O céu de Verônica

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

por Carine Caitano


Muito antes de uma conferência começar, a população tem que ser convocada. Não foi diferente com a III Conferência Municipal de Cultura de Nova Iguaçu. Quase uma dezena de pré-conferências foram realizadas para apontar a importância de se discutir a cena cultural da cidade. Isso significa mobilização social, ida aos bairros e conversas significativas com moradores e artistas. Uma das pessoas responsáveis por esse trabalho de formiguinha é Verônica Nascimento, subsecretária de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu.

Verônica Nascimento começou a ocupar esse espaço de mobilização dentro da SEMCTUR desde o projeto “Minha rua tem história”, uma gincana social que em setembro de 2008 mobilizou cerca de 3.500 jovens da periferia de Nova Iguaçu: “O trabalho incluía grafite, pinturas, exibições, postagens em blogs”, lembra ela, saudosa de um trabalho que em seu momento de pico chegou a ter cerca de 20 pessoas na produção. “Ali, meio que na porrada, eu tive que aprender a trabalhar”

Tornou-se desde então uma pessoa indispensável na SEMCTUR, mudando com garra e determinação uma história de vida que há não muito tempo teve capítulos dramáticos como dormir na rua e catar latinhas no carnaval da cidade. “Eu meio que me aproprio das coisas pra garantir que elas vão funcionar. Procuro ouvir muito pra saber o que está acontecendo. É uma lenda urbana a meu respeito. Sou uma pessoa normal, que fico com mau humor, mas, ao mesmo tempo, dizem que tenho uma doçura quase servil”.

Durante a entrevista com Verônica Nascimento, que ela teve que interromper diversas vezes para atender os participantes da III Conferência Municipal de Cultura, no último final de semana de semana, no Espaço Cultura Sylvio Monteiro, ficou bem claro que ela não foge de trabalho. Mais que isso, consegue se destacar por ir além do básico. É assim pelo menos desde 2005, quando não se limitou à sala de aula no projeto de reforço escolar para jovens em que trabalho no Sesc de Nova Iguaçu. “O projeto tinha dança, música, grafite, cinema e incentivo à leitura”, lembra ela. “Como sabia que minha aula era a parte mais chata do projeto, comecei a pegar a música que eles estavam ensaiando na semana e escrevê-la com eles, buscando realmente uma melhora na escrita”.

Donos do pedaço
Outra atividade que ela desenvolveu junto aos alunos teve como tema os vizinhos famosos, como aquela pessoa que vende aipim na sua rua e por causa disso se destaca na Zona Sul. A culminância da ação foi a produção de um livro e um vídeo intitulados “Os donos do pedaço”, que mostrava artistas, comandantes da policia, ativistas ambientais e pessoas da área da saúde. Verônica explica a escolha: “A intenção era que os jovens realmente se apropriassem do seu espaço com profissionais de diversas áreas”.

Nesse processo, o grupo descobriu o trabalho do Dadinho, um morador de Nova Iguaçu com trabalhos expostos no Museu da França praticamente desconhecido na sua vizinhança. “Ele ra conhecido como escultor das árvores, pois pegava as árvores que estavam morrendo e fazia esculturas belíssimas com elas. Tem um acervo de obras maravilhoso”, conta Verônica. Infelizmente, quando o grupo achou o contato de Dadinho, ele havia falecido uma semana antes. Verônica então recorreu ao cenógrafo Raimundo Rodrigues para falar com os meninos sobre o universo das artes. Raimundo teve uma conversa com os jovens, e recebeu um exemplar do livro, como agradecimento.

Algumas semanas depois, o cenógrafo entrou em contato, chamando-a para trabalhar em uma pesquisa sobre os bairros de Nova Iguaçu. Ela aceitou e os dois combinaram um dia para discutirem detalhes. Na época, Verônica trabalhava como faxineira e chegou tarde ao encontro. Quando começou a apresentação da equipe, sentiu que não pertencia àquele mundo, mas, apesar disso, o então secretário de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu anunciou seu nome como mais nova integrante da SEMCTUR. Surpresa, ela não teve tempo nem para inventar uma história que justificasse a contratação. “Eu sou Verônica Nascimento, eu sou mãe solteira, eu sou faxineira e não tenho nem o segundo grau completo”, disse para seus novos colegas de trabalho.

