Inescrutáveis desígnios de Deus

terça-feira, 10 de novembro de 2009

por Dariana Nogueira

“Falta-nos ainda muitas palavras para que comecemos a tentar dizer quem somos e nem sempre daremos com as que melhor o expliquem.” – José Saramago


O primeiro contato que tive com a obra de José Saramago, ainda que indiretamente, foi assistindo ao filme Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, inspirado na obra homônima do autor. Mantive-me tensa e inquieta durante toda a sessão e saí da sala de cinema bastante sensibilizada.

Continuei mantendo contato com a obra do autor através do blog pessoal de Saramago, O caderno, que traz textos instigantes e provocadores, além de sua maravilhosa e inconfundível escrita portuguesa.

Finalmente, esta semana finalizei a leitura de Caim, a terceira obra de Saramago produzida este ano. O escritor, no auge de seus oitenta e tantos anos, vive sua fase mais produtiva, dizendo com seu sarcasmo típico, que está aproveitando o pouco tempo que lhe resta.

O romance ateu narra diversos acontecimentos registrados no Antigo Testamento sob a perspectiva de Caim, o primogênito de Adão e Eva. Como se sabe, este personagem bíblico matou seu irmão Abel, cometendo o primeiro homicídio da humanidade. Pelo crime que cometeu, o Senhor o condenou a vagar errante pela Terra.


O ateísmo é algo que sempre me intrigou, primeiro por sua ousadia e depois pelos argumentos sedutores, e como não resisto a um bom argumento, volta e meia encontro o nariz metido em escritos céticos. O curioso em Caim, no entanto, é que Deus e os escritos bíblicos são considerados dentro de sua própria lógica e história, atacados por um personagem dela. O tempo todo, trechos das Sagradas Escrituras são incorporados à narrativa e os personagens apropriados pelo autor: Saramago se faz de fraco para ganhar os fracos.

caim – assim mesmo, com letras minúsculas, como todos os outros personagens do livro – passa por diferentes acontecimentos bíblicos, numa estrutura temporal não-linear criada pelo autor (genial, diga-se de passagem!), desmascarando, julgando e condenando os “inescrutáveis desígnios de deus.”

O texto é irônico, bem-humorado e provocador ao máximo: caim em sua forma mais humana negocia com o criador e julga as ações divinas; eva manda em adão; deus é chamado de “filho da puta” com todas as letras. O livro reflete um ceticismo inconformado onde não basta descrer, é preciso combater. E é nesse sentido que Caim se constitui num romance e tanto, interessante, ousado, bem escrito, e sobretudo com uma grande e boa dose de ficção.

3 Comentários:

Anônimo disse...

Texto maravilhosa, Dariana.
Cada vez melhor, você e o blog.
Parabéns

Josy disse...

Como gosto do Saramago...

Ficou ótima a forma bem pessoal como descreveu sua relação com o autor, Dari! Me deixou curiosa pelo blog dele, não sabia que tinha!

Dari disse...

obrigada, anônimo.

Josy, tem sim e é muito bom... vai o link: http://caderno.josesaramago.org

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