seu nome. Nesta edição, a banda System of a Down é o "bendito o fruto" para esse pessoal. A banda era esperada há mais de oito anos, quando surgiram os primeiros rumores de que eles viriam ao Brasil. “Bem esta é a primeira vez!”, comemora Mariana Viera, que já não é uma roqueira adolescente de outrora: "Eu era alucinada pelo System quando tinha 16 anos, hoje já não ouço como naquela época, mas quando soube que eles finalmente viriam ao Brasil ‘fique que não me aguentava de alegria’"
Além do System, é claro que terão outras bandas de Rock, mas a coisa está tão esquisita, que ao contrário das primeiras edições, agora teremos um dia especial pras bandas "não-pop", para pessoas como o designer André Aguiar, que é da turma que “quer mais é beijar na boca”.
“Ainda terão bandas de rock lá, só que a tendência hoje em dia é a música pop. Já estou com meu ingresso pra ver a Ivete; vai lotar com certeza. Se eu fosse empresário, apostaria mais no pop e no axé, que é garantia certa de retorno financeiro”. Não é preciso ser nenhum expert em finanças pra deduzir isso.
Com mais ou menos músicas barulhentas, solos intermináveis, garotada de preto - que aliás, está ameaçada de extinção pelo evento que deveria ser sua disneylandia -, é inevitável não pensar por que o evento ainda cisma em ostentar o título que lhe deu nome e não apenas mudar para um mais adequado.
É bem verdade que eventos como festival de verão de Salvador já receberam bandas como Capital Inicial, Skank e Cpm 22 - aliás, esse tem sido o argumento dos entusiastas da mistura. Aqui não se pretende discutir qualitativamente quem merece ou não tocar no imenso terreno em Jacarepagua, mas apenas dar um nozinho na garganta ao lembrar que um evento que já trouxe bandas que faziam a molecada pernoitar três noites tocando violão, bebendo vinho barato e comendo miojo em seus improvisados acampamentos, vive à sombra de um passado próximo e lembrado com carinho pelos remanescentes de roupas pretas e cabelos longos. Só esperamos que o rock, dentro de sua própria casa, não termine ganhando um puxadinho nos fundos.
2 Comentários:
Boa LEK!Que delícia ler o seu texto!! Mas o puxadinho já foi feito desde a última edição. Infelizmente. O título da sua matéria era pra ser: "O tempo passou, mas a empresa não pode parar." Hehe! Paz e vida ao Rock and Roll.
NIKE
A música é um dos primeiros sinais de quando o tempo passa. E uma novidade atrás da outra.
A questão mesmo é o nome do festival que ganhou outras proporções, ambiciosas.
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