Os sofridos admiradores de Machado

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

por Lívia Pereira

Tendo em seu nome a força devastadora de quem rompe amarras, esse monumento vivo da nossa cultura que é Machado de Assis tinha feições nada robustas: aspecto pacato, semblante grave, olhar e fala austeros. E quem seria capaz de supor que um filho de lavadeira mulato pudesse ganhar o mundo numa época em que a melanina em quantidade era um revés?

Há quem diga que sua vida foi vazia de aventuras, que a adrenalina repousava na tinta e no papel. No entanto, nada é mais arriscado que ser sozinho em meio a um mundo que pode te devorar a qualquer instante. Perdeu a mãe muito cedo, assim como o pai, que antes de partir casou-se novamente, deixando Machado em boa companhia: pobre, mestiço, órfão, num Brasil um tanto conturbado. O que mais podia dar errado?

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no dia 21 de junho de 1839 no Rio de Janeiro. Seu primeiro passo para a vida profissional foi a venda de doces pelas ruas. Em constante ascensão, sua carreira nos dá mostras de que a vida não dá saltos. Sua segunda experiência foi aprender tipografia na Imprensa Nacional. Entrou no jornalismo pelo Correio Mercantil, em 1858. Passou depois pelo Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e Jornal das Famílias.

No dia 12 de novembro de 1869, aos 30 anos, casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, grande influenciadora da sua forma de escrever. Grande parte dos títulos de sua biblioteca deve-se ao gosto de sua musa. Títulos, por exemplo, de Victor Hugo, Shakespeare e muitos outros que, mesmo sutilmente, inspiraram e influenciaram seu modo de escrever.

Trabalhador compulsivo
Trabalhador compulsivo, foi, durante toda vida, funcionário público. Mas jamais abandonou a carreira de jornalista, sempre escrevendo na Gazeta de Noticias, na Revista Brasileira e em O Globo. Trabalhava tanto que, em meados de 1870, adoeceu e recebeu de seu médico a orientação de viajar. Acompanhado de sua esposa, viajou então para Nova Friburgo, região serrana do estado do Rio de Janeiro.

Inserido no contexto escravocrata, não se omitiu nas lutas contra a libertação dos escravos. “Sim, também eu saí à rua, eu, o mais encolhido dos caramujos”, disse para o jornal A Semana.

Sua militância no mundo das letras fez dele o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1896. Seu patrono foi seu grande amigo José de Alencar, presente em suas prateleiras através de todas as suas obras. Hoje, a ABL é conhecida como Casa de Machado de Assis.

Completo, ele percorreu as estradas das palavras desde o jornalismo até a crítica de teatro. Seu primeiro livro de poesias foi Crisálidas (1864), que lhe garantiu reconhecimento e aceitação do público.

Dilemas insolúveis
Machado de Assis foi um escritor completo. Consagrado no Brasil e no exterior, deixou obras magníficas, que nos transportam às paisagens de outrora da cidade com exatidão tamanha que ao vê-las pessoalmente, talvez não tivéssemos a mesma percepção. Convenceu-nos de fatos e pessoas que nunca existiram, a tal ponto de, ainda hoje persistirmos na dúvida. Deixou-nos dilemas insolúveis como o traiu ou não traiu de Capitu e os pitacos do sempre narrador autoconsciente, disposto a interferir na trama e induzir o leitor ingênuo a acreditar nas suas envolventes opiniões.

Contemporâneo de grandes talentos de sua época como Olavo Bilac, Artur de Oliveira, Paula Nei, Raul Pompéia e muitos outros, ele marcou sua geração. Enfrentou preconceitos, destruiu obstáculos e se tornou ídolo de pessoas e de outros grandes ídolos.

Com a morte de Carolina, ele perdeu um tanto das forças que tinha e seu cordão de vida foi se rompendo pouco a pouco. Até que, quatro anos depois, ele partiu. Mas não de todo. Eis que, num mágico movimento de abrir de livro, ele ressurge e se mostra imortal.

˝Martins Fontes, certa vez, confessa a Olavo o quanto Machado lhe parecia seco e implacável.
-Você nunca sofreu - responde Bilac. – Para estimar e admirar Machado de Assis é preciso ter sofrido.˝

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