Made in Nova Iguaçu

segunda-feira, 28 de junho de 2010

por Joaquim Tavares

“Meu pai jogava bola também, foi assim que comecei a me interessar e a me aproximar do esporte.” Esse foi o pontapé inicial no mundo do futebol do jogador profissional Mario Sergio Moreira Freitas. Talvez você não o conheça, o que não seria muito difícil, já que Mario Sergio nunca jogou em um time profissional do Rio de Janeiro. Mas não se engane, o jogador já possui uma carreira de dar inveja.

Mario Sergio tem 24 anos, é natural de Corumbá, pequeno bairro de Nova Iguaçu. Morou também por muito tempo na Califórnia, ainda no mesmo município. Passou toda a sua vida na Baixada Fluminense. Estudou no colégio Olavo Bilac e lá concluiu o Ensino Médio. Serviu o Exército durante 3 anos, fazendo parte do time de futebol interno. Ao se desligar das Forças Armadas, entrou na faculdade de Educação Física, mas ficou só no início mesmo; trancou a matrícula ainda no primeiro semestre. Motivo: uma oportunidade incomum.

“Fiz alguns testes nos clubes aqui do Rio, mas não fui aceito... deixei pra lá. Em 2006, participei de uma peneira lá em São Gonçalo, passei e fui jogar no Mauá, time da 3ª divisão de lá mesmo. Foi lá que eu conheci o Antonio Lopes, um cara muito envolvido com o futebol e que virou um grande amigo meu. Ele me apresentou ao Marcelo Pantera, um empresário de futebol, que foi quem me convidou para ir para um time da 2ª divisão em Goiás, o Goiatuba”, conta o jogador, que passou um ano nesse clube e depois voltou para o Rio de Janeiro.

Foi aí que surgiu sua grande chance, que ele agarrou depois de levantar um empréstimo de US$ 6 mil para a passagem aérea para a Arábia Saudita, onde foi recebido por Ibrahim, seu futuro empresário. “Eu não sabia falar inglês, muito menos árabe. O começo foi muito complicado, mas com sete dias de treino eu já tinha sido contratado pelo Mesaimeer, da 2ª divisão da Arábia Saudita.”

Cem por cento
Mesmo com esse começo desafiador, Mario Sergio seguiu firme no seu propósito, deixando para trás mulher, filho com menos de 1 ano e sua avó, que foi quem ajudou na sua criação quando lhe faltaram os pais. “O começo foi o pior momento. Eu sentia principalmente muita saudade do meu filho. Meu futebol não rendia e eu comecei a entrar num estado de depressão. Foi aí que pedi uma liberação para voltar ao Brasil e rever minha família. Quando retornei à Arábia, tudo melhorou e eu estava 100% novamente.”

Muito bem-humorado, Mario Sergio conta que a cultura de lá ainda o deixa assustado. “Quando eu vou ao supermercado ou em algum outro lugar, passo reto e não olho pra mulher nenhuma. As coisas lá são muito diferentes. É por isso que minha mulher aqui no Rio fica tranquila, pois sabe que não vou arrumar nada lá mesmo!”

Após jogar uma temporada pelo Mesaimeer, foi transferido para o Alraed e assinou um contrato de três anos. Já jogou uma temporada por esse último time e confessa que não foi das melhores. “Ficamos em penúltimo lugar, mais um pouco seríamos rebaixados. O pior de tudo é que eles lá cobram muito dos estrangeiros. No meu time eram quatro contando comigo, dois brasileiros, um marroquino e um africano. Quando o time ia mal, a culpa era jogada sempre com mais força em cima da gente”, conta. Mario Sergio embarca no próximo dia 12 com o desejo de deixar para trás a temporada passada. ”Agora vamos fazer uma pré-temporada de 10 dias na França, só aí é que vou saber qual vai ser meu rumo, se vou permanecer lá ou ir para um outro clube, coisa que é muito comum nesse período antes do início da temporada.”