Autodidata
Apesar do espanto inicial, a equipe da SEMCTUR a acolheu muito bem mesmo depois que o cenógrafo Raimundo Rodrigues aceitou um convite da Rede Globo e transmitiu o cargo para o museólogo Marcos Lontra. “Sempre fui muito autodidata”, conta Verônica, que, mesmo sem jamais ter ligado um computador até aquela altura de sua vida, se tornou secretária do novo titular da SEMCTUR. “Isso me fez ver o mundo de outra forma”. Ouvindo mais um pouco de sua história, ninguém se atreveria a dizer que Verônica não conseguirá alcançar seus objetivos. Tendo passado três anos de sua adolescência morando na rua, a atual subsecretária já foi até homenageada na Câmara dos Vereadores como mulher negra de destaque. “Dar poder pra mulher preta é um problema”, brinca.

Verônica Nascimento usa todas essas vivências no trabalho que desenvolve na Secretaria de Cultura e Turismo, inclusive a de ser mãe de Renan, um menino de 14 anos que está iniciando com garra e talento uma carreira como percussionista. Quando soube que estava grávida, pensou em desistir, mas parou para pensar em tudo que tinha feito de sua vida até aquele momento e topou o desafio. Os fatos só fizeram comprovar que tinha experiência suficiente para vencer mais aquela barreira. “Eu tinha 20 anos, mas já tinha casado, separado, perdido minha mãe, morado na rua...”

A gestão do escritor e cineasta Marcus Vinicius Faustini, que a promoveu para subsecretária depois de sua espetacular atuação na gincana social “Minha rua tem história”, só fez deixá-la mais à vontade na SEMCTUR. “Aqui, todo mundo é cultura”, diz ela, citando o slogan da gestão de Faustini. “As pessoas normais, como eu. Aquela mãe batalhadora que não teve oportunidade de chegar muito longe ou as pessoas que praticam cultura diariamente, como minha companheira de trabalho Bárbara, uma arquivista de jornais que está na SEMCTUR somente das 9h ao meio-dia.” Verônica Nascimento citou Bárbara porque ela mora num quintal com uma série de outras casas, dentro do qual todos se reúnem pra sambar. “É um espaço cultural”, afirma a mãe de Renan. “Imagine chegar nessa casa e falar com uma senhora de cabecinha branca que assiste o samba, essa tradição que vai de filho pra filho”.

Verônica vai continuar promovendo cultura e viabilizando diálogos em Nova Iguaçu. Na correria da conferência, finaliza: “Era assistente de gabinete e, nesse momento, estou subsecretária de cultura. Tanto pode daqui a seis meses voltar ser faxineira ou não, ser secretária adjunta... quem sabe? O céu agora é o limite!”

3 Comentários:

ribeiro disse...

É muito importante este espaço, a reportagem sobre a subsecretária de cultura foi formidável. Conhece a historia da Veronica e poder constata que que ela é uma é uma pessoa muito especial, agora conhecendo a sua historia tenho a certeza de que ela faz a diferença. E que a cultura é o
espaço de integração e das oportunidades.
Parabéns, Verônica vocÊ é uma Vencedora!

camila disse...

Ameeeeei a matéria, em cinco minutos conheci a história de uma vida toda de guarra de uma mulher espetacular e que admiro demais. Confesso que apesar de trabalhar ali do ladinho, na sala ao lado mesmo, eu não fazia idéia de quem era Verônica mas sempre fui encantada por seu jeito. Hoje além de ter conhecido essa linda trajetória que só me fez querer persistir ainda mais em alcançar meus objetivos, sinto-me lisonjeda de ter uma referência tão maravilhosa bem pertinho. Isso só prova que "nada é impossível ao que crê". Parabéns pela matéria! Continuem nos fornecendo histórias tão maravilhosas quanto estas!

Carlos disse...

Gosto muito desse tipo de matéria, pois .os faz lembrar de como é importante que nossas atitudes ultrapassem os limites da normalidade e que podemos sobressair em qualquer ambiente. Não conheço Verônica, mas me identifico com sua história e torço por um futuro ainda mais gratificante. Parabéns para o blog por essa e outras matérias maravilhosas e a Verônica, por nos inspirar.

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