por Dariana Nogueira
“Falta-nos ainda muitas palavras para que comecemos a tentar dizer quem somos e nem sempre daremos com as que melhor o expliquem.” – José Saramago
Continuei mantendo contato com a obra do autor através do blog pessoal de Saramago, O caderno, que traz textos instigantes e provocadores, além de sua maravilhosa e inconfundível escrita portuguesa.
Finalmente, esta semana finalizei a leitura de Caim, a terceira obra de Saramago produzida este ano. O escritor, no auge de seus oitenta e tantos anos, vive sua fase mais produtiva, dizendo com seu sarcasmo típico, que está aproveitando o pouco tempo que lhe resta.
O romance ateu narra diversos acontecimentos registrados no Antigo Testamento sob a perspectiva de Caim, o primogênito de Adão e Eva. Como se sabe, este personagem bíblico matou seu irmão Abel, cometendo o primeiro homicídio da humanidade. Pelo crime que cometeu, o Senhor o condenou a vagar errante pela Terra.
O ateísmo é algo que sempre me intrigou, primeiro por sua ousadia e depois pelos argumentos sedutores, e como não resisto a um bom argumento, volta e meia encontro o nariz metido em escritos céticos. O curioso em Caim, no entanto, é que Deus e os escritos bíblicos são considerados dentro de sua própria lógica e história, atacados por um personagem dela. O tempo todo, trechos das Sagradas Escrituras são incorporados à narrativa e os personagens apropriados pelo autor: Saramago se faz de fraco para ganhar os fracos.
caim – assim mesmo, com letras minúsculas, como todos os outros personagens do livro – passa por diferentes acontecimentos bíblicos, numa estrutura temporal não-linear criada pelo autor (genial, diga-se de passagem!), desmascarando, julgando e condenando os “inescrutáveis desígnios de deus.”
O texto é irônico, bem-humorado e provocador ao máximo: caim em sua forma mais humana negocia com o criador e julga as ações divinas; eva manda em adão; deus é chamado de “filho da puta” com todas as letras. O livro reflete um ceticismo inconformado onde não basta descrer, é preciso combater. E é nesse sentido que Caim se constitui num romance e tanto, interessante, ousado, bem escrito, e sobretudo com uma grande e boa dose de ficção.
3 Comentários:
Texto maravilhosa, Dariana.
Cada vez melhor, você e o blog.
Parabéns
Como gosto do Saramago...
Ficou ótima a forma bem pessoal como descreveu sua relação com o autor, Dari! Me deixou curiosa pelo blog dele, não sabia que tinha!
obrigada, anônimo.
Josy, tem sim e é muito bom... vai o link: http://caderno.josesaramago.org
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