Fatos estranhos marcam a vida de Mario Sergio. Estranhos, curiosos e engraçados. Ele afirma que nunca fez escolinha na vida dele e, por isso mesmo, se considera alguém de muita sorte. Outra coisa que é absolutamente incomum é que ele se diz alguém que não é muito ligado ao futebol. “Não sou de ficar vendo jogos, não sei as escalações dos outros times. Se me perguntar quantos jogos faltam pra acabar o campeonato, eu talvez nem saiba dizer. Meu negócio é entrar em campo e jogar, de preferência, marcando gols.” O atacante diz que seu grande ídolo é o Ronaldinho Gaúcho, mas afirma que, até mesmo pela sua posição, seu futebol se assemelha mais com o do Robinho. “Sou rápido, técnico e tenho boa visão de jogo. Mas não gosto de voltar para marcar e já fui muito fominha.”

Paga melhor
Questionado sobre uma possível volta para um time do Brasil, Mario Sergio demonstra interesse. “Eu tenho vontade de voltar sim, mas talvez daqui a uns cinco anos. Quero primeiro me estabilizar financeiramente. Eu jogaria até no Flamengo, se fosse o caso, mesmo sendo botafoguense desde criança.” Mario ainda confessa algumas particularidades acerca das diferenças do futebol daqui e o de lá. “Sei que, hoje, não ganharia aqui o que ganho lá. Um clube da 2ª divisão de lá chega, às vezes, pagar melhor do que um da 1ª divisão daqui. Tenho o meu salário e ganho gratificações em jogos importantes [o chamado ‘bicho’].”

A situação do jogador está tão boa na Arábia que ele pensa numa possível chance de se naturalizar saudita e um dia defender a seleção de lá. “Eu iria me naturalizar sim. Conheço jogadores que fizeram isso e se dão muito bem.”

Outro fato incomum relacionado ao atleta é que ele se diz apaixonado pela posição de goleiro. “Se hoje eu pudesse escolher, seria goleiro. Nas peladas que ando jogado por aqui, sempre agarro. Me equipo todo, calço luvas e tudo mais.” Mario Sergio pretende jogar até os 39 anos, como seu ídolo Romário. Mas depois de pendurar as chuteiras vai esquecer o mundo da bola. “Como já disse, não sou muito envolvido nessa área.”

Fama mundial
Com muito esforço e coragem, esse jovem nascido em Nova Iguaçu vem conseguindo construir uma a estabilidade financeira em nome da qual correu o risco de ir para o outro lado do mundo com a cara e a coragem. “Quando cheguei, havia dois brasileiros no meu time e um deles falava inglês e me ajudou em tudo, mas mesmo assim, passei por muitas dificuldades. Mas eu acredito numa coisa, tudo que acontece na nossa vida é Deus quem permite. Se eu consegui ir para lá, é porque Deus permitiu e alguma coisa boa estava me esperando.”

Um assunto que o deixa muito triste é o número de pedidos de pessoas que batem na sua casa sem querer saber como ele está. “Ninguém pergunta como eu estou, nem se importam por tudo que passei. Muitos só pensam em se aproveitar de mim porque sabem que sou jogador de futebol.”

Mesmo com tão pouco tempo na carreira de jogador, Mario Sergio já se mostra como exemplo para muitos que pensam seguir essa carreira. Teve coragem de largar tudo para tentar a vida num outro ‘mundo’. Nunca lhe faltou perseverança e foi essa uma das coisas que fizeram com que seu sucesso viesse. Jovem, sem muitas oportunidades, passando por diversas dificuldades, essa foi a sua trajetória. Mostrando uma humildade incomum para um jogador de futebol, Mario Sergio serve de espelho para muitos que pensam em seguir seus passos e mostra que é possível alcançar seus objetivos. Basta querer, persistir e ter fé no que se faz.

Mario Sergio, que é muito conhecido na Arábia, sonha com o dia em que essa fama se espalhe pelo mundo. “Não preciso ser como um Robinho ou um Kaká, só gostaria que me reconhecessem. Além disso, tenho o desejo de, um dia, jogar pelo Botafogo, meu time de coração.”